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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Total 66 37,1 103 57,9 2 1,1 7 3,9 178 100,0 Plano de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS)

5.4. Desafio da implantação/implementação da Política Nacional de Saúde Bucal

5.4.2. A direção do serviço

Figura 13 – Mapa conceitual da subcategoria analítica “A direção do serviço”.

Essa categoria tem como objetivo articular três assuntos “Integração, Pactu- ação e Avaliação” que já foram discutidos isoladamente em outras sessões desta tese, mas que se julgou importante destacá-los como subcategorias analíticas.

Os entrevistados declararam que sentiam falta de um direcionamento, inclu- sive, acreditavam que deveriam ser cobrados.

(117) Para você valorizar um profissional, primeira coisa é isso, quem trabalha quer ser pago. Eles cobram e não pagam, mas não é remunerado para você não fazer nada, tem que te cobrar também. (18SB1.13)

Quanto à direção do serviço, observou-se que dois elementos eram essên- cias: integração do grupo e cobrança de resultados. Esses dois elementos poderiam ser mediados pela Pactuação. Ou seja, uma equipe coesa estabeleceria metas para cumprir os objetivos da organização que poderiam ser cobradas naturalmente pelos gestores, população e colegas de trabalho, mediante avaliações periódicas. Algo muito natural, se as pessoas trabalhassem efetivamente em equipe e não buscas- sem exclusivamente seus próprios interesses.

Segundo Siqueira (2009), as organizações são constituídas, basicamente, por dois elementos fundamentais: a coordenação e a divisão de tarefas. No entanto, alguns profissionais apresentaram dificuldade de aceitar que as regras e os códigos de conduta exercem papel fundamental na constituição das sociedades humanas.

Atualmente, existe o discurso da gestão participativa e, de fato, na área da saúde tem-se estimulado formas mais horizontais de gestão. No entanto, conforme foi citado, os próprios profissionais sentem falta de um ator que organize, cobre, es-

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timule, indique a forma como o trabalho deve ser desenvolvido e avalie se o que foi combinado é o que está sendo realizado.

O poder, apesar de ter um aspecto nocivo, é fundamental na formação, na manutenção e desenvolvimento dos grupos, das sociedades humanas. São neces- sárias tanto a presença da diferenciação do dominador, do responsável pela defini- ção das regras, quanto das pessoas que deverão aceitar ou discordar (SIQUEIRA, 2009).

Há um jogo constante entre dominador e dominado que vai além da imposi- ção. Esses jogos de poder são complexos, pois envolvem controles sutis, como a gestão do afetivo, a internalização dos valores da organização e o desejo do indiví- duo em vencer. O indivíduo que é dominado também tem as suas armas que podem equilibrar o jogo de forças com o dominador. Nesse sentido, ele pode abdicar do empenho de alcançar os objetivos almejados, da aplicação de seu conhecimento para a resolução dos problemas, ou pode criar grupos que farão resistência às deci- sões organizacionais (SIQUEIRA, 2009).

Já foi apontado nesta tese que a hierarquia não apresenta um aspecto nega- tivo por si , mas que é natural que em uma organização alguns profissionais assumi- rem funções de liderança. Segundo D’ Amour et al. (2008), a presença de liderança, “Leadership” é um dos indicadores que pode demonstrar que existe mais colabora- ção em um serviço de saúde, seja ela emergente ou relacionada a uma posição, desde que direcione os sujeitos a um amplo acordo.

No caso das ESB, esse papel poderia ser assumido pelo CD. No entanto, na presente investigação, foi observado que os CD desistiram de alcançar os objetivos organizacionais, de colaborar com o desenvolvimento do serviço de saúde bucal – seja cumprindo suas tarefas, seja exercendo um trabalho de coordenador – frente ao descontentamento com o salário, à falta de união entre eles para reivindicarem me- lhores salários e à ausência de apoio dos órgãos de classe.

Portanto, para se implantar a Política Nacional de Saúde Bucal, torna-se im- perativo rever as condições de trabalho dos profissionais que atuam nas ESF. Não somente em relação à remuneração, mas também no que se refere à proporcionar formação permanente e liberdade para atuar com autonomia e criatividade. Segundo Vasconcelos (2001, p. 34):

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Se é nas organizações que passamos a maior parte das nossas vidas, natural seria que a transformássemos em lugares mais aprazíveis para execução de nosso trabalho. Locais onde pudéssemos de fato, passar algumas horas vivendo, criando e realizando plenamente – com qualidade de vida, satisfação e alegria.

