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CAPÍTULO II – O PROBLEMA DOS HOMICÍDIOS NO BRASIL

2.1 OS PADRÕES DE VIOLÊNCIA LETAL NO BRASIL

2.1.2 A CONCENTRAÇÃO DE HOMICÍDIOS CONTRA “JOVENS-HOMENS-NEGROS”

Os marcadores sociais de diferença referentes a idade, sexo e raça são componentes decisivos na exposição à violência letal no Brasil. Entre os jovens (15 a 29 anos)15 as taxas de homicídio são maiores do que no conjunto da população. Se analisamos estes números associando a idade ao pertencimento racial e ao sexo das vítimas identificamos uma “super vitimização” de “jovens- homens-negros”.

Seguindo na análise sobre os dados do SUS acerca dos homicídios verificamos que dos 56.337 homicídios ocorridos em 2012, ou seja, 53,4% ocorreram contra jovens (15 a 29 anos) sendo que destes 71,5% eram negros16 e 93,4% eram do sexo masculino.

Como tudo no Brasil, também a vitimização letal se distribui de forma desigual: são sobretudo os jovens pobres e negros, do sexo masculino que tem pago com a vida o preço de nossa insensatez coletiva. O problema alcançou um ponto tão grave que já há um

déficit de jovens do sexo masculino na estrutura demográfica

brasileira. Um déficit que só se verifica nas sociedades que estão em guerra. Portanto, apesar de não estarmos em guerra, experimentamos as consequências típicas de uma guerra. (SOARES, 2004, p. 130)

Em comparação histórica o componente racial demonstra seu caráter estruturante na análise. Observando os dados da década (2000 – 2012) número de homicídios de jovens brancos caiu de aproximadamente 9 mil no ano de 2000 para 6 mil em 2011 enquanto para os jovens negros este número cresceu de cerca de 14 mil para aproximadamente 19 mil homicídios no mesmo período. Segundo cálculos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -

15 Ao referimo-nos a jovens como o contingente de pessoas com idade entre 15 e 29 anos estamos

adotando da classificação instituída pelo Estatuto da Juventude - Lei Nº 12.852, de 5 de agosto de 2013.

16 Negros refere-se aqui à soma das pessoas identificadas como pretas e pardas assim como

preceitua o sistema classificatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), OSORIO, 2013.

usando os dados do Sistema Único de Saúde e do Censo Demográfico 2010 - é como se houvesse uma razão de 2,5 negros para 1 não negro nas ocorrências de homicídios no país.

Considerando apenas o universo dos indivíduos que sofreram morte violenta no país entre 1996 e 2012, verificamos que, para além das características socioeconômicas – como escolaridade, gênero, idade e estado civil –, a cor da pele da vítima, quando preta ou parda, faz aumentar a probabilidade da mesma ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais. (CERQUEIRA e MOURA, 2013, p. 14)

Tal cenário também pode ser constatado a partir de dados qualitativos coletados em pesquisas de opinião com a juventude brasileira. Segundo a Pesquisa Agenda Juventude Brasil 17 a violência é apontada pelos jovens brasileiros como a sua maior preocupação (BRASIL, 2013, p. 74) ao passo em que, segundo a mesma pesquisa, 51% dos entrevistados declaram já ter perdido algum parente ou amigo de forma violenta sendo que destes 21% foi em decorrência de homicídios, a maioria contra pessoas de mesma idade (primos, irmãos, amigos):

Ao separar, dentre as causas de mortes, aquelas que se referem a assassinato, teremos que ¼ da população jovem do Brasil carrega a condição de ter tido uma pessoa muito próxima vítima de homicídio. Isso configura uma experiência geracional de alta dramaticidade, que explica o peso que o tema da violência alcança dentre as preocupações dos jovens. (BRASIL, 2013, p. 63)

Tais impressões são constitutivas da experiência destes jovens, marcam de modo bastante singular este tempo social e constituem demandas

17 A pesquisa Agenda Juventude Brasil foi realizada pela Secretaria Nacional de Juventude da

Secretaria Geral da Presidência da República. As entrevistas ocorreram entre os dias 13 de abril e 19 de maio de 2013, em 187 municípios brasileiros, estratificados por localização geográfica (capital e interior, áreas urbanas e rurais e por municípios pequenos, médios e grandes), contemplando as 27 unidades da federação. Foram entrevistados 3.300 jovens de 15 a 29 anos, observando uma amostra geral que respeitasse a diversidade deste segmento no universo populacional brasileiro com base no Censo Demográfico 2010. (BRASIL, 2013)

coletivas por políticas públicas e por ação governamental, como confirmam várias pesquisas sobre juventude no Brasil e na América Latina (Instituto Cidadania, 2004; Ibase / Pólis, 2007; NOVAES e RIBEIRO, 2010). Assim, ainda que não sejam compartilhadas com a maioria da população, é importante frisar as demandas da sociedade civil organizada18, em particular os movimentos sociais, pela adoção de medidas que incidam sobre este problema da violência e que contribuam para ampliar o controle sobre a letalidade no país.19

Neste sentido o Estado Brasileiro foi instado a comparecer à audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizada em março de 2015 para tratar das “Denúncias de assassinatos de jovens afrodescendentes no Brasil” (BRASIL, 2015). Na ocasião foram reapresentadas várias denúncias internacionais que arrolaram violações de direitos humanos de jovens negros no Brasil e indicaram sérios entraves no sistema de justiça criminal no que se refere à elucidação a ao processamento de mortes por causas externas com envolvimento de agentes estatais.

Trata-se daquilo que pesquisadores e ativistas políticos vem chamando de genocídio ou extermínio da juventude negra brasileira para referir-se aos componentes objetivos e simbólicos que concorrem para a eliminação física de pessoas negras através da violência; para não garantia de direitos a este

18 Nas conferências e conselhos de direitos e na agenda política das organizações sociais do

movimento negro e do movimento de juventude é recorrente a reivindicação de que o Estado adote políticas de prevenção a violência, de controle externo da atividade policial ou ainda medidas referentes ao aprimoramento da legislação penal e processual penal brasileira. Como se pode verificar nas resoluções da II Conferência Nacional de Juventude (2012) e da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (2013) os temas atinentes ao controle da violência letal foram amplamente referidos, assim como foram criadas várias campanhas dirigidas à denúncia sobre o tema da discriminação racial e da violência contra juventude negra no Brasil (MORAIS e RAMOS, 2013.)

19 Como exemplos, podemos citar: Campanha Reaja ou Será Morto ou Será Morta, organizada por

entidades do movimento negro da Bahia (2005); Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens, coordenada pelas Pastorais da Juventude da Igreja Católica (2009); Campanha Nacional contra o Genocídio da Juventude Negra, coordenada pelo Fórum Nacional de Juventude Negra(2009); Marcha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra (2010), promovida pelo Fórum Estadual de Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes); A campanha "Eu Pareço Suspeito?"(2012) lançada por organizações do movimento negro do estado de São Paulo ou ainda a Campanha Juventude Marcada Para Viver, realizada pelo Observatório de Favelas (2013).

segmento da população e para a desconstrução da memória, da história e do patrimônio cultural africano e afro-brasileiro (FLAUZINA, 2006).

2.2 O controle de homicídios e as políticas de segurança