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5 COMUNICAÇÃO DOS RISCOS DA TRANSPOSIÇÃO

5.2 O DISCURSO DA IMPRENSA SERGIPANA SOBRE RISCOS DA

5.2.5 As formações discursivas

Dois conceitos fundamentais na AD são as noções de Formação Ideológica (FI) e Formação Discursiva (FD). O primeiro, segundo Brandão (1991), está diretamente relacionada ao materialismo histórico e interessa a uma teoria do discurso para contribuir com

97 Idem

98 Carranca é uma escultura com forma humana ou animal, produzida em madeira e utilizada a princípio na

proa das embarcações que navegam pelo rio São Francisco. Os barqueiros utilizavam as carrancas para chamar a atenção para sua embarcação. Em certo momento, a população ribeirinha passou a atribuir características místicas de afugentar maus espíritos às carrancas.

o entendimento do que seja uma superestrutura ideológica, ligada ao modo de produção dominante na formação social considerada. Nesse sentido, o discurso seria “uma instância em que a materialidade ideológica se concretiza” (BRANDÃO, 1991, p. 37). No caso do segundo, representaria na AD um lugar central da articulação entre língua e discurso. Elaborada por Pêcheux, o conceito de FD regula, desta forma, a referência à interpelação- assujeitamento do indivíduo em sujeito do discurso. “É ela que permite dar conta do fato de que os sujeitos falantes, situados numa determinada conjuntura histórica, possam concordar ou não sobre o sentido a dar às palavras” (BRANDÃO, 1991, p. 39). Ou seja, são as formações discursivas que, em uma formação ideológica específica, determinam “o que pode e deve ser „dito‟ a partir de uma posição dada, em uma conjuntura dada”. (BRANDÃO, 1991, p. 38).

A formação discursiva reitera, desta forma, a ideia de uma não neutralidade discursiva. Pois, quando o discurso é proferido, ele já nasce filiado a uma rede tecida por outros discursos com semelhantes escolhas e exclusões. A FD é, portanto, tudo aquilo que se repete e que ao se repetir se transforma e se resignifica num determinado tempo histórico e ideológico.

Com base nesses preceitos, a primeira formação discursiva que identificamos está diretamente relacionada ao Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), ou seja, ao tratarem do documento, as fontes ouvidas pelos jornais sergipanos sempre confirmam o discurso de que “o RIMA traz informações tendenciosas” (ANEXO 26). Esse discurso vai se concretizado à medida que técnicos e pesquisadores em recursos hídricos vão desenvolvendo suas análises, com base no próprio relatório do projeto (ANEXO 27). Nessa FD pode-se interpretar ainda que se “o RIMA traz informações tendenciosas” (o dito) então a “transposição é tendenciosa” (não dito).

A segunda FD identificada em nossas análises confere legitimidade ao não dito da primeira FD ao afirmar que “a água transposta não servirá para o consumo humano, mas para produção de camarão e irrigação” (ANEXOS 28, 29 e 30). Para aqueles que se dizem contrários à transposição, o grande erro do projeto é que ele não se destina ao consumo humano, mas ao setor produtivo. Numa tentativa de contenção ao projeto, o CBHSF, em reunião extraordinária, decide que “só podem ser autorizadas retiradas de água para a transposição exclusivamente para o consumo humano, desde que não haja nenhuma alternativa para a captação de água” (ANEXO 31).

A terceira FD garante que “a vazão do rio São Francisco já está toda comprometida” (ANEXO 32). Os múltiplos usos das águas do rio São Francisco - para a produção de energia elétrica, irrigação, industriais, pecuária e o próprio consumo humano – já estariam causando impactos na vazão do rio. Com a aprovação do projeto de transposição, entretanto, a outorga de água para projetos futuros estaria inviabilizada. Assim, seria preciso primeiro aumentar a vazão do rio com medidas de revitalização para somente depois voltar a pensar em transposição.

A quarta FD está diretamente relacionada ao processo de degradação do rio São Francisco. Conforme o discurso de seus defensores, “o rio está doente, na UTI” (ANEXO 33). Portanto, como poderia o Governo Federal propor um projeto que “retira água de um rio doente para incentivar grandes negócios” (ANEXO 34). A doença do rio a que se referem seus defensores estaria relacionada à degradação, ao assoreamento, à erosão, ao desmatamento das matas ciliares, à queda no volume de água e a redução do estoque pesqueiro.

A quinta FD apregoa a “morte do Velho Chico” em decorrência da transposição de suas águas (ANEXO 35). Pois, conforme o discurso dos defensores do São Francisco, a condução errada do projeto pode trazer danos irreparáveis a um rio que já sofre com a degradação. Um dos danos identificados é a chamada “cunha salina”, ou seja, o aumento de massa salgada que, se não for devidamente controlada, pode tornar a água salobra e provocar forte impacto ambiental negativo, especialmente sobre o solo e a fauna da Bacia (ANEXO 36). Daí a expressão tão utilizada pelo grupo contrário à transposição de que “em todo o mundo os rios morrem pela foz”.

