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O “Eu” jornalístico perante o ativista

6. Análise de dados

6.5. O “Eu” jornalístico perante o ativista

A intenção de manter a aparência de objetividade e neutralidade jornalística leva a que se procure quase um apagamento da voz do autor, em particular em géneros jornalísticos que manobrem factos da atualidade (notícia e reportagem). No entanto, a voz do jornalista nunca está completamente ausente e deixa-nos indícios acerca do seu posicionamento ou parecer.

Um destes indícios parte do campo linguístico. O léxico e a conjugação verbal utilizada no tratamento de ativistas e das suas declarações pode ser indicativo de atitudes subjacentes. Por exemplo, a utilização do verbo alegar, do advérbio alegadamente ou de verbos declarativos imbuídos de subjetividade (considerar, acreditar, pressupor etc.) em relação a declarações de ativistas acarreta uma conotação de dúvida e incerteza face à veracidade do que foi afirmado. A conjugação dos verbos no modo condicional acarreta o mesmo teor, apontando para uma hipótese ao invés de um facto. Na amostra recolhida, pelo contrário, predominam tempos verbais do modo indicativo (presente, pretérito perfeito e futuro simples) no tratamento de declarações de ativistas, bem como verbos declarativos neutros (afirmar, declarar, esclarecer etc.).

Para além disto, existem momentos em que a voz do jornalista comenta criticamente os acontecimentos, posicionando-se do lado do ativista. O artigo de análise «Unidos contra o carvão, mas ainda falta salvar o planeta» é um exemplo disto, como se pode verificar no excerto:

Uma mão cheia de boas intenções, assinadas por muitos países em acordos e alianças, e um mundo de problemas que continua sem qualquer solução firme e definida. Este parece ser o resultado pouco animador da 23.ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP23), que acabou nesta sexta-feira em Bona, na Alemanha. A realidade não ajuda. Desde o Acordo de Paris, que todos (à exceção dos EUA) reafirmaram em Bona, a situação piorou. Um exemplo: ao contrário de uma estabilização ou decréscimo das emissões de CO2 para a atmosfera, registou-se um aumento de 2%. Compromissos como a “Aliança Global para a saída do Carvão”, proposta pelo Reino Unido e Canadá e aprovada em Bona, não chegam para salvar o planeta. (59/2017/AN)

92 Neste artigo, não só são ouvidos ativistas, que criticam a inação dos governos e a insuficiência dos Acordos Internacionais, como a crítica é feita igualmente pelo “Eu” jornalístico no corpo de texto, consagrando-a enquanto verdadeira e válida.

Esta confluência entre a voz do jornalista e o ativista também se verifica, em alguns casos, em termos das formulações utilizadas nos títulos. O título é um elemento de extrema importância porque não só vai determinar se o leitor decide ler o artigo completo, como define à partida o tom do discurso, estabelecendo precedente para a afinidade ou distanciamento face às posições de ativistas. Assim, a construção de títulos que exprimem de forma clara uma posição favorável face a reivindicações, comentários ou denúncias de ativistas é também indicativo de confluências entre a voz do jornalista e a voz do ativista. Exemplo disto é a notícia sobre as concessões de prospeção e exploração de petróleo intitulada “Governo ignora protestos contra exploração de petróleo e gás no Algarve” (17/2016/NOT). Apesar de o corpo de texto oferecer oportunidade de resposta ao primeiro ministro, o título é escrito do ponto de vista dos protestantes e tem subjacente uma condenação da atitude do Governo. Uma ocorrência semelhante, em que a voz do jornalista parece convergir com as vozes dos ativistas está patente no título “Governo aprova furo de petróleo em Aljezur, mas não quer polémica até às eleições” (75/2018/REP). Veja-se ainda o caso de uma reportagem realizada sobre a greve estudantil de 15 de março de 2019, cujo título é “Para salvar o planeta, as faltas às aulas são mais do que justificadas” (128/2019/REP), frase que não aparece no corpo de texto em citação, nem mesmo em formulações semelhantes, e que demonstra solidariedade com os jovens grevistas.

Por último, um outro elemento que aponta igualmente para uma solidariedade entre jornalista e ativista é a frequente disponibilização de informação que facilita a participação do leitor nos coletivos de ativistas e nas suas atividades. Isto acontece através de dois mecanismos: por um lado, através da disponibilização sistemática das datas, horas e pontos de encontro quando está marcada uma manifestação ou greve, permitindo ao leitor participar mesmo que não siga diretamente os grupos de ativistas e, por outro lado, através da incorporação dos links diretos para as páginas internas dos grupos, como acontece frequentemente quando são mencionados os coletivos. Entre a amostra em análise, são incorporadas ligações diretas para os sites do Climáximo, da PALP, da MALP, de Peniche Livre de Petróleo, do Extinction Rebellion Portugal e da Greve Climática Estudantil. Isto significa que, não só o leitor pode contactar diretamente com estes coletivos como pode obter

93 informação diretamente nos seus canais, sem a mediação dos meios de comunicação tradicionais.

Enquanto importante veiculador de representações sociais, a voz do jornalista é extremamente significativa, mesmo que procure camuflar-se. Os indicadores que foram aqui apresentados indiciam uma cumplicidade substancial entre jornalista e ativista. As representações implícitas que transparecem são favoráveis face aos ativistas, caracterizando- os como fontes legítimas de informação e enquadrando as suas afirmações num contexto de legitimidade.

Até agora, os indicadores analisados são coerentes com esta análise: os perfis de representação do ativista são quase na totalidade favoráveis e, como vimos no subcapítulo anterior, as descrições sobre ativismo são variadas e geram discussões pertinentes acerca da participação cívica e da relação (frequentemente antagonística) entre governantes e cidadãos. No próximo capítulo, iremos analisar outros indicadores e testar a análise que foi feita até ao momento, que nos apresenta um paradigma sobretudo favorável ao ativismo pelo clima. Para isso, procuraremos determinar se os ativistas pelo clima são alvo do paradigma do protesto.