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A complementaridade entre o Sistema Desportivo e o Sistema

Se existe alguma convergência nos discursos que imanam da instituição escolar e dos clubes desportivos, esta baseia-se no princípio da complementaridade entre os dois subsistemas. A problemática, nesta relação, não está tanto na aceitação de um compromisso entre as duas instituições (já que ambos reconhecem essa inevitabilidade), mas está centrada nas funções que cada uma deve assumir no processo de preparação desportiva da criança e do jovem. A Confederação do Desporto de Portugal publica em Junho de 2001 um documento que se ocupa desta matéria, retratando o estado de uma relação que foi sempre conflituosa:

 O alto rendimento exige alterações na participação do sistema escolar na política

desportiva. O discurso que prevalece na escola é que à escola compete a formação desportiva de base. No entanto, no Desporto federado há uma reacção simétrica, onde a captação massiva é um bom exemplo;

 A função do Desporto Escolar, como introdutória à preparação desportiva, conduz a um

duplo problema: O desperdício dos talentos e o desperdício das oportunidades. Estes obstáculos que impedem a contribuição da escola, na elitização desportiva, advêm da filosofia de educação anti-elitista. Sendo este Desporto por natureza elitista, percebe-se que as duas posições constituam a base do conflito entre os dois subsistemas.

Nestas linhas de pensamento, Soares (2005) refere ser necessário assumir que a Escola e os clubes federados fazem parte do mesmo processo que é a formação desportiva. Entenda-se formação desportiva o processo de prática desportiva regular que tem por objectivo criar as condições e os meios necessários à aprendizagem e evolução do praticante, desde a iniciação até à especialização, esteja ele no sector escolar, federado ou em qualquer outro.

Repare-se, a título de exemplo, que muitos jovens começam a sua prática desportiva na escola e continuam, mais tarde, no Desporto federado. Outro importante indicador será o facto de muitos professores de Educação Física ligados ao Desporto escolar terem exercido e, provavelmente, continuarem a participar no Desporto federado: por exemplo, no ano escolar de 1994/1995, através de um estudo realizado na Região Autónoma da Madeira (Soares, 1997), apurou-se que 54% dos professores do Desporto escolar exerciam funções de treinador nos clubes federados, para além de existirem ainda outros professores que acumulavam outras funções no sector federado, desta feita em percentagem mais reduzida.

Esta relação pode ser analisada segundo vários domínios e objectivos (níveis de formação da prática desportiva, formação de árbitros e professores, interacções nos quadros competitivos, acções de promoção do Desporto, partilha de recursos materiais, entre outros), de acordo com os interesses e o papel de cada um dos sectores e organizações.

Contudo, a verdade é que as divergências entre estes dois sectores existem. Segundo Pires (2003), tanto o Desporto Escolar como o Desporto Federado podem ter a mesma vocação, contudo têm missões diferentes. Enquanto que o Deporto Escolar via educar, nas vertentes da saúde e da recreação, o Desporto Federado atinge o rendimento e o profissionalismo, sob o pano de fundo do espectáculo.

A vocação de uma estrutura como o Desporto Escolar tem a ver com a necessidade de satisfazer as necessidades de prática desportiva em jovens de idade escolar, no entanto, poderemos considerar que o Desporto Federado também possui esta vocação, encontrando-se os praticantes em idade escolar ou não.

Quer dizer, são duas unidades orgânicas independentes do Sistema Desportivo que podem cooperar, desde que não exista da parte de nenhum deles tentações hegemónicas e totalitárias. Na medida em que ambos têm a mesma vocação. Portanto, a cooperação tem de ser realizada no respeito pela identidade cultural de cada sistema, na certeza de que se não for possível estabelecer distintamente diferentes identidades culturais, então, podermos dizer que um dos sistemas está a mais. (Pires, 2003, p. 81)

O autor supracitado pretende transmitir a ideia, através da afirmação anterior, de que, ou o Desporto Escolar toma conta dos escalões etários em idades de escolaridade obrigatório, ficando o Desporto Federado dispensado de tal missão, ou se entrega o Desporto Escolar às Federações, permanecendo a questão de verificar as vantagens e inconvenientes de cada uma das situações expostas. Será, no entanto, de relevar a opinião de Pires (2003), o qual menciona que, “numa política desportiva equilibrada e coerente os dois sectores complementam-se, não se sobrepõem nem se excluem”. (p. 80).

Esta opinião é compartilhada por Coelho (1989) que, por sua vez, defende igualmente que os problemas do sistema desportivo não se resolvem pondo em conflito o Desporto escolar e o Desporto federado.

Ao invés, propõe um enquadramento coerente da prática desportiva segundo determinadas etapas, desde a iniciação até ao alto rendimento, onde ambos os sectores podem desempenhar um papel relevante. Importará, portanto, clarificar o que a escola tem a dar ao clube e o que o clube tem a dar à escola, conforme sugere Bento (1991):

[…] clube local e escola são dois momentos do mesmo tempo, duas faces intercomplementares da mesma moeda – a formação desportiva, tem a mesma função a cumprir, com diferença de estratégias, de vias, de meios e de objectivos ocasionais. (p. 184)

Assim, o desafio que se coloca às organizações que têm responsabilidades no processo de formação desportiva, seja num ou noutro sector, especialmente em determinadas localidades onde os recursos humanos e materiais são escassos, será o de encontrar e/ou estabelecer pontes de interacção e de sinergia, no sentido de proporcionar ganhos para ambas as partes e assegurar que o jovem praticante possa dispor da prática desportiva e competitiva, que melhor se adapta ao seu nível e às suas características.

8. Da Educação Física à Motricidade Humana Um Corte