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A Colonização do Piauí: relações sócio-históricas e lingüísticas

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2.1 A Colonização do Piauí: relações sócio-históricas e lingüísticas

Um dos objetivos deste estudo é correlacionar os fatos sócio-históricos aos lingüísticos. O trabalho nessa abordagem volta-se para a compreensão dos fenômenos a partir de seu acontecer histórico, no qual o particular é considerado uma instância social. Embora pareça remoto demais sustentar uma hipótese de pesquisa da qual aduz ser a formação e colonização do Piauí de importância capital no surgimento do seu falar, acredita-se que a formação da sua identidade é fator que se correlaciona com a sua estabilidade e expansão lingüística. Além disso, apesar de não haver na literatura nada que comprove e caracterize a malha sociolingüística do e sobre o Piauí, infere-se ser a relação sócio-histórica de um dado lingüístico que permita por si só estabelecer o marco referencial desse falar.

Por esse motivo, tomou-se a interpretação sócio-histórica e, em particular, a da formação de Teresina, dando-se ênfase aos aspectos demográficos e étnicos como possíveis propulsores e representativos da marca lingüística do falar piauiense, resultante da formação de sua identidade, para a explicação do fenômeno lingüístico ora aventado.

O Estado do Piauí é totalmente diferente do resto do Brasil, sob vários aspectos. Possivelmente o mais importante deles é o aspecto demográfico que, ao lado de outros, denota características próprias advindas da sua história e formação. Isso porque, historicamente, o Piauí era uma espécie de via migratória entre o nordeste árido e as terras férteis do Maranhão (COSTA, 1979, p.8). O Estado funcionava, assim, como uma espécie de „corredor migratório‟ para aqueles que desejavam ir e vir para o Nordeste.

Há registros na história que dão conta de que o Piauí também foi habitado por índios da tribo tupi, caraíba e tapuia. E de acordo com documentos que se referem ao Piauí, os primeiros povos primitivos que habitaram a bacia do Parnaíba foram os Tremembés, os Aroás, Cupinharões, Tabajaras e Amoipiras. Este fato fica evidenciado até no étimo da palavra que deu origem ao nome Piauí. Inicialmente as terras do Piauí receberam a denominação de Piagui, nome de terras indígenas. Mais tarde, batizaram-nas Piagoí. Algum tempo depois recebeu a denominação de Piauí – que significa „rios de piaus‟, uma espécie de peixe. Piau é um peixe muito comum nos rios e açudes piauienses. (RODRIGUES, 2004).

É fato que, durante muito tempo, o Piauí ficou esquecido. Mas com a chegada de um bandeirante paulista, de nome Domingos Jorge Velho, as terras piauienses começaram a florescer, e o seu território insólito ia sendo desbravado. Cultivou a terra e criou gados, no entanto continuou desbravando novas regiões, partindo, então, do solo piauiense.

Pouco tempo depois da passagem de Domingos Jorge Velho, veio Domingos Afonso Mafrense, colonizador do Estado. Instalou-se numa fazenda à margem do riacho Mocha, formando-se naquele local um povoado, que mais tarde se chamou Nossa Senhora da Vitória do Brejo da Mocha. Com o desenvolvimento da lavoura e da criação de gado, o povoado desenvolveu-se e foi elevado à categoria de vila, com o nome de Mocha. Mais tarde, passou à condição de cidade.

O Piauí já independente, a vila da Mocha foi escolhida para a capital, com o nome de Oeiras, uma homenagem ao conde de Oeiras, conhecido mais tarde como Marquês de Pombal. A partir desse momento, floresceu rapidamente, tornando-se o centro mais importante do novo Estado.

Entretanto, desde os tempos coloniais pensava-se em mudar a capital do Piauí para as margens do rio Parnaíba, por ser Oeiras uma cidade de difícil comunicação e administração. Apesar de tão justos motivos, a mudança só aconteceu em 1851, com a decisão acertada do Conselheiro José Antônio Saraiva. Às margens do Parnaíba foi instalada a Nova Vila do Poti, que ganhou, em seguida, o nome de Teresina, instalada definitivamente em 16 de agosto de 1852, em homenagem a D. Teresa Cristina Maria de Bourbon, a imperatriz do Brasil.

Assim, os primeiros habitantes da nova capital – Teresina – eram antigos moradores

da antiga Vila Velha do Poti, hoje um conhecido bairro de Teresina chamado “Poti Velho”.

