3 A CONSTRUÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO: TRÊS ARENAS
4.1 TIPO DE ESTUDO E TÉCNICAS
No que concerne ao polo técnico da pesquisa, a tese caracteriza-se pela
exploração do contexto da produção científica brasileira, proveniente dos bolsistas
de produtividade do CNPq, no campo da Educação. Nesse sentido, os estudos de
autoria se propõem a identificar informações acerca do agente principal que constitui
o campo acadêmico: o pesquisador. Assim, os traços significantes intrínsecos à
informação são utilizados como formas de apreensão da realidade observada.
(BRUYNE; HERMAN; SHOUTHEETE, 1977). Eles proporcionam não só uma visão
ampla dessa classe profissional (suas características como gênero, titulação, vínculo
institucional entre outras), mas também permitem a identificação das práticas de
produção científica, bem como facilitam um melhor entendimento do papel e da
influência exercidos pelas agências de fomento no que concerne à distinção dos
pesquisadores por meio da concessão de bolsas de produtividade no contexto de
produção do saber.
Deixando de lado os julgamentos de valor, parece clara a importância de se dispor de uma distribuição que nos informe sobre o número de autores, trabalhos, países ou revistas que existem em cada categoria de produtividade, utilidade ou o que mais desejarmos medir. (SOLLA PRICE, 1976, p. 39).
Para tanto, o estudo analisa a produção científica disponível no currículo
Lattes dos 382 bolsistas de produtividade (ver Apêndice A) distribuídos nos
seguintes estratos: PQ-1 (A, B, C e D), PQ2 e PQ-SR/CNPq do campo da Educação
no Brasil no período de 1990 a 2015. A importância desse tipo de pesquisa está no
fato de que “[...] a identificação dos agentes, dos lugares e da produção de textos
fornece as chaves para o entendimento da forma de realização dessa ideologia
dominante.” (HEY, 2008, p. 48). O conceito de ideologia dominante, utilizado pela
referida autora, reflete sua afiliação com os preceitos bourdiesianos, pois aproxima o
campo político de outros campos como o científico e social. A dominação não se dá
somente por via de mão única, o móbile de Calder – como exposto anteriormente –
permite a representação visual dessa mútua influência entre os campos. Ao propor
uma análise relacional do campo acadêmico da Educação no Brasil acredita-se que
verificar não só a produção científica dos agentes, como também os elos sociais por
eles estabelecidos possibilitará uma ampla compreensão do contexto da pesquisa
em Educação no Brasil. Para tanto, optou-se pela utilização da análise de conjuntura
para não só facilitar a compreensão dos dados quantitativos, mas também – e
principalmente – contextualizar as informações qualitativas inscritas no contexto do
fenômeno.
É sabido que, com o volume de informações veiculadas diariamente, é “´[...]
necessário identificar os ingredientes, os atores [agentes], os interesses em jogo
[enjeux]. Fazer isso é fazer análise de conjuntura.” (SOUZA, 2004, p. 7). Ainda de
acordo com Souza (2004), a técnica de análise de conjuntura promove a interação
entre a descoberta e o conhecimento prévio sobre determinado fato. Nesse sentido,
entende-se que ao escolher trabalhar com a elite do campo da Educação no país
alguns conhecimentos e interpretações antecederam as descobertas por ora
expostas. De maneira nenhuma, pode-se considerar esse saber pregresso como
sinônimo de qualquer tipo de contaminação da pesquisadora com o universo
trabalhado, pelo contrário, o conhecimento prévio permitiu um mergulho mais
profundo nos questionamentos propostos e nas hipóteses levantadas.
A análise de conjuntura é sempre empregada em prol de alguma necessidade
ou interesse, sendo assim, não é neutra ou desinteressada. (SOUZA, 2004). Antes
de algum julgamento de valor, cumpre ressaltar que Ziman (1979) corrobora essa
interpretação, pois o autor acredita que não há ciência neutra. Como preconizar a
neutralidade se ela é fruto da interação humana? Algo feito por e para o ser humano
poderia ser neutro? O que de fato move o interesse dos homens pela Ciência? Para
Ziman (1979) isso se dá de maneira natural e evolutiva, ou melhor, o teórico
compreende a Ciência como algo social, ininterrupto e cumulativo. Amparam-se as
análises realizadas na certeza de que antes da pretensão de uma suposta
neutralidade, busca-se a aproximação com a verdade representada pelos dados
quantitativos e pelas informações que deles se pode depreender.