Um ponto que pode ser levantado, aqui, é que os profissionais precisam es- tar motivados para efetivarem o programa. Destaca-se que, por mais bem elaborada que esteja a norma e por mais preparada que seja a gestão, deve-se entender que as ações de saúde são realizadas por pessoas diferentes com objetivos diferentes.

Campos (2007a) relata que nos últimos anos houve todo um empenho para a construção de uma base legal e administrativa para os serviços de saúde, e que, contraditoriamente, houve uma negligência sobre a importância das pessoas que operariam esses serviços. Portanto, pode-se acrescentar que as mudanças em um modelo assistencial dependem, além do contexto político e da organização dos ser- viços, de processos de capacitação e do envolvimento da equipe (SOUZA; RONCALLI, 2007).

Nem sempre, o perfil do profissional está de acordo com as funções que es- sas pessoas vão desenvolver no PSF e, como já foi destacado anteriormente, os profissionais da odontologia são tecnicistas e privilegiam o atendimento em consultó- rio particular. Isso é corroborado por Araújo e Dimenstein (2006, p. 226, sic) que a- firmam que:

Esse perfil clínico preponderante vai de encontro com as características que eles próprios identificaram como sendo imprescindíveis ao trabalho no PSF: ter um conhecimento amplo e multidisciplinar, ter habilidade para atender diferentes tipos de demandas, gostar de trabalhar com comunidades pobres, em zona rural e, principalmente, possuir determinadas características pessoais tais como ser paciente, solidário, corajoso, humano, as quais fazem diferença nesse tipo de trabalho. Não é por acaso que a maioria considera que não atende a esse perfil e, conseqüentemente, enfrenta dificuldades de realização do seu trabalho, especialmente no contato diário com a comunidade. Observa- se que a experiência do PSF não tem conseguido mudar as formas de atuação já estabelecidas, e de criar um outro modo de produzir saúde. O que se vê é a reprodução de práticas tradicionais, fragmentadas e isoladas.

No entanto, a falta de perfil não justifica o não cumprimento dos princípios do SUS; um profissional comprometido, ao se integrar na equipe, pode capacitar-se

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para atuar no PSF. O fato é que a inserção da odontologia no PSF exige uma mu- dança radical na forma de se trabalhar do dentista. A transição de um modelo exclu- dente para um modelo universal implica reaprender a fazer o atendimento, o que levou alguns profissionais a resistirem às mudanças. Nesse sentido, a fala abaixo aponta conflitos distintos:

(118) A gente que está fazendo tudo caminhar, mas quando a gente volta para nossa casa encontra muita resistência ainda, é a resistência da bebê (clínica), e, de repente, eu não tenho uma autonomia para chegar em um profissional, já, de vinte e cinco anos de casa, e falar que eu não concordo com a forma que ela está conduzindo o tratamento. (17SB1. 23)

Essas mudanças para os CD representam uma troca de paradigma, de tal forma que algumas atividades que se realizam pelo programa, como, por exemplo, atender adulto, fazer visita domiciliar e palestras de prevenção em grupos prioritá- rios, são consideradas como sinônimos de PSF. Sendo assim, os CD que não estão vinculados ao programa, desconsideram essas atividades como suas atribuições e se negam a executá-las, dificultando a implantação da política.

Torna-se necessário, aqui, resgatar a questão dos repertórios culturais. Con- forme destacado anteriormente, nos serviços de saúde encontram-se uma multiplici- dade de autogovernos. Nesse sentido, ações planejadas de nada adiantarão para a efetivação da Política Nacional de Saúde Bucal, se a organização não tiver uma cul- tura que alimente esse processo (TONETTO et al., 2009).

A cultura organizacional é conceituada sob distintas perspectivas teóricas que a descrevem com diferentes e múltiplas dimensões (SIQUEIRA, 2009). Seja qual for a epistemologia adotada, a cultura organizacional compreende, pelo menos, três níveis: (i) a arquitetura da organização; (ii) os valores, que focalizam a maneira como as situações são tratadas e os problemas são enfrentados; e (iii) o nível dos pressupostos, que considera as crenças do grupo sobre a realidade em que estão inseridos seus membros (TONETTO et al., 2009).

