• Nenhum resultado encontrado

A cobertura mediática, na perspetiva dos ativistas

6. Análise de dados

6.7. A cobertura mediática, na perspetiva dos ativistas

Ao longo dos artigos em análise, ocorre excecionalmente uma explicitação de desagrado ou desconfiança por parte dos ativistas em relação aos meios de comunicação (não

110 especificamente ao jornal Público). Estas críticas ocorrem devido à perceção de que são publicadas informações contraditórias ou notícias falsas (53/2017/NOT; 162/2019/ENT), de que o tema das alterações climáticas é abafado e relegado para segundo plano (136/2019/REP; 142/2019/NOT; 146/2019/REP, por exemplo) e devido ao silêncio mediático em relação a protestos que “não ganham a atenção mediática que precisam” (68/2018/OP).

As entrevistas exploratórias realizadas a ativistas contribuíram igualmente para a caracterização da relação entre ativistas e imprensa, partindo do seu ponto de vista. Embora as entrevistas tenham um caráter meramente exploratório, não tendo por isso de modo algum o objetivo de ser representativas, certos aspetos mencionados são consistentes com tendências já identificadas na revisão da literatura ou indiciadas por dados recolhidos na análise dos artigos noticiosos. Em primeiro lugar, confirma-se que a cobertura mediática é um objetivo central quando é planeada uma ação:

- Entrevista 1: Sim, claro. Quando planeamos uma ação, pensamos sempre em como essa ação pode chegar aos media. É um objetivo ligado à captação de interesse e participantes. É muito importante para chegar a um público mais vasto.

- Entrevista 2: Nós temos maneiras de divulgar [as nossas ações] através da imprensa. Fazemos notas de imprensa, temos contactos em vários jornais e com vários jornalistas e sempre que surge um assunto que temos de dizer alguma coisa rapidamente agimos nesse sentido. (...) E isso tem sempre resultado em alguma cobertura.

Para além disso, afirma-se a importância dos próprios canais de comunicação, enquanto forma de ter alguma independência face aos meios de comunicação tradicionais. Sem estas ferramentas de comunicação interna, que passam por um site e pelas páginas nas redes sociais, muitos dos eventos não teriam tido qualquer cobertura. Como se afirma,

Em muitas ações, não há qualquer cobertura. (...) É por isso que filmamos sempre as ações e publicamos. Fizemos já vários vídeos que conseguiram milhares de visualizações. (...) Se não tivéssemos os nossos próprios meios de comunicação, se não filmássemos e publicássemos as nossas ações, era como essas ações não tivessem acontecido (E1).

No mesmo sentido, a importância que a cobertura mediática representa para os objetivos dos ativistas, implica que a comunicação com os media é para eles prioritária. Isto leva a que haja uma aposta na preparação para a interação com os media, como é descrito:

- Entrevista 1: Nós não temos tido más representações porque temos sempre comunicados de imprensa completos que impedem que seja feita uma deturpação do que fazemos e dizemos. Sabemos sempre de antemão quem vai ser o porta-voz para a comunicação social e fazemos os possíveis por estar o mais preparados possível para tentativas de desviar o assunto e de

111 deturpação. Estamos sempre muito cientes dos factos para nos podermos defender caso haja alguma deturpação. Este é um eixo fundamental para a nossa ação, o profissionalismo.

Como indica a citação precedente, não há uma apreensão profunda em relação a representações negativas ou pouco fiéis, referindo-se a todos os meios de comunicação tradicionais e não apenas ao jornal em estudo, independentemente do seu caráter mais ou menos sensacionalista. A principal repreensão aos meios de comunicação, é a falta de cobertura sistemática, tendo ambos os ativistas citado numerosos eventos, marchas e ações diretas que não obtiveram qualquer cobertura ou menção. Como se afirma,

- Entrevista 1: Como disse, nós não temos sido vítimas de deturpação, o que acontece é sobretudo omissão. A gravidade e urgência das alterações climáticas justificariam plenamente uma cobertura continuada, mas são muitos mais os dias que não há qualquer menção a alterações climáticas do que os que há. É esse um dos nossos papéis, tornar o tema das alterações climáticas uma preocupação constante na população geral.

