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DISCUSSÕES E (IN)CONCLUSÕES

3.4 A colaboração: peculiares do processo formativo e nossas aprendizagens

“A colaboração proporciona que todos os envolvidos (alunos e professores) busquem valorizar a importância do que se aprende

e a estimular a busca constante pelo conhecimento”, professora colaboradora da escola.

Esta pesquisa da forma que é - dos elementos que a conformam - não aconteceria se não fosse o caráter colaborativo e, portanto, não existiria sem os atores que se fizeram colaboradores. Por conta disso, essa seção pretende explicitar os caminhos da colaboração, as especificidades deste processo em nossa pesquisa e as aprendizagens – papel formativo/formador - que nós alcançamos mediante o processo, com enfoque na parceria entre a professora colaborada da universidade e a professora de biologia da escola em estudo.

A pesquisa colaborativa compreende, ao mesmo tempo, atividades de produção de conhecimentos e de desenvolvimento profissional. Organiza-se, portanto, a partir de uma dupla perspectiva: pesquisa e formação (DESGAGNÉ, 2007).

Iniciada a partir de projetos anteriores desenvolvidos na escola em estudo, a parceria com a professora de biologia surgiu principalmente a partir de reuniões no grupo de pesquisa Ensino de Ciências e Matemática (ENCIMA), da Faculdade de

Educação da Universidade Federal da Bahia, através da apresentação da proposta de pesquisa/ensino para a escola.

Após a consolidação da parceria, através de reuniões na escola e em encontros do grupo de pesquisa, nos aproximamos do cronograma, dos programas, projetos e propostas da escola para o ano letivo de 2013, durante o qual desenvolvemos a sequência didática, sendo que houve envolvimento da professora colaboradora com as intenções do desenvolvimento da pesquisa na instituição.

O processo colaborativo aconteceu entre pesquisadores, professora e estudantes da turma, durante o qual construímos, desenvolvemos e avaliamos a sequência didática e os materiais didáticos.

No início do desenvolvimento da sequência didática a professora 1 não foi tão presente quanto no decorrer das atividades. Consideramos que os principais motivos para o pouco envolvimento inicial na proposta tenha sido a insegurança da professora pela nova proposta que empregaríamos e também a falta de tempo para a apropriação da abordagem. A ausência ou significativa falta de envolvimento no começo gerou alguns problemas que poderiam ter sido evitados, especialmente no que se refere à adaptação dos estudantes à nova abordagem metodológica, com professora nova na classe, além de envolver o uso de filmadoras e câmeras fotográficas, mudando o cotidiano habitual da sala de aula.

A apropriação de uma proposta metodológica por um professor colaborador demanda tempo e interesse de estudo e integração nos princípios que envolvem a metodologia. Por conta disso, especialmente pela falta de tempo, o processo colaborativo em sala de aula foi fragilizado, sendo que a professora pouco se colocava nas discussões. No grupo focal realizado, a professora 1 destacou que a colaboração “é um processo bastante interessante”, mas comentou sobre sua dificuldade de se posicionar nas aulas: “Sinceramente, senti um pouco de dificuldade no momento das aulas, em interagir com você... Não sabia qual seria o momento ideal de te interromper e de fazer as minhas considerações.” Em relação à interação da professora 1, acreditamos que a insegurança dela tanto com a temática quanto com a abordagem foi o principal motivo, já que desde o início buscamos organizar as aulas de modo a permitir sua total interação e, a pedido dela, faríamos todas as atividades didáticas juntas. Para que a interação fosse mais intensa, precisaríamos

de maior envolvimento da professora e mais tempo para a apropriação do tema/conteúdo, abordagem e implicações contextuais.

No entanto, todas as etapas e atividades da sequência didática foram propostas e avaliadas conjuntamente. O cronograma, por exemplo, foi organizado em parceria, a fim de desenvolver as atividades no período conveniente à escola e aos nossos objetivos educacionais. Em momentos de intervalo entre as atividades didáticas realizadas na escola, sempre conversávamos sobre o andamento das atividades e a forma de melhor adequar as práticas para oportunizar as aprendizagens de nossos alunos.

Em uma de nossas conversas sobre o desenvolvimento das atividades e as aprendizagens, a professora 1 destacou que, em sua opinião, a aula sem uso de quadro e caderno poderia prejudicar e a prova não gerar bons resultados, já que os estudantes não estão acostumados ao uso de livro e nunca usam Material Impresso, não tendo, por exemplo, o costume de sublinhar no texto para destacar questões importantes. Por conta dessa vivência da professora com a turma, combinamos que, como a ideia seria avaliar os princípios e a abordagem dialógica, não usaríamos a metodologia anterior – com uso de quadro e caderno -, mas buscaríamos, como fizemos, incentivar, em cada encontro o uso do Material Impresso Contextual associada ao livro didático, já que a mesma traz referências ao livro.