O cume da arte, em ciências sociais, está sem dúvida em ser-se capaz de por em jogo coisas teóricas muito importantes a respeito de objetos ditos empíricos [...] Tem-se demasiada tendência para crer [...] que a importância social ou política do objeto é por si mesmo suficiente para dar fundamento à importância do discurso que lhe é consagrado – é isto sem dúvida que explica que os sociólogos [...] se mostrem muitas vezes os menos atentos aos procedimentos metodológicos. (BOURDIEU, 2011b, p. 18).
Em relação ao anteriormente citado, coloca-se como fundamental – para a
proposição de uma tese – que a metodologia seja detalhada tendo suas etapas
descritas de modo a clarificar as tessituras que serão realizadas para analisar o
fenômeno proposto. Ainda sobre isso, Souza (2004) afirma que na contramão do
desinteresse deve estar a objetividade do pesquisador para analisar o fenômeno que
o inquieta. Como ser social e, portanto, político tanto o pesquisador, quanto o agente
observado estabelecem uma relação objetiva com a realidade política, social e
histórica. Desse modo, empregar a análise de conjuntura não é uma tarefa fácil:
[...] exige não somente um conhecimento detalhado de todos os elementos julgados importantes e disponíveis de uma situação determinada, como exige também um tipo de capacidade de perceber, compreender, descobrir sentidos, relações, tendências a partir dos dados e das informações. (SOUZA, 2004, p. 8, grifo nosso).
Para operacionalizar esse conhecimento detalhado acerca do universo
escolhido foi necessário buscar informações a respeito da construção das trajetórias
acadêmicas desses agentes, objetivando-se construir um cenário concreto para o
emprego da análise de conjuntura.
Sendo assim, estabelecer as categorias (Ver Quadro 2) e suas correlações,
na presente pesquisa, facilitou a visualização desse contexto.
Quadro 2 – Categorias para a Análise de Conjuntura
Categorias
Acontecimentos:
indicam certos
sentidos e
percepções
Cenários:
ações da
trama
social e
política
Atores
[Agentes]:
representa um
papel dentro de
um enredo
Relação de
Forças:
confronto,
coexistência,
cooperação
revelam
relações de
domínio,
igualdade ou
subordinação
Articulação
(relação) entre
a Estrutura e
a Conjuntura:
o fenômeno
estabelece
relação com a
história, com o
passado, com
as relações
sociais,
econômicas e
políticas
Correlações com o Contexto da Pesquisa
Surgimento das
Agências de
Fomento
Institucionalização
dos PPG’s
Produção
da Ciência
Brasileira
Pesquisadores
(bolsistas de
produtividade)
= Elite
consagrada do
campo da
Educação
Agências de
fomento e
Instituições de
Ensino
Superior (IES)
Análise das
trajetórias
acadêmicas
dos
pesquisadores
Fonte: adaptado de Souza (2004).
Segundo Ziman (1979) e Souza (2004), a grande dificuldade em analisar a
produção científica encontra-se nas idiossincrasias de quem a produz: o próprio
homem concreto. Sendo assim, ela não é constituída de modo neutro, como o
anteriormente exposto, e – por conseguinte – isenta da complexidade inerente às
relações humanas e sociais. Não há interações causais, ou descomprometidas com
uma miríade de processos políticos que determinam a intensidade dessas relações
e, portanto, são peças fundamentais no entendimento e na análise de conjuntura do
fenômeno observado.
De modo geral, as análises de conjuntura são conservadoras: sua finalidade é reordenar os elementos da realidade, da situação dominante, para manter o funcionamento do sistema, do regime. Uma análise feita tendo como pressuposto uma correção de rota, mas não de direção fundamental. (SOUZA, 2004, p. 16, grifo nosso).