A cultura é continuamente formada, tendo em vista que sempre existirão processos de aprendizagem em andamento. Por outro lado, as coisas aprendidas, quando enraizadas, dão estabilidade ao grupo e tornam-se difíceis de mudar. For- mam-se, assim, padrões que vão sendo repassados àqueles que vão ingressando

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no grupo. Cabe ressaltar, nessa perspectiva, que os valores da sociedade influenci- am os valores pessoais (TONETTO et al., 2009).

A necessidade de rompimento com o modelo flexneriano está em todos os documentos do MS e no discurso de muitos autores, mas não saiu da cabeça das pessoas e principalmente do agir. A pergunta que se impõe é: pode-se mudar uma cultura organizacional?

Não existe um consenso entre os autores, mas pode-se dizer que a cultura muda quando as pessoas mudam, e esse é um processo longo e de difícil direcio- namento. Mas, é consensual a compreensão de que, onde não existe espaço para discussões e livre troca de ideias, poderemos encontrar uma cultura fechada, indivi- dualista, em que as pessoas se manifestam pouco, não participam por não haver espaço para suas vozes (TONETTO et al., 2009).

O mais indicado, então, é abrir espaço para o trabalho em equipe e, com a ajuda dessa, ir alterando alguns elementos organizacionais, ampliar os ambientes de troca, reduzindo práticas individualistas, valorizando a cooperação, a participação e, de acordo com o engajamento das pessoas, ir mudando a cultura (TONETTO et al., 2009).

Desse modo, o trabalho em equipe é uma ferramenta do processo de traba- lho em saúde, cuja aplicação requer do gerente a composição de um conjunto de instrumentos, que podem ser sintetizados como: (i) construir e consolidar espaços de troca entre os profissionais; (ii) estimular os vínculos profissional-usuário e usuá- rio-serviço, por meio da interação e da participação social; (iii) estimular a autonomia das equipes, em particular para a construção de seus próprios projetos de trabalho; e (iv) promover o envolvimento e o compromisso de cada equipe e da rede de equi- pes com o projeto institucional.

Essas ações são mediadas pela comunicação e pela interação que busca o entendimento pautado no compartilhamento de um horizonte ético e normativo, no qual os envolvidos – trabalhadores, gerentes, usuários e população – constroem so- lidariamente o projeto institucional. Nesse sentido, cabe a todos esses sujeitos soci- ais criar e dar sustentação a uma prática comunicativa, em que todos sejam partíci- pes, tanto da construção do projeto de trabalho do serviço como do projeto assisten- cial comum a cada equipe (PEDUZZI, 2007).

Coloca-se, assim, uma importante discussão para a gerência dos serviços de saúde em torno da díade responsabilidade profissional e necessidade de um sis-

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tema de prestação de contas, pois os trabalhadores podem se responsabilizar pelo seu trabalho − e usualmente o fazem – mas também devem prestar contas de suas ações e dos resultados produzidos, para o serviço em que se inserem e para os u- suários e a população de referência (PEDUZZI, 2007)

Campos (2002) parte das premissas de que a qualidade dos serviços pres- tados à população está na combinação entre autonomia profissional e definição de responsabilidades dos trabalhadores e de que a operação dos sistemas de saúde requer um certo grau de controle organizacional. Para o enfrentamento do que de- nomina paradoxo entre liberdade e controle, visando assegurar-se a qualidade do trabalho em saúde, o autor propõe que se articulem, de um lado, a constituição de equipes multiprofissionais que trabalhem com base no estabelecimento de vínculo profissional-usuário e com a definição precisa e inequívoca de responsabilidades individuais diante de cada caso (pactuação); e, de outro, a reaproximação dos traba- lhadores de saúde do resultado de seu trabalho (avaliação).

No caso do Brasil, poder-se-ia dizer que há dois modelos polares em discus- são para a organização dos processos de trabalho em saúde. De um lado, experiên- cias mais radicais de horizontalização de organogramas, com distribuição mais ho- mogênea de poder. Nessas situações, é comum igualarem-se de modo artificial to- dos os profissionais. Todos fariam tudo e ninguém seria responsável por nada em particular, já que a responsabilidade pelo projeto terapêutico seria sempre coletiva (CAMPOS, 2002).

