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A nova processualidade administrativa no Brasil

1 ESTADO DE DIREITO E PROCESSUALIDADE

1.2 O processo administrativo no estado de direito e sua normatização principiológica

1.2.3 A nova processualidade administrativa no Brasil

O processo administrativo tem, entre nós, inegável embasamento constitucional (art. 5º, LV). Tratando-se de matéria afeta à economia administrativa interna de cada esfera de governo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm autonomia para legislarem sobre o processo administrativo aplicável às suas administrações direta e indireta. Em todo o caso, devem ser observados os princípios constitucionais norteadores da atividade administrativa (art. 37, caput), assim como os direitos e garantias fundamentais assegurados aos administrados em geral, principalmente as cláusulas decorrentes do due process of law.

Tais leis, adaptadas às peculiaridades de cada pessoa política, bem como às peculiaridades de sua organização administrativa, deverão disciplinar de forma satisfatória o processo administrativo em cada âmbito de governo, vinculando todos os órgãos e agentes públicos nela inseridos.

A Lei Federal nº. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, reguladora do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta (art. 1º, caput) incorpora categorias e conceitos do moderno direito administrativo, ao disciplinar o processo administrativo aplicável aos órgãos e entidades federais, contém, em primeiro lugar, uma farta principiologia aplicável ao processo. Ao processo administrativo federal aplicam-se os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art. 2º, caput). São também estabelecidos de forma criteriosa normas e preceitos concernentes a: fase do processo (inicial, instrução, relatório, julgamento), direitos e deveres dos administrados (art. 3º e 4º), competência, delegação e avocação (arts. 11 a 17), impedimentos e suspeição (art. 18 a 21), forma, tempo e lugar dos atos processuais (art. 22 a 25), instrução (art. 29 a 44), relatório (art. 47), dever de decidir (art. 48 e 49), motivação (art. 50), desistência e outros casos de extinção do processo (art. 51 e 52), anulação, revogação e convalidação (art. 53 a 55), recursos administrativos (art 56 a 65), prazos (art. 66 e 67), sanções (art. 68).

Conforme já acenado, a normativa retromencionada regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta. Destina-se, assim,

prioritariamente, ao Poder Executivo, onde se concentra boa parte da função administrativa. Não obstante isso, seus preceitos “também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa“ (art. 1º, § 1º).

Trata-se tal diploma legislativo de lei genérica, vocacionada a conviver com leis que disciplinam procedimentos específicos, tais como a Lei de Licitações (Lei 8.666/93), a Lei de Processo Disciplinar (Lei 8.112/90 – Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), Lei de Desapropriação (Decreto-lei 3.365/41). Sendo uma lei processual genérica, aplicável sempre que inexistir processo específico, a Lei 9.784/99 é de aplicação subsidiária aos referidos procedimentos específicos.

1.2.3.1 O direito à defesa

O surgimento do direito à defesa no ordenamento jurídico brasileiro ocorre a partir da Constituição de 1891, o constitucionalismo brasileiro passou a utilizar a expressão defesa, sempre associada ao direito penal, falando sempre em prisão e nota de Lei de Processo Administrativo, sendo que a partir de 1967, foi retirada a expressão nota de Lei de Processo Administrativo, do texto constitucional.

Até o advento da Constituição Federal de 67/69, o direito à defesa estava garantido constitucionalmente apenas onde houvesse acusados, portanto, não estava relacionado nem ao menos ao processo civil. Porém, a doutrina já visualizava a aplicação do direito à defesa nos processos administrativos, conforme afirma Pontes de Miranda97 ao comentar a Constituição de 1967:

A defesa, a que alude o § 15, é a defesa em que há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal ou administrativo ou policial. O princípio nada tem com o processo civil, onde há réus sem direito à defesa antes da condenação.

Vê-se que, apesar de o direito à defesa não estar, ainda, constitucionalizado, o processo administrativo já sofria a incidência da garantia constitucional, logicamente em se tratando de processo contencioso, como já foi dito.

Grande avanço ocorreu com o texto da Constituição de 1988, onde o direito à defesa e ao contraditório passou a incidir em qualquer processo onde houvesse litigantes e acusados em geral, o que ampliou por demais o campo de aplicação deste princípio.

Apesar de a jurisprudência já vir se posicionando favoravelmente à ampliação da incidência da garantia de defesa para além dos processos criminais, a inovação da Constituição de 1988 foi a de determinar expressamente que a qualquer litigante ou acusado seja garantido o direito a se defender plenamente. Como realça Celso Ribeiro Bastos:98

É certo que já havia, debaixo da constituição anterior, um labor extremamente meritório, tanto no âmbito doutrinário quanto jurisprudencial, no sentido de estender as garantias em questão além do processo penal. A nova redação do texto, contudo, tem o condão de constitucionalizar esta tendência, positivando-a, a nível do direito expresso.

Assim é que, com a Constituição de 1988, o direito à defesa passou a ter um papel importantíssimo na democracia brasileira, aparecendo como elemento que reduz sobremaneira o arbítrio do Estado, notadamente nos processos administrativos, “devendo estar previamente estabelecido quanto ao rito e as sanções legais, sendo asseguradas as condições para que a defesa possa ser ampla e justa”.99

Com relação ao conteúdo, outro grande avanço da Constituição de 1988 foi o de eliminar a referencia à lei no tocante aos meios e recursos inerentes à ampla defesa. Desta forma já há no dispositivo constitucional um significado mínimo de ampla defesa, que não é deixado ao talante do legislador ordinário delimitar.

Segundo Pontes de Miranda100 não há um conceito de defesa perfeitamente formado. Há, porém, algo de mínimo, além do que não existe defesa. Este mínimo não necessita de regulamentação legal resumindo-se na impossibilidade processos secretos ou inquisitoriais. Este mínimo já é garantido constitucionalmente, juntamente com os meios e recursos que visam a aplicar o direito à defesa.

A Constituição de 1988 trata o direito à defesa como decorrente da personalidade e dignidade humanas, inserindo-se na categoria de direito fundamental. Vem garantir ao réu, tanto nos processos jurisdicionais quanto nos processos administrativos contenciosos, possibilidade de trazer aos autos todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade.

Ela impede que o processo se transforme em uma luta desigual, em que só a uma parte é dada a oportunidade de argumentar e produzir provas. É por isso que a defesa é um instituto que determina o verdadeiro aspecto atual do direito, qual seja, o aspecto dialético, de argumentações contraditórias tendentes a revelar a verdade. È pela análise dos argumentos das partes, que o julgador irá decidir a controvérsia, nada tendo valor inquestionável.

98 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva. 1989. p.122.

99 COSTA, Nelson Nery; ALVES, Geraldo Magela. Constituição federal anotada e explicada. Rio de Janeiro: