• Nenhum resultado encontrado

A cientificidade da Pedagogia Freinet: Pedagogia ou Técnicas de trabalho

10 Neste trecho Cambi está se referindo a dois modelos de ideologia (o positivismo e o socialismo) que,

com o advento da sociedade industrial, influenciam transformações da pedagogia do século XIX, transformações estas também influentes no século seguinte. (1999, p. 465).

11 O conceito de trabalho, em Freinet, é de especial importância para a compreensão do projeto global de

educação por ele elaborado.

12 Considerando a grande importância e influência de Célestin Freinet para a educação, até os dias atuais,

se reconhece a limitação da presente seção. Salienta-se, no entanto, que tais recortes foram imprescindíveis, dado o caráter deste trabalho.

Conhecidos alguns aspectos da vida de Freinet, focalizo agora as técnicas de trabalho criadas por ele. A criação das técnicas voltadas para a aprendizagem da leitura e da escrita se fundamenta, essencialmente, sobre a funcionalidade do uso da língua.

Diante de algumas resistências relativas à aceitação e/ou legitimação da Pedagogia Freinet como proposta científica13, é importante explicar por que a entendo como uma pedagogia. Por pedagogia entende-se a

ciência da educação das crianças; arte de ensinar. (...) reflexão sobre as doutrinas, os sistemas, os métodos, as técnicas de educação e de ensino para lhes apreciar o valor e lhes procurar a eficácia; para melhorar os processos, os meios elaborados, com vista a fins próximos ou longínquos, às finalidades que se propõem a educação e o ensino. (LEIF, 1976, p. 301).

É nesse sentido de ciência e reflexão sobre a educação e o ensino, com o propósito de melhorar esses processos no interior da escola, que aqui justifico a pertinência da utilização do termo pedagogia para a proposta idealizada por Célestin Freinet.

Mas ainda é possível considerar o próprio Freinet para evidenciar o que ele entendeu por pedagogia, definição amplamente coerente com aquela acima apresentada. Ele afirmou:

Para nós, professores primários, a pedagogia é a ciência do comportamento de uma classe em face de uma instrução e de uma educação óptimas das crianças que a compõem. É pelo menos a definição de bom senso que dela damos, em função da nossa própria experiência. (FREINET, 1975, p. 15).

Disso entendo que, embora a Pedagogia Freinet seja, para seu próprio idealizador, uma pedagogia da prática, trata-se de uma ciência14, ou seja, de um “conjunto de conhecimentos” em torno do ensino escolar e, mais especificamente, em torno das práticas em sala de aula.

Além das definições acima expressas, pode-se evidenciar ainda as considerações de Cambi, que, embora não focalizando a pertinência ou não do termo pedagogia para se referir à proposta freinetiana, considerou Freinet como um dos representantes de uma determinada pedagogia, a Pedagogia Ativista, já que “elabora não só métodos didáticos bastante significativos e orgânicos, mas também uma constante reflexão sobre os fundamentos teóricos e as implicações políticas características da educação nova”. Cambi se refere a Freinet como pedagogo e educador. (CAMBI, 1999, p. 377; 523).

13 Ver Baclet et al. (1976); Fleuri (2004); Sampaio (1989).

14 Em uma das definições de Aurélio Buarque, ciência é o “conjunto organizado de conhecimentos sobre

determinado objeto, em especial os obtidos mediante a observação dos fatos e um método próprio”. (FERREIRA, 1989, p. 114, grifos meus).

Sobre as resistências à Pedagogia Freinet, quanto ao caráter considerado não científico dessa proposta, já no início de sua manifestação e crescente expressividade, Freinet aponta para o caráter científico não apenas de sua Pedagogia, como de todas as aquisições humanas. Ele entende que o tateamento ou a tentativa experimental (base de sua metodologia) é, essencialmente, o princípio de todas as descobertas humanas, inclusive das descobertas científicas. Na ausência das tentativas, não é possível que se alcance a perfeição de nenhuma técnica ou instrumento de vida. Um exemplo bastante próximo do que hoje vivenciamos é o desenvolvimento das novas tecnologias (seja na medicina genética — clonagem, células-tronco; seja na eletrônica — computadores, celulares; seja na indústria agropecuária — alimentos transgênicos, melhoramento qualitativo e quantitativo da produtividade). É bastante evidente, como já salientara Freinet, que as inúmeras tentativas configuram-se no antecedente responsável e necessário para o domínio e a perfeição das mais diversas técnicas.

Um outro esclarecimento ainda se faz necessário nesse momento. Trata-se do uso dos termos Técnicas Freinet e Pedagogia Freinet, que, na bibliografia consultada, são tomados ora como termos distintos, ora como sinônimos. O próprio Célestin Freinet utiliza, em alguns momentos, o termo técnicas para tratar do conjunto de suas elaborações teóricas, em outros momentos, porém, utiliza esse mesmo termo para abordar especificamente os procedimentos (como a aula-passeio, a imprensa, o jornal escolar, etc.) por ele elaborados, na prática, visando à concretização de sua proposta (sua pedagogia). Acredita-se, a partir desta pesquisa, que essa “confusão” se estabeleça por se tratar de uma proposta pedagógica essencialmente voltada para a prática, ou seja, trata-se de uma Pedagogia que nasce da prática, e dela se alimenta para se consolidar em seus aspectos teóricos. Há, portanto, um movimento entre teoria e prática muito peculiar, que quase não se separa, pois como o próprio Freinet considerou, sua “pedagogia não deriva, no essencial, de uma concepção teórica da educação, mas (...) é o resultado (...) de um longo ensaio experimental realizado ao longo dos anos”. (1973, p. 40).

Considerando a pertinência da utilização de ambos os termos, dependendo da situação, optei, aqui, pelo uso do termo Pedagogia Freinet ao se tratar de todo o conjunto das propostas de Freinet para a prática pedagógica, o que corresponde ao conjunto das elaborações teóricas, incluindo as reflexões e também as técnicas de trabalho; já o termo Técnicas Freinet foi utilizado especificamente para se referir às técnicas de trabalho desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo do movimento Freinet (a aula-passeio, a imprensa, o jornal escolar, a correspondência,

etc.). Dessa maneira, entende-se que as técnicas freinetianas estão inseridas na Pedagogia Freinet, e são aqui tratadas como parte de um todo mais amplo, mais complexo e, sobretudo, de caráter teórico, que é a própria Pedagogia Freinet.

As principais técnicas Freinet são: a roda da conversa (inicial e final), o livro da vida, os ateliês (ou cantos de atividades), as fichas de atividades, a auto-avaliação, as regras (ou combinados), a correspondência interescolar, a imprensa (limógrafo e tipografia), o texto livre, o jornal escolar (mural, falado e de circulação), a cooperativa escolar, o estudo do meio (por meio das aulas-passeio e das pesquisas), a biblioteca de trabalho, o fichário autocorretivo. O recorte que realizei se refere às seis primeiras técnicas, as quais constituem o conjunto das que foram mais intensa e sistematicamente trabalhadas durante o período da pesquisa.

Documentos relacionados