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A coletividade e sociabilidade no brincar e no comportamento das

5 RESULTADOS E ANÁLISE DE DADOS

5.3 A coletividade e sociabilidade no brincar e no comportamento das

Uma das características da cultura dos assentados é a coletividade, é perceptível que eles se organizam e tomam as decisões relacionadas à comunidade coletivamente, este valor e sentimento do coletivo foi citado várias vezes nas conversas com os adultos, principalmente no que se refere à história do Assentamento, ao que os assentados passaram na época do acampamento, da luta e ocupação da terra. Em alguns momentos, podem haver tensão e choque de ideias, no entanto, o que prevalece é a decisão da maioria.

Embora o Assentamento Recreio não mais vivencie como um todo este processo de coletividade devido ao recente parcelamento da terra e à formação das duas associações, existem situações em que este valor prevalece, como por exemplo, quando acontecem eventos e encontros na casa sede e a comida é compartilhada por todos, ou quando os assentados se reúnem em mutirão para prestar serviços uns aos outros. Essas e outras práticas da dinâmica de vida no assentamento refletem a coletividade que faz parte da proposta do MST. Como

ressalta Arenhart (2007, p.73) em relação à coletividade como um valor próprio dos assentamentos:

Existe uma tônica bastante demarcada no reconhecimento de que o que possibilita realizar o confronto com a cultura capitalista e construir outro jeito de viver é a experiência do coletivo. Trata-se, pois de um processo educativo, baseado na experiência humana, não de uma educação de cunho apenas ideológico, uma inculcação abstrata de valores, mas sim de experienciar esses valores, esse novo jeito de ser, de viver, de participar. É sentir o coletivo e sentir-se coletivo em várias dimensões e situações que envolvem a vida humana.

O caráter coletivo pode ser considerado comum da ação infantil, já que é na interação com seus pares que a criança age e constrói cultura.No caso das crianças assentadas, esta coletividade vai além da brincadeira, se reflete nas vivências comunitárias e o modo de organização do Assentamento. Desde bem pequenas as crianças participam das atividades da comunidade, estão sempre presentes nas atividades, nos afazeres, nas rodas de conversa e das reuniões. Além disso, convivem com este tipo de comportamento, de organização social e de valor que é cultivado na comunidade, como podemos perceber na fala de um dos assentados mais antigos, quando este se refere à forma de organização de trabalho.

A gente aqui se organiza em mutirão. Se junta uns cinco ou seis homens e combina um dia pra trabalhar pra uma pessoa (fazer cerca, fazer broca, essas coisas assim), tudo o que precisar. Aí, a gente passa o dia ou mais trabalhando, cada um leva uma coisa e na hora da merenda a gente partilha. Assim vai, quando outro do grupo precisa de um serviço é feito o convite lá na assembleia e quem foi beneficiado ajuda o próximo e assim por diante (Leopoldo, 67 anos).

Assim, as crianças se apropriam deste modo de viver, de comportamento e de organização social. A brincadeira possibilita que o coletivo e o pessoal se entrelacem, no sentido de que a criança confere às suas ações características pessoais, subjetivas e referentes à sua visão, bem como características coletivas, referentes à cultura, na interação com seus pares e com pessoas mais experientes.

Outro fator a ser destacado e que pude observar é que nas brincadeiras crianças de faixas etárias distintas brincam juntas e dividem seus brinquedos sem resistência. As crianças quando se referem ao sentido de morar no Assentamento, de ser assentadas, destacam a importância da possibilidade do contato com o outro, de brincar todo mundo junto, do coletivo e do respeito mútuo.

Figura 20- Brincando de corda na Casa Grande

Fonte: Autora (2015).

Ainda se faz presente nos discursos de muitos assentados a importância dada a coletividade e eles muitas vezes expressam que o coletivo sempre fez parte do Assentamento. Por esta razão e por outras questões políticas algumas pessoas discordam do processo de parcelamento da terra:

Minha filha, a maioria de nós estava aqui desde o começo de tudo. Na época do acampamento passamos por muita coisa, armávamos as barracas e a noite fazíamos fogueira. Enfrentamos de tudo, passamos muita necessidade e fome, tomamos muito caldo de ovo, todo mundo junto, unido. Tudo pra conseguir chegar até onde estamos hoje, quem não tinha casa hoje tem, quem não tinha trabalho, hoje tem, e tudo isso foi pela força da união. Por isso, eu preferia que continuasse como antes, todo mundo com tudo, sem briga (Neuza, 47 anos).

Outro fator característico das relações entre as crianças assentadas é a divisão do lanche. A escola dispõe de lanche para todas as crianças, mas algumas levam de casa um biscoito, salgadinho ou alguma outra guloseima. As crianças que levam estes lanches “extras” para a escola não apresentam resistência em dividí-los e muitas vezes oferecem aos demais. Ofereciam também a mim, que fiquei surpresa com esta atitude. No entanto, esta prática é característica da comunidade, percebe-se isso ao chegar nas casas dos assentados, onde, independente da hora, somos convidados a partilhar de um café, um lanche, uma refeição.

As brincadeiras envolvem todas as crianças, sem muitas distinções de idade, tamanho ou gênero. O fato de estar junto é o que realmente importa. Esta realidade se destaca em todas as observações que fiz das práticas lúdicas das crianças, há um significado muito

forte sobre o coletivo e, embora surjam alguns conflitos entre as crianças, são rapidamente resolvidos.

Figura 21– O jogo de futebol

Fonte: Autora (2015).

O jogo de futebol é um dos preferidos das crianças e dos adultos, é uma das principais formas de lazer da comunidade. Tanto os meninos quantos as meninas jogam futebol quase todos os dias na escola e esperam ansiosamente pelo domingo para acompanhar os adultos até o campo e vê-los jogar. Dentre as brincadeiras das crianças, pude observar que as crianças menores brincam de corrida de cavalinho. Elas montam umas em cima das outras e iniciam uma espécie de corrida, vence a dupla que conseguir se manter firme, sem que nenhum dos dois brincantes caia no chão. Há bastante euforia no momento desta brincadeira, o que às vezes atrai as crianças maiores, fazendo com que elas queiram participar.

Figura 22 – Brincando de cavalinho

5.4. Demarcação de território e cooperação: das experiências comunitárias às