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INTERPRETAÇÃO E COMUNIDADE LOCAL Brian Goodey

1 A comunidade local

Nas páginas seguintes, os leitores deverão ter em mente tanto o aspecto geral quanto o específico. O aspecto geral, porque os comentários que aqui se encontram poderão ser

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aplicados à maioria das comunidades, sejam elas urbanas ou rurais, industriais ou não, regiões voltadas para a agricultura, subúrbios, áreas de passagem, locais para aposentados ou estações de férias e lazer. No que se refere ao aspecto específico, os leitores também deverão refletir e avaliar suas próprias relações com as comunidades. Algumas destas serão “o não lugar”, ou seja, redes formadas por pessoas com interesses diferentes ou relações econômicas diversas, que acabam por se envolver. Mas, na verdade, cada pessoa nasceu em algum lugar, possui um ou vários lugares ao qual se refere como “lar”, um lugar onde trabalha, e talvez lugares onde vá regularmente para descansar ou se divertir. Qualquer um desses locais pode ser a comunidade com a qual a pessoa se relaciona.

Eu, por exemplo, tenho a sorte de olhar pela minha janela e ver a rua de uma peque­ na cidade onde moro há 29 anos, onde conheço pelo menos metade dos rostos dos mais de quatro mil habitantes que encontro de passagem, e onde já fui membro do Conselho Local. Mas através de cartas, memórias e especialmente de e-mails, costumo refletir sobre as comunidades da minha infância no leste da Inglaterra, sobre o meu mundo de estudante nos Estados Unidos, e sobre comunidades que vim a conhecer na Europa, no Brasil, na índia e em muitos outros lugares.

Como exercício, proponho que você, leitor, pense nas condições particulares de uma comunidade que você conheça bem, à medida que você vá lendo o que se segue.

Com o passar do tempo, temos nos tomado cada vez mais conscientes de que um planejamento com base local é um dos fundamentos de um futuro sustentável. As impli­ cações deste reconhecimento são claras e, de certa forma, políticas. Na maioria dos países, as decisões de planejamento local são tomadas com base nos padrões de poder existentes, especialmente no que diz respeito à administração territorial e de serviços. A mobilização social e territorial é uma peça chave no debate nacional e internacional e tal poder desta mobilização não é facilmente descartável. Apesar da interpretação não aparentar ser um ponto central em tais debates, ela jamais pode ser posta de lado nessas discussões, pois o conhecimento que ela gera e apresenta é uma das fontes do poder local ou nacional.

O desenvolvimento sustentável requer que as comunidades locais, mesmo em vista das limitações políticas impostas pelo Estado, obtenham maior controle sobre seus recur­ sos e seu futuro. Tal controle possibilita uma considerável redefinição do que constitui de fato os recursos e o futuro das localidades.

Nessa perspectiva, vejamos alguns aspectos que caracterizam uma comunidade local: 1. um grupo mutável de pessoas que compartilha um território conhecido - um

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2. um padrão de uso do solo, determinados marcos, símbolos, nomes e percepções que estabelecem uma geografia particular do lugar;

3. um conjunto de opiniões compartilhadas - em geral parcialmente - sobre como a área e sua população devem ser administradas;

4. uma visão parcialmente explicitada e compartilhada sobre como a região poderá vir a ser no futuro, para além do tempo de vida da população que hoje nela existe; 5. uma convicção de que a maioria dos esforços físicos e financeiros oriundos daque­

la região deveriam ser aí investidos em infra-estrutura e serviços públicos; 6. certa relutância em aceitar gente de fora (visitantes ou imigrantes) e mudanças

(novas estradas ou desenvolvimentos) que impliquem em uma modificação signi­ ficativa no estilo de vida local.

A coesão interna, uma relativa estabilidade, um contexto de cuidados e, freqüente- mente, uma relação sutil com o meio ambiente são características positivas. E é claro que existem as características negativas: comunidades locais, em especial nas áreas rurais e periféricas, são geralmente conservadoras e, a princípio, desconfiadas; elas se estruturam com base em valores não-escritos, mais do que em valores claramente articulados; e muitas vezes parecem retrógradas ou reacionárias, com estruturas sociais que não oferecem oportunidades igualitárias a um número significativo de seus membros, tais como as mu­ lheres, as crianças, os deficientes e as minorias étnicas.

Entretanto, diante do desenvolvimento das telecomunicações internacionais, e de outros meios de comunicação eletrônica disponíveis, muitos especialistas têm sugerido que esse mundo de comunidades locais pertence ao passado. De fato, os vilarejos mais iso­ lados do mundo podem hoje acessar a CNN ou estar conectados à Internet. Mas os novos valores, trazidos por esses meios de comunicação, ainda estão longe de substituir os va­ lores tradicionais da comunidade local. Em outras palavras, você pode ver o mundo todo da sua sala de estar, ou ‘falar’ com o mundo pela Internet, mas todo equipamento de aces­ so ainda está dentro de uma casa, em uma rua, em um lugar ao qual você provavelmente está ligado por razões sociais ou financeiras. A vantagem de toda essa mídia é fazer com que você perceba as implicações, tanto positivas quanto negativas, de como as outras pes­ soas fazem as coisas em outros lugares.

A comunidade local, que em geral reluta em aceitar o visitante, ou que se ressente com sua presença, oferece uma valiosa qualidade, que é a personalidade local, em meio ao desenvolvimento internacional de turismo orientado pela mídia, do qual o patrimônio cultural faz parte.

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Se de um lado, a mídia internacional tem funcionado de forma a mercantilizar a experiência do visitante - tomando tanto a imagem quanto a realidade do produto muito semelhantes em todos os países e continentes, por outro lado, a maior fonte de diferen­ ciação continua sendo a contribuição específica dos aspectos naturais, físicos e humanos de uma localidade. Algumas características centrais da comunidade local são exatamente o que o visitante quer ver, experimentar, compartilhar e talvez levar consigo. O visitante gosta de entrar em um mundo diferente do seu e de experimentar coisas e produtos desconhecidos, até mesmo atitudes diferentes em relação à sociedade e ao meio ambiente. Entretanto, como veremos adiante, as demandas do visitante raramente se encaixam naquilo que é mais facilmente oferecido.

Ainda no tocante à comunidade local, mais algumas poucas palavras devem ser ditas quanto aos padrões de mudança. Nenhuma comunidade local é estável; ou elas estão em um processo de declínio populacional e/ou decadência econômica, ou estão prosperando. Ou elas estão sendo abandonadas, descartadas, sub-utilizadas, ou estão crescendo, prosperando, se ‘modernizando’. Apesar de todo o rico conhecimento que se possa ter sobre o lugar e os eventos, a maioria das comunidades locais parece estar muito mal aparelhada para corresponder às mudanças que possam ocorrer, como por exemplo, a migração de adolescentes para as cidades, o declínio de prédios tradicionais, o surgi­ mento de novas áreas residenciais ou os primeiros indícios do turismo de massa. Raramente somos receptivos a mudanças, achamos que elas irão modificar nossas vidas, gostaríamos que elas acontecessem alhures e não nos dispomos a reajustar nossos padrões de conforto social e financeiro.

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