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A COMUNICAÇÃO DE RISCO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

4 COMUNICAÇÃO DE RISCO E A ÉTICA PROFISSIONAL

4.6 A COMUNICAÇÃO DE RISCO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Se levarmos em consideração que os conflitos são inerentes às sociedades modernas - em virtude da pluralidade de ideias, valores, interesses e aspirações - e que esses mesmos conflitos são salutares uma vez que promovem a diversidade sociocultural, garantindo atributos de efetividade e de legitimidade democrática. Então, poderemos concordar com a concepção de que para as sociedades se desenvolverem harmoniosamente faz-se necessário que os conflitos existam, mas que sejam articulados dentro de limites administráveis, isto é, por meio de políticas públicas e com o auxílio de instrumentos dialógicos.

Nessa perspectiva, nos interessa refletir sobre as possíveis contribuições da Comunicação de Risco enquanto mediadora de conflitos socioambientais. Para tanto, optamos por uma argumentação baseada em dois eixos norteadores. Primeiro, discorreremos sobre o conceito de “conflito ambiental”, suas especificidades e os campos de atuações teóricas apontadas pela sociologia ambiental para, em seguida, tratar da Comunicação de Risco enquanto um instrumento possível na mediação de conflitos.

4.6.1 O campo dos conflitos ambientais

Como vimos, tanto os riscos quanto os conflitos são inerentes à própria formação da sociedade. Nas sociedades contemporâneas, no entanto, cresceu a importância de uma modalidade particular de conflito relacionada ao meio ambiente. Entre os principais problemas, destacam-se a finitude e a eventual escassez de alguns recursos naturais, a poluição atmosférica e aquática, a contaminação por substâncias tóxicas, a extinção de espécies e a redução de seus habitat naturais, a aceleração e propagação de doenças infecto- contagiosas, o desmatamento, os riscos da tecnologia nuclear, as ameaças à biodiversidade, entre outros.

Uma das principais características dos conflitos ambientais, segundo Bursztyn (2004), é recortar as sociedades de maneira dicotômica: países pobres e ricos, grupos rurais e urbanos, cientistas e cidadãos leigos... Em todas essas situações há interesses conflitantes que via de regra não se sobrepõe aos interesses manifestados em torno de outros conflitos (político, econômico, ideológico).

Numa outra perspectiva, Acselrad (2004, p. 17) afirma que a sociologia ambiental tem encontrado dificuldades em caracterizar as especificidades dos conflitos ambientais como objeto científico. Para alguns, segundo o autor, a temática ambiental remete-se à problemática evolucionista, relativa às formas adaptativas do homem como espécie animal, ou seja, as ideologias e os modos de vida desses atores sociais se oporiam ao mundo natural. Para outros, os conflitos ambientais estão diretamente relacionados à ótica econômica e se apresentam sob duas formas: o primeiro, por distribuição de externalidades e da dificuldade dos geradores de impactos externos assumirem a responsabilidade por suas conseqüências; o segundo decorre da dificuldade de se definir a propriedade sobre os recursos naturais, seu acesso e seu uso. Essa perspectiva estaria associada aos espaços sociais que escapam à ação do mercado.

É possível encontrar também concepções que escapam aos paradigmas evolucionista e economicista, caracterizando os conflitos ambientais como relativos a interesses e estratégias diferenciadas de apropriação e aproveitamento da natureza. Nessa proposta, de acordo com Leff (2006), a reapropriação do mundo não pode se resolver dentro da lógica unitária do mercado ou dos códigos jurídicos do direito privado, mas reafirmando o exercício de racionalidades não hegemônicas, que ressignificam conceitos e formas jurídicas na caracterização de territórios étnicos como espaço de reconstrução cultural.

Em todos esses casos, as dificuldades teóricas apresentadas dizem respeito à complexidade da caracterização do ambiental como um campo específico de construção e manifestação de conflitos. Acserald propõe que se remeta a problemática ambiental à teoria social de Bourdieu, onde “o campo passa a ser visto como uma configuração de relações objetivas entre posições na estrutura de distribuição de diferentes espécies de poder” (ACSELRAD, 2004, p. 18).

No interior do espaço social, os agentes sociais distribuem-se segundo princípios de diferenciação que constituem os campos de forças relativas. Vale destacar que estes campos não são constituídos por lugares vazios, pois há neles ação e histórias produzidas pela coletividade. Assim, o autor escreve:

Se considerarmos o meio ambiente como um terreno contestado material e simbolicamente, sua nomeação – ou seja, a designação daquilo que é ou não é ambientalmente benigno – redistribui o poder sobre os recursos territorializados, pela legitimação/deslegitimação das práticas de apropriação da base material das sociedades e/ou de suas localizações. As lutas por recursos ambientais são, assim, simultaneamente lutas por sentidos culturais. Pois o meio ambiente é uma construção variável no tempo e no espaço, um recurso argumentativo a que atores sociais recorrem discursivamente através de estratégias de localização conceitual nas condições específicas da luta social por mudança ambiental, ou seja, pela afirmação de certos projetos em contextos de desigualdade sociopolítica. (ACSELRAD, 2004, p. 19).

