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A comparação da desapropriação judicial com outros institutos

No documento ROBERTA CRISTINA PAGANINI TOLEDO (páginas 137-144)

Para Eduardo Cambi, o disposto nos Parágrafos 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil é uma espécie de “usucapião especial ou coletivo”348. No mesmo sentido Carlos Alberto Dabus Maluf afirma:

“Tal forma de usucapião aniquila o direito de propriedade previsto na Constituição (...)”349.

Não parece ser dessa natureza as limitações sociais traçadas no artigo 1.228 do Código Civil.

348

Eduardo Cambi, Propriedade. cit. p. 129. 349 Carlso Alberto Dabus Maluf, O direito.cit. p. 287.

Há evidentes semelhanças entre o previsto no § 4º do artigo 1.228 do Código Civil e o artigo 10 da Lei 10.257/01. Pode-se comparar uma “extensa área” com “áreas com mais de 250 metros quadrados”; o prazo de cinco anos é estabelecido para ambos os institutos e a moradia pode ser considerada pelo juízo um interesse social relevante.

Entretanto, existem pontos divergentes. Um deles é que a usucapião coletiva pode ser requerida em ação própria, como regra geral, mas, também, como matéria de defesa em ação possessória ou petitória. Já a desapropriação judicial só pode ser requerida como matéria de defesa em ação reivindicatória de domínio, nos interditos possessórios e nas petitórias.

Outro aspecto divergente é que, enquanto na usucapião coletiva que se destina a tutelar o interesse social de moradia a ocupação da área, apesar de se constituir num interesse econômico, é irrelevante, no caso da desapropriação judicial, o aproveitamento do imóvel tem que gerar algum excedente econômico. Este é o aspecto que distingue o direcionamento da norma.

A desapropriação judicial prevista pelo artigo 1.228 do Diploma Civil é voltada aos possuidores com capacidade econômica e financeira tal que permite a viabilidade fática do pagamento da indenização. Entretanto, na usucapião coletiva urbana prevista pelo artigo 10 da Lei 10257/01, há homenagem à população de baixa renda, para quem a idéia de indenização colocaria por terra toda a aquisição da propriedade.

Outro aspecto a ser considerado é que, na usucapião, o excedente econômico decorrente da ocupação fornece subsistência aos possuidores de baixa renda, e, no caso da desapropriação judicial, a posse é realizada com características econômicas mais relevantes, trazendo capacidade financeira de resposta ao ônus da indenização do referido instituto.

Por fim, há na desapropriação judicial a necessidade de pagamento de “justa indenização”, a ser fixada pelo juiz, como condição de transferência do domínio, requisito completamente distante daqueles exigidos pelas modalidades da usucapião, que são forma gratuita de aquisição da propriedade350.

Assim, não há como sustentar referido posicionamento.

Para Fredie Didier Júnior o novel instituto é o exercício de um contra- direito, pela via processual, produzindo efeitos na relação jurídica de direito material, com fundamento no artigo 1.255 do Código Civil, tendo em vista que o valor das edificações ou plantações feitas no terreno ultrapassou o do imóvel. É o que se infere do texto a seguir transcrito:

“Todavia, comparações à parte, o que o novo instituto faculta ao juiz não é desapropriar o bem, mas, sim, converter a prestação devida pelos réus, que de

específica (restituir a coisa vindicada) passa a alternativa (de indenizá-la em dinheiro)” 351.

Sem dúvida a idéia é inovadora, mas, além de não refleti-los, vai de encontro aos princípios da sociabilidade, eticidade e operacionabilidade, os quais solidificaram a norma positivada.

Reveste-se de fundamental importância estabelecer-se um paralelo entre o novo instituo e a desapropriação propriamente dita. Primeiramente, esse instituto não promove a desapropriação, na medida em que o Estado não intervém efetuando o pagamento da justa indenização fixada pelo juiz.

