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A competência sancionatória (disciplinar) e o princípio hierárquico

3 A PROPORCIONALIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

3.1 Processo administrativo disciplinar: generalidades

3.1.1 A competência sancionatória (disciplinar) e o princípio hierárquico

Eduardo García de Enterría e Tomás Ramon Fernández sustentam que mesmo nos países que mantém com maior rigor o monopólio sancionatório dos juízes, admitem que a Administração, para manter a disciplina interna de sua organização, dispôs sempre de um poder disciplinar em virtude do qual pode impor sanções a seus agentes. A peculiaridade destas sanções administrativas reside em dois pontos centrais: o reconhecimento de uma espécie de titularidade natural da Administração, derivada do atuar no seu âmbito doméstico, e a previsão de ilícitos que correspondem a condutas valoradas com critérios deontológicos mais que estritamente jurídicos. Por isso, a tradição do Direito Público pretendeu dispensar deste tipo de potestade, os requisitos gerais de legalidade e tipicidade, substituindo estas regras por uma sorte de potestade doméstica, legitimada na simples posição de uma submissão geral dos destinatários das medidas disciplinares, voluntária normalmente (mas nem sempre como no caso dos soldados e presos).1

Se o fundamento para atribuição de competências sancionatórias da Administração Pública para com seus agentes reside na disciplina, a hierarquia encontra aqui especial significado.

Com relação as lições de José Cretella Júnior sobre o significado do princípio hierárquico para a Administração Pública:

Formado artificialmente sobre as bases fornecidas pelo grego hierós, sagrado e

arkhía, comando, passou hierarquia (comando sagrado) da linguagem religiosa para

a profana (particularmente para a profana) e, desta, para a terminologia do direito público, acumulando os sentidos de comando, subordinação, escalonação,

dependência. O hierarca, o sumo sacerdote, dava unidade à religião, resolvendo as

dúvidas que eram acatacadas pelos fiéis. No campo jurídico, o superior hierárquico também fixa as normas que deverão ser seguidas pelos subalternos.2

1 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de; FERNÁNDEZ, Tomás Ramon. Curso de derecho administrativo. 5. ed.

Madrid: Civitas, 1998. Tomo II. p. 165-166.

2 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988: artigos 38 a 91. Rio de Janeiro: Forense

Já se comparou o aparelhamento administrativo a uma grande pirâmide, cujo vértice é ocupado pelo superior em torno do qual se vão dispondo, em graus diversos, cada vez mais baixos, os demais funcionários até a base. Em nosso caso, o Presidente da República e os Ministros ocupam o mais alto degrau, na hierarquia administrativa federal. A imagem dá uma idéia perfeita do complexo organismo administrativo, dirigido pelo superior e articulado em todos os seus lados, de maneira que o todo funcione harmonicamente, de modo uniforme, evitando-se o caos e reafirmando-se a unidade da máquina.

O princípio hierárquico, que exige uma submissão relativamente grande dos subordinados aos chefes, encontra seu ponto de partida na religião, irradiando depois ao exército, e serviu de diretriz para a organização da administração, nos diversos países.

Criação napoleônica, a organização administrativa francesa recebeu estrutura marcadamente militar. Em nenhuma outra parte, com exceção talvez da Prússia, o princípio hierárquico foi aplicado com tanto rigor. Era conforme as tradições do antigo regime e correspondia ao temperamento militar de Napoleão, sendo aceito facilmente pelos funcionários de uma geração nascida entre duas batalhas e formada nos colégios ao rufar dos tambores.

Hierarquia, em si, significa a superposição harmônica de muitos graus. Instituição bastante sólida, extraordinária disciplina, que recebe o nome de poder hierárquico.

Caracteriza-se o poder hierárquico, a coordenação e a subordinação, definindo-se, pois, o instituto, como ‘a série de órgãos que exercem o Poder Executivo, harmonicamente subordinados e coordenados para fazer compatível sua unidade com a variedade’.

Assemelhando-se a uma árvore genealógica, desdobra-se a hierarquia administrativa em linhas e graus, desde os órgãos centrais que representam o Poder Executivo, em sua unidade, até outros órgãos que se acham no término da função de que se trata; a linha é uma ramificação do Poder Executivo que liga um centro de autoridade a outros inferiores, o grau é o lugar numérico que corresponde a um determinado centro de autoridade relativa a outro superior pelos intermediários que existem entre ambos. A subordinação nos graus e a coordenação nas linhas são elementos integrantes da hierarquia administrativa.

Entende-se por hierarquia a relação de coordenação e subordinação dos órgãos do Poder Executivo.

Tal escalonamento mostra, em primeiro lugar, que os órgãos do aparelhamento administrativo estão permanentemente vinculados e que, pelo instituto da hierarquia fica firmada e graduada a competência de cada autoridade.

existindo no âmbito do Poder Judiciário, nem do Poder Legislativo.

No Poder Judiciário, enquanto Judiciário, o que existe é gradação de autoridade, estabelecida por meio de instâncias ou graus de jurisdição. Realmente, uma das conseqüências da hierarquia é a possibilidade que tem o superior de praticar os atos que competem ao inferior. Na organização por instâncias, tal não se dá: cada uma funciona na esfera diferente de outra e é com ela incomunicável. O tribunal não pode praticar atos da competência do juiz de primeira instância, não pode processar e julgar a qualquer momento uma ação qualquer, a não ser as da sua competência. Enfim, o tribunal não tem a faculdade de dar ordens nem de substituir-se ao juiz de inferior instância.

Desse modo, ao passo que, na hierarquia administrativa, o superior, independentemente de provocação do interessado, pode modificar ou reformar o ato do seu subordinado, desde que julgue dever assim proceder, tal não se verifica no âmbito do Poder Judiciário, onde somente mediante provocação do interessado, ou seja, através do recurso, o chefe intervém no ato ou ação do que lhe está subordinado. A tal ponto a incomunicabilidade de instância é observada no campo judiciário que, quando o legislador entende que é caso de reexame, manda que haja recurso por parte do próprio juiz.

[...]

As conseqüências da hierarquia são inúmeras, devendo-se salientar, entre outras, a unidade de direção, a vigilância dos superiores sobre os inferiores, a substituição do inferior pelo superior, a revisão dos atos dos subordinados, a aplicação de sanção, o dever de obediência e a resolução dos conflitos de atribuição.3

Justamente porque a competência disciplinar encontra seu fundamento no princípio hierárquico, o processo administrativo disciplinar apresenta características notadamente hierárquicas quanto à organização das autoridades processantes. Na generalidade das legislações estatutárias, a competência para instaurar e julgar o processo administrativo disciplinar depende da conjunção de dois fatores: a superioridade hierárquica da autoridade em relação ao servidor que responde o processo e a modalidade da pena disciplinar a ser aplicada (já que a pena de exclusão do serviço público somente pode ser aplicada pela autoridade que se encontra no topo da estrutura hierárquica). Por sua vez, a competência para instruir o processo é atribuída a uma Comissão formada por servidores de igual ou superior hierarquia em relação ao servidor que sofre o processo disciplinar. As avocações, delegações

e substituições das autoridades seguem, via de regra, o princípio hierárquico. Assim, o princípio hierárquico fornece tanto os fins da competência sancionatória disciplinar (a repressão à quebra da hierarquia) como os meios do exercício desta competência.