Essa quinta FD acaba nos remetendo as duas últimas FD, muito utilizadas nos discursos proferidos pelo então governador João Alves Filho, quer seja, o projeto de transposição do rio São Francisco é “tecnicamente errado, ecologicamente destrutivo e politicamente desastroso” (ANEXOS 37, 38), pois além de provocar uma divisão insana entre os estados nordestinos, a má condição do projeto poderá provocar uma catástrofe ambiental na região da foz, onde se localizam os estados de Sergipe e Alagoas, levando a uma “crise no abastecimento de água” (ANEXO 39). Discursos apocalípticos do tipo “se o rio morrer, 60% da população de Aracaju terá que ser evacuada por falta de água para beber” e “populações terão que abandonar cidades do sertão porque as adutoras são abastecidas com águas do rio São Francisco”, foram muito utilizados durante o período eleitoral, de 2006. Isso acabou por

acarretar numa onda de medo na população e, por conseguinte, uma crescente participação da sociedade nas mobilizações contrárias à transposição.

Em virtude da existência desse movimento forte contrário à transposição, em Sergipe, raras foram as notícias que elencavam os aspectos positivos do projeto conduzido pelo Governo Federal. Dos três jornais analisados, verificamos que apenas o Jornal da Cidade

demonstrou, ao longo do período analisado, ter uma preocupação básica do jornalismo, isto é, enquanto atividade mediadora entre os fatos e os indivíduos, o jornalismo precisa abrir espaço para mais de uma fonte, possibilitando assim um embate de opiniões de vozes favoráveis e contrárias sobre um mesmo tema. Reflexo disso foi o fato de o Jornal da Cidade ter sido o único jornal sergipano que publicou matéria sobre “impactos ambientais positivos” da transposição (ANEXO 40). Em contrapartida, o Correio de Sergipe sempre deixou clara sua posição de embatia em relação ao tema, enquanto o Cinform demonstrava uma tímida simpatia ao movimento de oposição à transposição das águas do rio São Francisco.

Ainda nessa perspectiva, duas reportagens chamaram nossa atenção. Pois, além de conterem discursos diferentes, as reportagens também foram publicadas em momentos distintos. A primeira ganhou as páginas do Jornal da Cidade em janeiro de 2005, enquanto a segunda ganhava repercussão no Correio de Sergipe em abril de 2007.

A primeira reportagem, intitulada Velho Chico sempre esteve abandonado (IMAGEM 5.2), leva a assinatura de Iris Valéria e ocupa uma página inteira na edição do final de semana. De cunho político, a reportagem inicia afirmando que “Do âmbito social, ambiental, econômico e técnico para uma questão política foi um pulo. É nessa esfera que se encontram os debates sobre a transposição das águas do rio São Francisco”. Mostra que existem controvérsias entre os que defendem a transposição e os que são contrários ao projeto. E garante que o projeto “se transformou em bandeira de luta para os sergipanos e também mote para discursos calorosos e inflamáveis, geralmente com fins eleitoreiros, para uma parcela de políticos do Estado”. Para além de questões políticas, a reportagem também trata do problema de degradação do rio e, ao final, sugere em entrevista com um professor da UFS a possibilidade de haver transposição e quais as medidas compensatórias que deveriam ser discutidas.

A segunda, cujo título Transposição do São Francisco é uma “bomba-relógio”, diz geólogo da UFS (IMAGEM 5.3) é assinada pela jornalista Marineide Bonfim, também ocupa uma página inteira na edição do final de semana. Pela primeira vez, o jornal traz uma

reportagem mais elaborada que, além de apresentar os acontecimentos atuais, faz uma retrospectiva histórica das últimas manifestações em defesa do rio e contrárias à transposição. Percebe-se a presença de dados extraídos do RIMA, como por exemplo, a construção dos canais, a quantidade de água que o projeto se propõe a retirar, o benefício que isso trará para 12 milhões de pessoas do Nordeste Setentrional, entre outros. Mas também critica a falta de diálogo do governo com a sociedade civil e as entidades diretamente ligadas a essa temática. Por fim, apresenta com pouco destaque, um quadro com alguns riscos que a transposição poderá causar (IMAGEM 5.4).

IMAGEM 5.2

Fonte: Jornal da Cidade. Velho Chico sempre esteve abandonado. Ano XXXIII, N. 9.777, 30 e 31 jan 2005, Caderno B, p.B2 (Cidades).

IMAGEM 5.3

Fonte: Correio de Sergipe. Transposição do São Francisco é u a o a- elógio , diz geólogo da UF“. Ano VII,

IMAGEM 5.4

Fonte: Correio de Sergipe. T a sposição do “ão F a is o é u a o a- elógio , diz geólogo da UF“. Ano VII,

N. 1872, 22 e 23 abr 2007, A5 (Geral).

Em nosso entendimento, essas duas reportagens representam bem os diversos tratamentos jornalísticos que foram dispensados pelos jornais sergipanos ao tema da transposição e, por conseguinte, aos riscos e impactos socioambientais relacionados ao projeto do Governo Federal. Enquanto a primeira busca evidenciar os discursos controversos entre aqueles que defendem à transposição e aqueles que são contrários, assim como tenta mostrar ao leitor a existência de um processo histórico de degradação do rio; a segunda, busca reforçar tanto as manifestações quanto os argumentos daqueles que intitulam defensores do rio e contrários à transposição. Aproveita-se a ocasião para enfatizar quais os principais riscos que à execução do projeto de transposição poderá causar, dentre eles: o desmatamento de uma vasta área; risco ao patrimônio cultural, sobretudo no que se refere aos sítios arqueológicos; risco de modificar a biodiversidade da fauna e da flora regional; desapropriação de terras e retirada da população rural para a construção dos canais; conflitos com as populações indígenas da região; redução da atividade pesqueira destinadas ao comércio; as obras podem gerar piora na qualidade de vida dos trabalhadores da região; além de redução da oferta de energia nas regiões Norte e Nordeste.