A Constituição Federal prevê três espécies de desapropriação. O primeiro tipo é aquele cujo objetivo é a utilidade pública ou o interesse social, como prevêem os artigos 5º, XXIV, e 182, § 3º, da Constituição Federal. O segundo tipo de desapropriação é aquele que consiste numa sanção ao proprietário de imóvel urbano que cumpre a função social, como dispõem o artigo 182 e seu Parágrafo 4º, III, da Carta Constitucional. E o terceiro tipo é aquele que tem como finalidade promover a reforma agrária preconizada pelo Artigo 184 do Diploma Constitucional pátrio.

A característica da ação de desapropriação é a necessidade de decretação prévia do interesse social, através de ato administrativo. É oferecido, então, um preço. Havendo resistência do particular, haverá necessidade de ser

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decretada, pela via judicial, a perda da propriedade e de ser efetuado, pelo órgão expropriante, o pagamento da respectiva indenização, após parecer técnico de perito, cabendo ao particular somente a discussão sobre o valor da indenização , sem poder o juízo analisar o mérito do ato administrativo352.

Ademais, trata-se de instituto de Direito Público, embora com efeitos refletidos na esfera cível. Trata-se de despojamento compulsório, realizado pelo Poder Executivo, de alguém, de uma propriedade, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, mediante indenização prévia e justa, pagável pelo Estado em dinheiro ou, se o sujeito passivo concordar, em títulos da dívida pública353.

A Administração Pública tem obrigação de utilizar o imóvel para atender a finalidade específica pela qual se deu a desapropriação. De modo que, se se desviar da destinação declarada, dar-se-á a retrocessão354.

Na desapropriação judicial não há um decreto judicial prévio declarando a existência dos requisitos previstos pelo artigo 1.228, parágrafo 4º, do Código Civil, como a perda da propriedade, mas, sim, há um provimento jurisdicional declarando a perda da propriedade e a fixação da indenização, a pedido da parte, e não iniciado “ex-officio” pelo juízo.

352 Kiyoshi Harada, Desapropriação, São Paulo, Atlas, 2002, p. 77-89. 353

Kiyoshi Harada, Desapropriação, São Paulo, Atlas, 2002, p. 77-89. 354

Oportunamente, não ocorre a compra e venda pela inexistência do acordo de vontades.

Fábio Caldas de Araújo355 pondera:

“Ele delimita em seu §4º uma nova modalidade de verdadeira desapropriação, cuja hipótese fático-jurídica consubstancia-se no mau uso da propriedade (rectius, propriedade improdutiva) e na existência de uma posse qualificada pelo trabalho.”

Finalmente, para Miguel Reale356, se está diante de uma nova espécie de desapropriação realizada pelo Poder Judiciário357. Explicita esse nobre mestre:

”Vale notar que, nessa hipótese, abre-se, nos domínios do Direito, uma via nova de desapropriação que se não deve considerar prerrogativa exclusiva do Poder Executivo ou Legislativo. Não há razão plausível para se recusar ao Poder Judiciário o exercício do poder expropriatório em casos concretos, como o que se contém na espécie analisada”.

355 Fábio Caldas de Araújo, O usucapião. cit. p. 217. 356

Miguel Reale; História. cit. p. 104. 357

No mesmo sentido Luís Paulo Cotrin Guimarães em palestra “A desapropriação Judicial” proferida no Instituto de Direito Internacional, em São Paulo, em 04.06.2005 e Maria Helena Diniz. Curso. cit. p. 198.

De fato, a remodelação do direito material apresentou, ao novo instituto, a desapropriação judicial baseada na posse-trabalho358, ainda não se mostrou, do ponto de vista da jurisprudência, deixando a todos um pouco sem a visão do real aplicador do direito, que sinaliza, pelo menos, com a implementação dos princípios da sociabilidade, da operabilidade e eticidade.

Capítulo IV

A INFLUÊNCIA DA POSSE-TRABALHO NA USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS

Passaremos ao estudo da influência da posse trabalho na usucapião de bens imóveis, não pela pouca importância do instituto em relação ao bens móveis, mas em consideração ao tema dissertado que só se encontra presente quando da incidência temporal nos naqueles bens.

No documento ROBERTA CRISTINA PAGANINI TOLEDO (páginas 137-144)