De outro, em contextos mais tradicionais ou em organizações mais hierar- quizadas, observa-se uma agregação vertical de profissões ou de grupos homogê- neos de especialistas. São os famosos organogramas verticais que criam departa- mentos de enfermagem, serviço social, médico, entre outros setores. O trabalho, nesse contexto, tende a burocratizar-se. Cada um se sente responsável por fazer somente aquilo ligado a sua especialidade. Procura-se apelar por protocolos, e pro- gramas normativos de conduta. Com o tempo costuma ocorrer exacerbação do con- flito entre equipes de trabalho, e “empurra-empurra” de responsabilidades, não estri- tamente previstas nas rotinas (CAMPOS, 2002).

Portanto, a proposta de equalização consiste em se combinarem caracterís- ticas polares e antagônicas, implementando-se os modelos organizacionais que mais potencializem a produção de saúde. Haveria que se procurar arranjos singula- res que assegurassem, ao mesmo tempo: “o máximo de eficácia, de qualidade e de

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produção de saúde; o máximo de produtividade, de eficiência e de viabilidade possí- veis; e o máximo de satisfação profissional” (CAMPOS, 2002, p. 234).

Nesse momento, vale a pena destacar mais quatro indicadores propostos por D’Amour et al. (2008): metas (“goals”), ferramentas de formalização (“formalizati- on tools”), conectividade (“connectivity”) e troca de informações (“information Ex- change”). Já foi destacado nesta tese a importância de se ter metas e o quanto isso motivava os participantes da pesquisa. Também destacamos a importância do uso de um protocolo construído coletivamente como uma ferramenta de pactuação ou como ferramenta de formalização das responsabilidades, para se utilizar a expres- são usada por D’Amour et al. (2008).

A conectividade refere-se ao fato de que os indivíduos e as organizações es- tão interligadas, que há lugares para a discussão e para a construção de vínculos entre eles. A troca de informações refere-se à existência e uso adequado de uma infraestrutura de informações para permitir trocas rápidas e completas de informa- ções entre os profissionais. Esses são aspectos importantes para o estabelecimento de relações de confiança (D’AMOUR et al., 2008).

Para Peduzzi (2007), o contexto de uma prática comunicativa configura um movimento circular, em que todos os sujeitos envolvidos − trabalhadores da assis- tência, gerentes, usuários e população de referência − constroem, de forma intersub- jetiva, a responsabilidade e um sistema de petição e prestação de contas necessário para a eficácia e eficiência da atenção às necessidades de saúde dos usuários e da população do território. Do contrário, num cenário de relações unilaterais e monoló- gicas, seria mantido o caráter de exigência e controle externo, o que reiteraria uma prática gerencial técnico-burocrática e conservadora, perpetuadora do modelo gerencial hegemônico.

Assim, a agenda para a gestão do trabalho em saúde deve incluir o fortale- cimento de práticas gerenciais que busquem consensos e acordos para atender aos conflitos entre os interesses corporativos e sociais envolvidos; objetivando uma vi- são ampliada do direito à saúde e a incorporação da prática da avaliação como ins- trumento de fortalecimento e transformação, tanto da própria gestão como de cons- trução de capacidades para formulação de políticas públicas. Mais ainda, deve haver a valorização do capital humano e do conhecimento como forças produtivas e medi- adoras, não só do direito à saúde, mas também de desenvolvimento social

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(PIERANTONI; VARELLA; FRANÇA, 2006). Essa proposta encontra respaldo em relatos como o que segue:

(119) Mas, eu acho que tem que sentar. Eu acho, eu penso o seguinte: que todos os profissionais têm que sentar. Nós estamos ao bem do município, bem comum, têm que sentar e direcionar o trabalho sabe, sentar e reorganizar, têm que fazer uma reorganização. (17SB1.25)

Destaca-se, nessa fala, que os profissionais estão “ao bem do município, ao bem comum”. Gardner (2007), ao escrever sobre os comportamentos que mais se- rão demandados no futuro da sociedade, inclui a “mente respeitosa”, mostrando que a cooperação entre povos e classes é condição para a sustentabilidade da vida hu- mana.

Os participantes da pesquisa declararam:

(120) PSF é um programa muito interessante sim, ele deve continuar, mas tem que ser adequado. (18C2.43)

E por fim, cabe fazer uma ressalva, ou seja apresentar um dos limites desta pesquisa que foi não ouvir o usuário, uma vez que as políticas do SUS colocam o cidadão no centro do debate. No entanto, exigiu-se um recorte frente a quantidade de informações obtidas com os profissionais aqui entrevistados. Assim, priorizou-se aprimorar a análise desses dados. Com isso, sugere-se novos estudos sobre o tra- balho em saúde bucal privilegiando o olhar dos cidadãos.