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A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: PRODUZIR OU REPRODUZIR, EIS A

No documento Bruna Silva do Nascimento (páginas 66-70)

3 A CONSTRUÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO: TRÊS ARENAS

3.2 A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: PRODUZIR OU REPRODUZIR, EIS A

Meadows (1999) aponta que, com a utilização dos tipos móveis de

Gutemberg, a partir do século XVII o sistema de informação científica toma grandes

proporções ampliando seu alcance geográfico e atingindo um número maior de

leitores. Nesse mesmo período a sedimentação científica pós Idade Média

oportuniza a ampliação dos canais de comunicação, à medida que o volume de

conhecimentos e o aumento no número de agentes inviabilizam que sejam utilizados

somente os canais informais de comunicação, a saber, cartas, reuniões, seminários

e conversas pessoais. Essas possibilidades deixam de figurar como modo preferido

para a troca de informações entre cientistas e passam a compor um rol de canais

(formais e informais) de informação científica. (BURKE, 2003).

As atividades científicas e técnicas são o manancial de onde surgem os conhecimentos científicos e técnicos que se transformarão, depois de registrados, em informações científicas e técnicas. Mas, de modo inverso, essas atividades só existem, só se concretizam, mediante essas informações. A informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e não existiria o conhecimento.

Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula e, sobretudo, se circula livremente. (LE COADIC, 2004, p. 27, grifo nosso).

Um conceito possível para comunicação científica é o da livre circulação das

informações, pois é através desse mecanismo que o intercâmbio de informações,

entre os membros da comunidade científica, se constitui. De acordo com Meadows

(1999), a comunicação científica encontra-se no coração da ciência e é através dela

que o campo se edifica. Para o autor não se pode imaginar um campo científico

sedimentado sem um sistema eficaz de comunicação científica. Esse sistema tem

por característica principal a busca pela imparcialidade na avaliação dos originais,

pela colaboração inter e intrainstitucional entre agentes, pela maior visibilidade de

seus produtos, mas, sobretudo, pela construção de uma rede composta por

periódicos, temáticas e agentes (pesquisadores e instituições) que ao se manterem

articulados propiciam ao campo maior institucionalização no cenário da ciência.

Nesse sentido, a principal função da literatura científica é tornar

visíveis/públicos os resultados das pesquisas realizadas. Para Targino (1999), o

processo de comunicação científica compreende desde o momento da escolha

temática e dos possíveis colaboradores, da divulgação dos resultados e, por fim, da

incorporação desse novo saber ao arcabouço científico.

É sabido que o ato de publicar destina-se a tornar oficial um produto ou texto,

garantir a primazia e/ou propriedade da descoberta e, além disso, sob a ótica da

teoria sociológica de Pierre Bourdieu, ao acúmulo de capital científico puro que,

conforme dito, anteriormente, pode transformar-se em capital científico temporal

assegurando cargos relevantes na administração do campo. No contexto científico

brasileiro,

[...] a edição de um artigo científico, além de confirmar competência, pode, agora, assegurar empregos, e quiçá, prêmios e recompensas variadas. Ademais, a política vigente das agências de fomento também concorre para a crescente autoria múltipla, priorizando os projetos integrados de pesquisa em vez de trabalhos individuais. (TARGINO, 2005, p. 8-9, grifo nosso).

Em sendo assim, o sistema de comunicação científica chancela e confere

distinção aos autores que dele fazem parte, atribuindo-lhes maior capital científico

puro, que poderá ser transformado em temporal conforme os postulados de Pierre

Bourdieu. Essa distinção, feita não só com base em temáticas e teorias, mas

também nas regras instituídas e compartilhadas, define aqueles que compõem o

campo, mas principalmente, aqueles que se destacam no campo (elite científica).

“Se fosse preciso dar uma definição transcultural da excelência, eu diria que ela é o

fato de se saber jogar com a regra do jogo até o limite, e mesmo até a transgressão,

mantendo-se sempre dentro da regra.” (BOURDIEU, 2011c, p.99).