- Entrevista 2: Eu imagino que sim [que haja alguma deturpação na cobertura], mas não é algo que eu notei. (...) Eu acho que a cobertura mediática do ativismo climático, e mesmo sobre alterações climáticas, é uma coisa ínfima na gama da reportagem portuguesa. É se calhar pior em outros sítios, mas em geral as alterações climáticas ainda são um tema ligeiramente fringe da imprensa mainstream.

Deste modo, quando questionados acerca de deturpação ou distorção, as respostas foram de negação ou incerteza, ambas direcionando para a verdadeira crítica aos meios de comunicação – a falta de cobertura sobre um tema que consideram prioritário. Neste sentido, são citados vários exemplos de ações que, pela sua espetacularidade e valor mediático ou pela grande adesão que obtiveram a nível de participantes, deveriam ter sido alvo de algum tipo de cobertura. Em um momento específico, oferece-se como hipótese explicativa um silenciamento propositado de ordem política, apontando para uma possível corrupção dos meios de comunicação ou interferência política:

Quando foi feita a invasão à Galp, foi o silêncio completo. A ação, por ser fora do vulgar e de desobediência civil seria bem capaz de ter uma primeira página. Foram contactados jornalistas, que teriam todo o interesse em noticiar a ação, devido ao cariz radical da ação, mas nenhum jornalista apareceu. A Galp é ali nas torres de Lisboa e havia a TSF literalmente ao lado. Portanto não é como se fosse muito difícil lá ir. Por isso se torna muito claro para mim que houve pressões de cima para que não fosse noticiado (E1).

Concluindo, as entrevistas exploratórias confirmam que a procura de cobertura mediática é central para a ação dos ativistas e que é um objetivo que procuram ativamente na

112 delineação de ações. As declarações apresentadas sugerem igualmente que não há, por parte dos ativistas, uma relação de antagonismo entre ativistas e meios de comunicação mas que, pelo contrário, se estabelecem relações colaborativas, ainda que desiguais. As críticas aos órgãos de comunicação apresentadas são pouco profundas e assentam sobretudo na insuficiência da cobertura, ainda que o último comentário possa apontar para uma crítica mais séria ao funcionamento e autenticidade dos meios de comunicação. É ainda notável que sejam identificados exemplos de críticas aos órgãos de comunicação no contexto da própria amostra, significando que houve uma decisão deliberada do jornal de publicar o descontentamento dos ativistas face aos próprios media, ainda que não tenham sido direcionadas ao jornal Público em específico.

Em conclusão, a análise de dados revela uma cobertura sobre ativismo climático marcadamente distinta do que foi descrito na revisão bibliográfica. Em primeiro lugar, o ceticismo climático está completamente ausente da amostra: a realidade científica das alterações climáticas não constitui neste jornal um campo de debate, debatendo-se ao invés as suas implicações políticas e sociais. Para além disso, o ativista tem uma presença significativa (e com crescente importância, como vemos na evolução do número de artigos) não só enquanto perito, mas crescentemente enquanto membro da sociedade civil, também dotado de legitimidade para comentar e intervir ativamente.

O “eu” jornalístico adota sobretudo uma posição de neutralidade face ao ativista, não havendo da sua parte qualquer indício de menosprezo ou criação de dúvida face à mensagem do ativista. Para além disso, há ainda momentos em que o jornalista toma claramente partido e junta-se ao ativista na sua contestação (como vimos na contestação à exploração de combustíveis fósseis em território nacional ou após acordos internacionais particularmente inconclusivos) ou glorifica o movimento climático (como vimos no caso da greve estudantil).

Apesar da descrita vulnerabilidade dos coletivos de ativistas perante o paradigma do protesto, este não tem prevalência no jornal em causa. Pelo contrário, o ativista partilha o campo mediático com jornalistas e tem espaço para controlar o seu próprio discurso. A análise terminou num período de viragem do ativismo climático, com profundas alterações e inovações no movimento, mas parece que o jornal acolheu com entusiasmo as novas formas de ativismo e os novos atores que vieram revolucionar o movimento pelo clima.

113