Esses habitantes eram formados de pequenos comerciantes, agricultores e fazendeiros que residiam na circunvizinhança, além de pessoas vindas de Oeiras1, na maioria, funcionários públicos, militares e pessoas ligadas à Igreja. Tempos depois, vieram os negros e escravos para ajudar na construção dos edifícios. Juntamente com a mudança da Capital, acredita-se que Teresina tenha herdado também alguns traços característicos do linguajar oeirense. O ponto de partida para afirmações nesse nível talvez seja o de considerar o papel dessa inter- relação entre o oeirense e o teresinense nas interações verbais, no período da transferência da capital de Oeiras para Teresina. Essa se fez de forma salutar e importante para o estabelecimento do falar piauiense, decorrente do contato linguístico entre essas comunidades de fala, pois como se sabe, a língua (gem) “não surge do nada, nem é simples mutação

genética ou herança genética isolada da vida social dos humanos”, como enfatiza Marcuschi

(2003, p.16). Dito de outra forma, entende-se que, além do alcance biológico e o cultural, entram como principais formadores da linguagem os aspectos sociais e históricos.

Em outro aspecto, entende-se que “uma comunidade de fala não pode ser concebida como um grupo de falantes que utiliza as mesmas formas; melhor definida como um grupo

que compartilha as mesmas normas em relação à língua”2

(LABOV, 1972, p. 158). Sendo assim, tais normas seriam observadas a partir de julgamentos de valor (positivo, ou negativo) atribuídos conscientemente pelos falantes a certos usos linguísticos, avaliações essas que teriam um caráter mais uniforme do que as formas linguísticas, utilizadas heterogeneamente na comunidade.

Apesar de não haver nenhum registro na literatura sobre o falar piauiense e, em especial, sobre o de Oeiras, a primeira capital do Piauí pode-se inferir, através de informações orais de pessoas ilustres3 e conhecedoras da sua história, que a realização do fonema guarda resquícios e grande influência da colônia portuguesa, trazida na época do império pelos portugueses pois, ao se observar o oeirense falando, este tende a pronunciá-lo como tepe, realização observada, sobretudo, nas pessoas mais velhas. É de se ressaltar que Oeiras guarda, ainda hoje, em sua arquitetura uma forte influência portuguesa, herdada da sua colonização.

Nessa ótica, para caracterizar o falar piauiense, é necessário tratar da formação e colonização de Teresina – a capital do Piauí, visto que esta incorporou todos os elementos que prenunciavam as características de sua identidade social e cultural e, juntamente, com estes aspectos – o do seu falar.

Assim, a identidade pode assumir um papel secundário e/ou principal para a explicação dos fenômenos linguísticos – o que ocorre, sobretudo, nas pesquisas centradas na concepção de comunidade de fala, que tem um papel prioritário, em que emergem os aspectos de identidade, variação e mudança linguística a que estão intrinsecamente vinculados. Por isso é que nas pesquisas sociolinguísticas e, nesta em particular, a questão da identidade tem papel central para a explicação do fenômeno da variação linguística ora relatada.

Dessa maneira, empregar uma ou outra forma adquire valor social, reveste-se de significados, os quais são oriundos do conjunto de práticas que o uso da língua integra. Na visão de Eckert (2000), as práticas, dentre elas as linguísticas, emergem em comunidades, em grupos de

2 Esta tradução é de inteira responsabilidade da pesquisadora

3 Informação prestada pelo historiador e professor Raimundo Nonato de Santana, grande conhecedor da história

pessoas reunidas em torno de um empreendimento comum, no qual tanto a mudança quanto os significados sociais da mudança são construídos em interação.

Contudo, não se pode esquecer, também, que os dados sócio-históricos, per se, não permitem ainda apontar com precisão qual teria sido a dimensão da influência demográfica para a atual configuração do falar piauiense, bem como para a distinção desse mesmo falar em relação ao restante do país. Acredita-se que, como bem assegura Nunes (1974, p. 62), quando informa ser a sociedade piauiense, ou seja, a teresinense, composta, inicialmente, de “cento e vinte e nove fazendas de gados, em que moram quatrocentos e quarenta e uma pessoas entre brancos, negros, índios, mulatos e mestiços”, que tal constituição étnica tenha importância para o marco do surgimento de Teresina, que se deu com o decorrer dos tempos pela integração do crescimento vegetativo da cidade, de gerações nascidas na própria cidade.

Mas há de se ressaltar ainda que, na mesma obra de Nunes (1974), o historiador

enfatiza ser o torrão piauiense constituído por “algumas pessoas [...] em que entra um arraial de paulistas com muitos tapuias cristãos”, observando-se aí que a formação do Piauí deu-se,

em princípio, por paulistas bandeirantes e por índios catequizados. A denominação „arraial

dos paulistas‟ deveu-se ao fato de concentrar homens provenientes de São Paulo, que vieram

ao Piauí para cultivar a terra e criar gado. Isso é evidenciado quando Nunes, ao apontar documentos que comprovam serem Domingos Jorge Velho e seus patrícios os primeiros a se instalar no Piauí; ao tratar da documentação em que relata a sua colonização, apresenta o

seguinte excerto: “os paulistas vão chamar outros „patrícios, que desejam de enxamear,

porque em São Paulo já não há aonde lavrem e plantem”. (NUNES, 1972, p.26).

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