A afirmação anteriormente exposta é inquietante visto que, para o senso

comum, transgredir pressupõe ultrapassar as regras, transpor as leis. Nesse sentido,

são os próprios agentes os responsáveis pela manutenção dos limites do campo e

pela definição das práticas legítimas, seja pela atribuição de capital econômico,

cultural ou simbólico, seja pela função de “guardião dos limites do grupo: pelo fato

de que a definição de critérios de entrada no grupo está em jogo a cada nova

inclusão [...].” (BOURDIEU, 2011a, p.68).

O maior problema da atualidade no Brasil, no que concerne à avaliação da

produção acadêmica, diz respeito não só aos critérios que garantiriam a qualidade

do que se produz e se publica, mas também à forma como esses critérios são

empregados nos diferentes níveis exigidos pela comunicação científica. A saber,

ineditismo da abordagem proposta, contribuição para o campo, colaborações intra e

interinstitucionais realizadas, entre tantas outras regras, facilmente identificáveis na

seção de orientações ao autor de qualquer periódico qualizado.

De modo surpreendente, os pesquisadores brasileiros que na maior parte dos

casos também são professores de ensino superior, acabaram por conformar-se ao

sistema “publish or perish” (WILSON, 1942

5

apud GARFIELD, 1996, p.11), ensejado

no pós-guerra pelos Estados Unidos como forma de garantir maiores conhecimentos

5

WILSON, Logan. The academic man: a study in the sociology of a profession. New York: Oxford University Press.

de em determinados campos do saber – em especial aos de importância militar,

incorporando-o em seu fazer científico de maneira naturalizada. É inegável que,

principalmente para as agências de fomento brasileiras, os critérios quantitativos de

publicação ainda – mesmo depois de mais de sete décadas – são utilizados como

sinônimos de qualidade e, até mesmo, de profundidade na análise da produção

científica, seja no nível individual, seja no âmbito institucional.

Essa concepção, aceita e ratificada pela práxis da produção acadêmica, gera

– ao mesmo tempo – certo desconforto, ou no mínimo, inquietações à comunidade

acadêmica, entre elas a de como conciliar excelência na execução dos três pilares

(ensino, pesquisa e extensão) que sustentam a universidade brasileira.

É a vigência de um sistema de avaliação de desempenho calcado na produção científica de pesquisadores e professores, à semelhança da Gratificação de Estímulo à Docência (GED)6, adotada nas universidades federais brasileiras: ganha mais quem publica mais. Esta medida que, grosso modo, desconsidera as distinções entre áreas, temas e objetos de estudo, termina por incentivar uma produção calcada na quantificação, relegando-se a qualidade. (TARGINO, 2005, p.10, grifo nosso).

É essa a realidade das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras onde,

de modo incisivo, observa-se a incorporação da ideia americanizada (publish or

perish) de se fazer ciência, pela qual o volume de produções, mesmo a despeito do

real impacto que elas produzem no campo, é sinônimo de maior empenho,

qualidade e distinção. Nesse contexto, empregando uma análise bourdiesiana, é

impensado que a algum autor/pesquisador do campo seja permitida a não

conformação às regras vigentes e impostas sob pena de sua exclusão do próprio

campo. Aqui se entende autor por “[...] alguém que possui uma capacidade especial

– a de publicar o implícito, o tácito – alguém que realiza um verdadeiro trabalho de

criação.” (BOURDIEU, 2011a, p.102). Essa criação não se restringe à redação de

produtos científicos, mas estende-se à compreensão do campo, à ratificação da

crença que o sustenta e ao entendimento dos jogos linguísiticos engendrados pelos

agentes que compõem o campo. (BOURDIEU, 2011b). Sendo assim, acredita-se

que a busca pela legitimidade individual do agente, mas, sobretudo pela legitimidade

6

Dispositivo aprovado no Brasil em 1988 e revisado na LEI No 11.087, DE 4 DE JANEIRO DE 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11087.htm>. Acesso em: 08 out. 2015.

coletiva do grupo dominante, esbarra na antinomia inerente aos processos de

avaliação vigentes.

3.3 A COLABORAÇÃO CIENTÍFICA NA CONTRAMÃO DE CÉSAR: “AGREGAR

No documento Bruna Silva do Nascimento (páginas 66-70)