Nota-se ainda que todo o esforço de politização dos conflitos ambientais como meio de problematizar as escolhas de desenvolvimento é, com freqüência, apresentado como obstáculo ao cumprimento das metas, quando não como barreira ao próprio ânimo desenvolvimentista. Daí a importância de se começar a pensar formas de se administrar os conflitos e, consequentemente, as relações de poder, através de políticas públicas e com o auxílio de instrumentos dialógicos e participativos, a exemplo da comunicação de risco.

4.6.2 A Comunicação de Risco como instrumento de mediação

A eficácia da gestão de risco depende cada vez mais da participação inteligente de todos os atores envolvidos no processo. Por este motivo, torna-se cada vez mais indispensável

promover a troca de informações e o fácil acesso aos meios de comunicação, haja vista que sem informação não é possível investigar, planificar, e monitorar as ameaças e avaliar.

Nessa perspectiva, um dos componentes na decisão e na gestão do risco é a comunicação entre técnicos, os gestores, as parte interessadas e o público em geral. No caso de riscos públicos, a comunicação de risco por parte das autoridades pode ter os seguintes objetivos: alertar e orientar pessoas numa situação de acidente ou desastre; promover a participação do público nas medidas de proteção, incluindo a formação e o treino; e promover consensos ou diálogos construtivos em consultas e decisões públicas tendo em vista a implementação de medidas restritivas ou de aceitação de novos riscos.

Vale salientar, contudo, que esse diálogo entre especialistas e o público, na maioria das vezes, não se configura como um processo de comunicação fácil e eficaz. Por este motivo, faz-se necessário recorrer à mediação de especialistas em comunicação de risco que, para contribuir com a tomada de decisão informada se utilizará alternativas bem fundamentadas. Uma vez que a colocação do problema e os pressupostos escolhidos devem ser claros e consistentes.

A comunicação de risco, portanto, tem como objetivo central oferecer a oportunidade de comunicar os riscos - e mesmo mediar possíveis conflitos ambientais - de maneira planejada, transparente e sensível às necessidades da comunidade. Para tanto, faz-se necessário que os profissionais que integram o plano de comunicação de risco de um determinado projeto ambiental - ou mesmo que estejam aptos a promover mediação num cenário de conflitos - conheçam as necessidades psicológicas, políticas, sociais e econômicas dos atores envolvidos, com vistas a facilitar o diálogo e promover consensos entre partes opostas.

Além disso, governos, gestores, empresários e a sociedade civil começam a reconhecer que os métodos tradicionais para envolver os cidadãos na tomada de decisões nem sempre são efetivos. Em todos os níveis, há um reconhecimento de que a participação cidadã genuinamente deliberada e interativa é mais efetiva para o gerenciamento de risco, bem como para a resolução de conflitos. O enfoque participativo da comunicação de risco pode, nesse sentido, conduzir a um maior consenso, porém não pode garantir uma harmonia absoluta. Entretanto, quando os riscos e/ou conflitos são bem entendidos, previsíveis e mensuráveis, a comunicação de risco pode ser mais clara e direta.

No caso dos conflitos que envolvem disputas de natureza socioeconômicas e ambiental, destaca Theodoro (2005, p. 59), é importante que não se perca a noção de que tais conflitos não se revolvem por meio de procedimentos “binários” (bem x mal; heróis x vilões; legal x ilegal; formal x informal), mas sim de que é necessário propor a busca de um ponto intermediário.

Provocar diálogos entre as partes que se vêem como inimigos manifestos ou potenciais e administrar situações conflituosas são tarefas difíceis, mas necessárias para que se construam os pressupostos básicos de uma verdadeira gestão ambiental. Assim, complementa a autora:

A mediação (facilitação) dos conflitos deve promover valores que ultrapassem a acomodação de interesses setoriais. A cultura do diálogo e da participação de todos os envolvidos (ou de seus representantes) é ferramenta fundamental para o alcance dos objetivos desejados (pontos a serem negociados) (THEODORO, 2005, p. 59).

Ao se mencionar o termo negociar, está-se dizendo que é uma forma de fazer ajustamentos sucessivos para alcançar um acordo, ou seja, é um processo de troca em que as partes determinam o mínimo e o máximo aceitáveis, até um determinado ponto onde se estabelece o limite possível. Enfatizando que as principais premissas de uma negociação são: ter pelo menos duas partes envolvidas; existir algum conflito de interesses sobre algum item negociado; haver a demanda de algum relacionamento, ainda que seja temporal; e apresentar uma proposta com avaliação dos objetivos a serem negociados.

A formalização de parcerias que contemplem o uso dos instrumentos legais (políticas públicas), e de outras técnicas menos ortodoxas (comunicação de risco), viabiliza novos arranjos, que podem reverter-se em conquistas sociais, ambientais, políticas, culturais, econômicas e éticas. Estas dimensões, se integradas e equilibradas sempre serão consideradas como fundamentais no equilíbrio das sociedades.

Além disso, com o retorno epistemológico, ético e político do espaço da negociação e da transparência nas informações restabelecem-se a legitimidade dos conflitos. Neste caso, a visão do ser humano sobre si mesmo e sobre a natureza torna-se mais humana, em contraposição a uma idéia de racionalidade instrumental e impessoal, tão criticada nos dias atuais. No capítulo seguinte, portanto, analisaremos como a Comunicação de risco está sendo empregada tanto pelo gestor do projeto de transposição das águas do rio São Francisco quanto pela imprensa sergipana que informa à sociedade sobre os possíveis riscos e impactos ambientais do empreendimento hídrico.