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2.5 Alguns conceitos fundamentais da Pedagogia Freinet

2.5.3 Documentação

A documentação, entendida por Elias como o “registro da história que se constrói diariamente” (1997, p. 40), além de fundamentar o início da Pedagogia Freinet — pois é a partir de seus registros, como professor atento aos detalhes da vida das crianças na escola, como dito anteriormente, que Freinet vai elaborando suas teorias de trabalho —, é ainda um dos principais elementos na prática pedagógica diária em sala de aula. A documentação, para Freinet, não é realizada apenas pelo professor, mas também pelos alunos, considerados sujeitos ativos e também responsáveis pelo processo da aprendizagem.

Um dos exemplos que melhor evidenciam a presença da documentação no dia-a-dia da sala de aula é o “Livro da vida”, uma das técnicas de Freinet que pode ser considerada como instrumento eficaz no processo de aprendizagem da leitura e da escrita. O livro da vida é um grande caderno, onde as crianças registram, todos os dias, os acontecimentos mais importantes e significativos. Esse registro pode ser feito por desenhos e textos, sendo que, no caso das crianças pequenas (na faixa etária pertencente à Educação Infantil), os desenhos são realizados por elas e o professor é o escriba, fazendo o registro escrito do que a criança representou com figuras a partir de sua própria interpretação. É importante ressaltar que o Livro da vida é um dos portadores, na Pedagogia Freinet, do “texto livre”, um dos fundamentos para o aprendizado da língua.

No caso das crianças em processo inicial de aprendizagem da escrita, além dos desenhos e das mais diversas formas de arte (muitíssimo apreciadas pelas crianças dessa faixa etária para a apresentação estética do livro, além do prazer no próprio desenvolvimento dessas

16 Entende-se por Educomunicação (ou inter-relação comunicação/educação), um campo de intervenção

social, ainda em consolidação, que procura a introdução dos recursos da informação no ensino, entendendo-os para além da tecnologia educacional e da leitura crítica dos meios, mas, sobretudo, como meio de expressão e produção cultural para a comunidade educativa. (SOARES, 2000).

produções artísticas), o professor estimula a presença de textos escritos por elas mesmas, desde o início do ano letivo, quando ainda a maioria delas não domina os códigos do sistema alfabético de escrita. A importância dessa prática reside em um dos elementos que fundamentam a Pedagogia Freinet no que se refere à aprendizagem da leitura e da escrita, pois é lendo que se aprende a ler e é escrevendo que se aprende a escrever, lendo e escrevendo textos reais e significativos para as crianças. Ora, como contestar o caráter significativo de um texto produzido a partir da vida, a partir da própria realidade da criança e do grupo com o qual se relaciona de maneira cooperativa? Sobre a importância do aspecto convencional dessa escrita? Bem, é claro que as crianças não escreverão convencionalmente se ainda não dominam esse tipo de escrita, então começam os conflitos, previstos e considerados como necessários para o processo de aprendizado, não apenas por Freinet, mas por diversos outros autores (JOLIBERT, 1994a, 1994b; COLL, 1994; FERREIRO, 1987).

O conflito consiste nas dificuldades encontradas pelas crianças em conciliar o que já sabem (ainda que seja muito pouco) com os novos elementos a elas apresentados. No caso da produção de textos, é possível que algumas crianças não saibam quase nada sobre a escrita (especialmente no início desse processo); veja-se bem “quase” nada, mas sempre se sabe alguma coisa sobre a escrita, nessa fase, como apontaram as pesquisas de Emília Ferreiro (1987). Portanto, as crianças, a partir de suas hipóteses sobre a escrita, nesse ambiente cooperativo, garantido pela proposta da Pedagogia Freinet, buscam outros indícios que lhes servirão de base para o aprendizado, lembrando sempre que se trata de um processo, e não de uma aquisição rápida e definitiva nesse primeiro momento da escolarização. Os outros indícios serão fornecidos pelo professor, pelo colega que sabe um pouco mais sobre a escrita, pelo ambiente da sala de aula (considerando que a escrita está presente, de maneira sempre funcional, em vários locais da sala de aula, como nos crachás com o nome de cada criança, nas prateleiras indicando e nomeando os diversos materiais, nos cadernos, na lousa, onde sempre está escrito o plano do dia, nos quadros de avisos, nos quadros de aniversariantes, no jornal mural, etc.).

Mas, ainda assim, após as tentativas de escrita pela criança a partir dos indícios, é possível (e quase sempre é o que acontece) que o texto não esteja escrito da maneira convencional. Daí a intervenção do professor para apresentar um outro aprendizado importante: a necessidade de se escrever, quando o escrito é para outras pessoas lerem, da maneira convencional, para que o leitor compreenda a mensagem. Ou seja, embora a aprendizagem da

leitura e da escrita não priorize os aspectos notacionais da representação gráfica, essa questão também é trabalhada com as crianças, de maneira contextualizada e funcional. Não se escreve “certo” para a escola, mas para a “vida”, para ser compreendido pelas pessoas. No caso específico do livro da vida, sua leitura acontecerá todos os dias, pelo professor ou pelos alunos, e também em ocasiões de reuniões de pais, ou quando se quiser recuperar uma informação importante, ou quando se quiser simplesmente desfrutar da leitura desse material que guarda a história viva da turma.

Em resumo, documentar, na proposta freinetiana, é muito mais do que registrar, é escrever (no sentido de produção de textos) a própria história, o que se traduz em uma escrita com identidade própria, com marcas pessoais e/ou coletivas também próprias, com uma face própria, pois é produto de um determinado contexto, repleto de vida e, portanto, de sentido para todos os participantes desse processo coletivo e cooperativo de aprendizagem.

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