Nos últimos encontros, a professora 1 se sentia mais integrada e realizava algumas intervenções na aula, a exemplo de incentivos ao debate, sendo que ela comentava que os estudantes precisavam “ficar à vontade, falar alto e não cochichar”, pois estávamos lá para discutir e não dizer se está certo ou errado. Atitudes como essa evidenciam o envolvimento colaborativo e a compreensão da proposta de ensino/pesquisa.

Elaboramos conjuntamente a prova, sendo essa atividade avaliativa utilizada também como instrumento de pesquisa para análise dos “resultados” das aprendizagens desenvolvidas pelos estudantes. A priori, a prova seria integralmente fechada, com gabarito, conforme organização de todas as avaliações da escola, com questões de múltipla escolha de a até d, porém, a fim de atender aos objetivos de pesquisa e ensino, realizamos a prova mista. Na análise final das questões da prova, a professora 1 comentou que nas questões “eles têm que responder segundo

a ciência mesmo” e que não haveria dificuldade, já que tudo o que colocamos na avaliação foi discutido em sala e o conteúdo estava também no Material Impresso.

Sobre as apresentações dos trabalhos, realizamos tanto a orientação quanto a avaliação através de um processo eminentemente colaborativo, a partir de conversas pelas quais chegávamos a um nível satisfatório para cada grupo, tanto nas orientações quanto no momento de atribuir notas. Na organização, a professora 1 sugeriu que os grupos fossem compostos por estudantes que moram nas mesmas comunidades da Ilha de Maré, a fim de facilitar o processo de construção.

Para a atribuição das notas, realizamos uma reunião logo após a apresentação dos trabalhos, sendo que percebemos que nossos diferentes olhares sobre o mesmo aspecto contribuiu para notas melhor pensadas e mais justas. Apesar de termos falhado em não criarmos previamente um barema para avaliação, atribuímos notas baseadas em dois critérios básicos conhecidos pelos estudantes: apresentar habilidades criativas e utilizar conteúdos de reprodução das angiospermas. Portanto, cada aspecto correspondeu a um valor de 2,5, totalizando 5,0 pontos para a atividade.

Sobre a primeira equipe que apresentou a paródia, discutimos: “por mim fecha, foi ótimo”, destacou professora 2, e apesar de a professora 1 ter “pena de dar esse ponto todo”, ela mesma salientou que “eles atenderam a todas as expectativas.”. Dessa forma, chegamos a um acordo de, já que a equipe cumpriu

tudo o que havia sido solicitado, atribuir-lhe nota máxima.

Em relação à equipe que apresentou o vídeo, a professora 1 considerou que “eles tinham que ter apresentado a música que foi feita. Deu trabalho deu, mas preferia a primeira.”. Decidimos atribuir nota 3,5 porque o vídeo apresentado não tinha muita ligação com o assunto estudado, sendo muito mais aprofundado e organizado a partir de uma música que já existia, disponível na internet. Concordamos que o fato de os alunos não apresentarem a música construída por eles decorreu da insegurança e/ou da vergonha. A professora 1 salientou, ainda, que “talvez, se eles tivessem visto a outra equipe, teriam se apresentado, porque às vezes ficam assim pensando „ah, eu sozinho vou cantar lá na frente‟, porque Adilson toca em banda...”.

Sobre a equipe 3, que fez uma entrevista com um morador da Ilha de Maré, a professora 1 disse que “seria tão bom se tivesse imagem na entrevista, ficou uma coisa meio solta...”, já que a apresentação foi apenas do áudio. Concordamos que a ideia foi boa por levar o conhecimento da escola para a comunidade. A professora 1 completou dizendo que “tinha tudo pra dar certo, tinha que ter postura também, colocaram aqui e foram lá pra trás, eu vou falar isso depois”. Por buscarem algo diferente, ligado ao tema e com um retorno à comunidade, demos nota 4,0, sendo o desconto de 1,0 por conta de uma confusão conceitual, na qual os alunos descreveram a reprodução pelo caule, pelo grão de pólen e pelos carpelos, e por terem falhado no quesito postura.

Acerca da equipe 4, que confeccionou uma revista em quadrinhos, consideramos que, apesar da ótima ideia e de ter ligação com as discussões, o trabalho ficou menor do que estava no princípio. A professora 1 disse que gostou, mas achou que “faltou um pouquinho do conteúdo...”. Porém, achamos que “ficou legal, eles mudaram algumas coisas que estavam erradas”, sendo que concordamos que “essa é uma forma de avaliar também, nós orientamos e eles atenderam às orientações...”, conforme destacou a professora 2. Dessa forma, concordamos em atribuir a nota 4,0 ao grupo.

