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A coleção de objetos Documentação Nordeste

O conjunto de objetos reunido por Lina foi exposto em 1963 (Exposição Nordeste), inaugurando o Museu de Artes e Artesanato Populares da Bahia – Museu do Unhão, em Salvador, iniciativa considerada subversiva e coibida pelo regime militar. Atualmente é acervo do Museu de Arte Popular da Bahia – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, depois de ter feito parte do Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM-BA. (BARDI, 1994: 36).

Lina fala da fundação de seu museu:

“ Pensei no conjunto do Unhão, cuja construção data do século XVI, que Martim Gonçalves tinha-me mostrado em ’58 quando pensava instalar nele uma dependência da Escola de teatro. Consegui do Governo do Estado a desapropriação e a verba necessária à restauração, e oito meses depois, em marco de ’63 o conjunto estava praticamente pronto; nele iriam funcionar o Museu de Arte Popular e as Oficinas do Unhão, Centro de Documentação de Arte Popular (não Folklore) e centro de estudos técnicos visando a passagem dum pré-artesanato primitivo à industria, no quadro do desenvolvimento do Pais. Em novembro do mesmo ano o Museu inaugurava a I grande exposição de Arte Popular do Nordeste e a exposição Nordeste, coletiva de artes plásticas dos artistas da Bahia, Ceará, Pernambuco, e do Centro de Cultura Popular do Recife. O Museu de Arte Popular do Unhão pertencia ao Museu de Arte Moderna da Bahia e tinha como programa o levantamento de artesanato (pré- artesanato) popular de todo o pais.” (Lina Bo, Cinco anos entre os brancos, Anexo 6)

O objetivo de Lina Bo ao recolher estas peças era o de compor uma coleção com objetivos educacionais, que foi reunida com o propósito de ser uma referência para as pessoas em geral e também para os designers e arquitetos da época educarem o seu olhar com o objetivo de projetarem de modo mais identificado com o Brasil e sua cultura de base.

O trabalho e pensamento de Lina Bo Bardi se destaca no que tange à valorização do cotidiano e da sua estética ou seja do reconhecimento da dimensão sensível, da poesia presente nos objetos utilitários, aproximando arte e vida.

“Em Lina, vibrava ainda o sonho dadaísta-surrealista. A expolsão das fronteiras da arte, a utopia vanguardista da fusão arte/vida, a emergência e a realização de uma humanidade artística. Caminharíamos de qualquer forma em direção ao advento de uma sociedade estética, “schilleriana”. E aqui topamos de chofre com o comunismo integral de Lina. Um dia, numa sociedade sem classes, não mais teríamos uma categoria especializada em criação artística. A arte perderia sua aura, seu caráter diferencial, para ser apenas a manifestação palpável da necessidade estética de todo ser humano.” (RISÉRIO, 1995: 118)

Lina Bo Bardi foi pioneira em muitos sentidos, um dos mais importantes, a iniciativa de recolher objetos utilitários com a intenção de ensinar design.

Esta coleta de artesanato utilitário para a promoção da arte educação através do design, do artesanato utilitário e da arte popular é o que nos interessa mais.

Entendemos este fato como uma expressão da compreensão da arquiteta de que um objeto de artesanato utilitário tem um viés artístico e que pelo fato de estar contextualizado, inserido no universo popular - os bens apresentados faziam parte da vida de todo mundo - a apreensão destes objetos e dos sentidos associados a eles se daria “direto no afeto”, fazendo da aprendizagem algo também a serviço da auto-estima.

Lina acreditava na possibilidade de um design genuíno nascido das raízes e dos fazeres populares brasileiros. Para ela, esta coleção, não teria um valor apenas documental, mas primariamente didático, a serviço da aprendizagem significativa, “museu vivo” no sentido de engendrar uma relação dinâmica e em conexão direta com o público e sua cultura. O museu alimentaria a escola, e vice-versa:

“O assunto central poderia ser colocado na base da colheita imediata de todo o material artesanal antigo e moderno existente em cada país, na criação de um grande museu vivo, um museu que poderia se chamar de Artesanato e Arte Industrial e que constituísse a raiz da cultura histórico – popular do país. Esse museu deveria ser completado por uma escola de arte industrial (arte no sentido de ofício, além de arte) que permitisse o contato entre técnicos, desenhistas e executores. Que expressasse, no sentido moderno, aquilo que

foi o artesanato, preparando novas levas, não para futuras utopias, mas para a realidade que existe e que todos conhecem [...]” (BARDI, Arte Industrial, 1958, Anexo 6)

Curiosamente, Mario de Andrade já sonhava com um museu bastante próximo do que foi mais tarde implantado por Lina Bo Bardi:

“ ...e o povo brasileiro em seus costumes e usanças e tradições folclóricas, pertencendo `a própria vida imediata, ativa e intrínseca do Brasil... imagine um museu etnográfico fornecendo modelos de decoração, processos de fazer rendas, chapéus de palha, etc. Não é só expor (a coisa esta me doendo...) mas agir.” (ANDRADE, 1981: 61)

A escola museu de Lina Bo Bardi, faz alusão à consciência do inacabamento do ser humano, ou seja, à capacidade humana de aprimoramento de si. Relembro Guimarães Rosa, no Grande Sertão: Veredas:

“...mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não estão terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra de montão.” (Rosa, 2001: 21)

Lina tinha uma visão engajada do design, focada na dimensão ética, política e social, permanecia identificada com o modernismo mas enraizada na experiência da arte popular tentando “harmonizar a base cultural do passado e a riqueza e a vitalidade da cultura popular com o projeto moderno de criar novas formas para uma nova sociedade”. (MONTANER, 2001: 13)