A equipe 5, que desenvolveu um seminário, recebeu nota 2,5, pois, apesar de não terem cumprido um dos critérios, no que se refere a construção de algo criativo para apresentação, falaram sobre a reprodução da bananeira e trouxeram curiosidades interessantes. Nosso acordo foi da seguinte maneira: “2,5?”, questionou a professora 1. “Acho que 2,5 tá bom, porque assim, eles não chegaram a fazer o que pedimos, nós os orientamos duas vezes...”, justificou professora 2. A professora 1 perguntou: “E eles falaram de reprodução, não foi?”. “Falaram... O problema é esse... eles iam fazer mídia, não fizeram. Como não fugiu do tema, 2,5 tá bom, mas fugiu da proposta.”, argumentou professora 2.

A equipe 6, que trouxe um poema, ficou avaliada em 3,0 já que trouxeram “um texto muito curto, só teve uma parte que tocou na reprodução”, concordamos. Sobre nossas avaliações: “Acho que tá bom, porque a gente tá olhando duas questões: a criatividade e o conteúdo. Então, não tem como fugir, acho que as notas

são justas, né gente?”, indagou professora 2. Então, a professora 1 e a estagiária colaboradora concordaram e fechamos essa etapa.

A realização do grupo focal com os estudantes também foi feita de modo colaborativo, sendo que a professora 1 ajudou no sentido de indicar nomes para a participação e na condução de algumas interações no grupo.

Nesse processo colaborativo, tanto pesquisadores quanto professores têm seus conhecimentos e práticas (trans)formados. A colaboração tenciona também o problema das relações de distanciamento muitas vezes percebidas entre a pesquisa e a prática, não pela busca imediatista da utilidade do conhecimento científico, mas, ressaltamos, pelo esforço por uma construção da ciência de forma mais ética e comprometida com as questões sociais, as quais estão ligadas intimamente com a educação. Com isso, a colaboração satisfaz simultaneamente as necessidades de desenvolvimento profissional do professor - como está evidenciado na epígrafe dessa seção - e as necessidades do avanço de conhecimentos na pesquisa educacional. Nesse sentido, a colaboração, em nossa pesquisa, contribuiu para a aproximação e mediação entre pesquisadores e docente e desenvolveu meios para a construção de propostas educacionais e para a avaliação do objeto principal do estudo - o contexto das aprendizagens dos alunos - com os olhares mais situados da professora e os olhares mais embasados teoricamente dos pesquisadores, o que representou qualidade nas propostas de ensino-pesquisa e momentos de reflexão sobre nossas práticas.

Em nossa pesquisa, os pontos de vista da professora eram levados sempre em consideração, de modo que discutíamos todas as propostas e práticas. Isso porque privilegiamos em nossa pesquisa, assim como Desgagné (2007), um olhar para as “competências do ator em contexto”, a professora, a qual não foi vista através de um olhar normativo e exterior sobre as situações, mas a partir de olhares com a docente, por meio do contexto que propomos e em que atuamos.

Apesar de algumas dificuldades já relatadas, conduzimos as atividades de modo conjunto, caracterizando uma situação de coconstrução. Alcançamos ao final desse processo o objetivo central da colaboração à qual nos dispomos que foi a participação da professora em um processo de reflexão sobre um aspecto ligado a sua prática docente no que concerne ao favorecimento das aprendizagens dos

estudantes envolvidos no estudo, sendo que o processo foi constituído de momentos que levaram à compreensão e à (trans)formação de práticas de ensino, especialmente ancoradas pela abordagem intercultural.

Nossa colaboração, apesar de envolver limitações por conta de tempo e envolvimento com a proposta por parte da professora parceira, demonstrou ser um caminho promissor para a pesquisa em educação comprometida com o rigor e a qualidade dos resultados em nível teórico (para a ciência) e prático (para a formação dos pesquisadores/professores).

O processo colaborativo consiste, portanto, num contexto formativo, tanto para pesquisadores interessados na construção do conhecimento científico contextualizado na realidade das salas de aula quanto para professores interessados na prática de ensino cotidiana. Aprendemos nesse processo principalmente que os olhares diferenciados sobre a mesma situação ou objetivo educacional geram maior compreensão e possibilidades de sucesso na pesquisa e na prática educacional.

Além disso, falas da professora (detalhadas na próxima seção) evidenciam que este processo trouxe significados importantes para sua formação, já que ela pôde se aproximar das propostas metodológicas apoiadas no diálogo intercultural e de discussões sobre o multiculturalismo crítico, ainda que não participasse intensamente das abordagens em sala de aula. Verificamos que, de fato, “aliar-se aos professores para coconstruir um objeto de conhecimento é também fazê-los entrar em um processo de aperfeiçoamento sobre um aspecto da prática profissional que exercem” (DESGAGNÉ, 2007, p. 13).

O processo colaborativo, portanto, envolve aprendizagem mútua, sendo que os envolvidos são beneficiados pelas experiências construídas e as atividades de ensino-pesquisa têm um significado contextual mais confiável, por conta dos múltiplos olhares na construção das propostas e na análise do processo.