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CAPÍTULO 2. A questão da religiosidade na história da humanidade

2.1. A concepção do sentido de totem e tabu na visão de Freud

O posicionamento do fundador da psicanálise, educado no judaísmo, foi bastante controversa em relação a questões religiosas, na Viena do século XIX, e continua ainda a ser muito debatido e analisado, o qual se tornou com sendo uma de suas principais características, tanto quanto as suas teorias e suas análises de tratamentos clínicos com seus pacientes, bem como os seus escritos teóricos, não se excluindo a sua própria autoanálise.

Freud (1996) costumava dizer que "A religião é comparável a uma neurose da infância” e que "Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa”. A outra grande preocupação deste pensador poderoso que sobrepôs com ênfase os temas religiosos apenas pelo lado da sexualidade, o que torna a sua postura religiosa muito complexa de ser explicada em termos da própria psicanálise, muitas vezes em que vários autores já tentaram e querem dizer algo novo a tal respeito, o que se torna uma questão difícil de se alcançar

O núcleo complexo das neuroses proposto por Freud (1996), no seu livro Totem e Tabu, está centrado no argumento de como a obediência à lei interiorizada no superego daqueles cujas origens estão alinhadas ao clã Totêmico assumem a endogamia, ou seja, certos povos ou grupos de indivíduos, parentes entre si, que se casam, ou quando são praticados numa população de mesma etnia, grupo social, casta, que resulta no processo de reprodução numa certa frequência relativa de cruzamentos consanguíneos, podem resultar em castigos de origem sobrenatural. Em casos extremos existia uma forte restrição a esses comportamentos, de tocar numa pessoa, esculturas representando animais, plantas, antepassados ou coisas, uma vez que havia imperativamente a proibição geral, de inspiração religiosa, desses atos ou comportamentos, que quando praticados podem resultar em castigos de origem sobrenatural, porque eram considerados danosos e impuros. Era uma sociedade altamente repressora, com fortíssimas restrições a esses tipos de comportamentos, cheia de tabus.

Nesse contexto, a culpa surge em uma sociedade primitiva, sem lei e sem fé. Esse regulamento ou costume era considerado fundamental e deveria ser respeitado e evitado, cujo chefe impunha imperativamente aos demais membros do clã, a fim de preservar o objeto de desejo.

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Desse modo e a guisa de um melhor entendimento, a tudo que é proibido e misterioso é considerado Tabu, enquanto o Totem refere-se ao chamado instinto de proteção, no sentido de evitar a quebra desses Tabus. Freud (1996) confronta ainda a crença religiosa de que existe uma relação próxima e misteriosa entre um ser humano e um ser natural, que utiliza o totem como elemento espiritual de adoração de povos primitivos, com a neurose, ao relacionar o processo pelo qual passa o desejo inconsciente, com o significado original do totemismo.

Nesses termos, essa crença religiosa passou a ser denominada de Totemismo, cujos membros tinham uma obediência rigorosa a lei, a qual era mantida em relação a não tocar no objeto, não matar, não comer a carne que representasse o totem. Muitas vezes é associada a sistemas religiosos denominados de xamanismo, por ser também considerada de origem indígena, análogos de outros povos asiáticos, especialmente os siberianos orientais, que chegaram até aos territórios cujos habitantes são seus descendentes, que hoje é a atual Turquia; os tártaros, os turcomenos, os samoiedos, os indígenas das Américas e diversos outros povos da Austrália, Sudão, Nova Guiné etc., que recorrem aos trabalhos dos xamãs que são indivíduos escolhidos pela comunidade por sua capacidade de incorporar forças ou entidades sobrenaturais, por meio de estados alterados de consciência, para realizar rituais religiosos, mágicos, rituais de cura, transe místico, adivinhação, encantamento, exorcismos etc..

Nessa visão do totemismo, para a realidade histórica dos povos civilizados contemporâneos, fortes indícios nos costumes, nos ritos, na linguagem, nas religiões permanecem ainda hoje, com suas prescrições rigorosas, a mais antiga não escrita da humanidade denominada de tabu traz, como consequência quando violadas pelos seus membros, severas punições. Nesses termos, em relação à consanguinidade, ao que tudo aponta, o totem inscreve uma lei para inibir o indivíduo pertencente ao mesmo grupo ante o incesto, e na visão de Freud (1996), a obediência a essa lei é a base para o tabu e são formas de tornar o desejo desse objeto impossível, ou seja, esses desejos inconscientes de tocar e ao mesmo tempo de horror e proibição se constitui na sua própria expressão.

Nesse contexto, os indivíduos neuróticos, na concepção de Freud (1996), apresentam também essa ambivalência desses sentimentos opostos em relação ao mesmo objeto, pelo fato de entrar em contato com todos os desejos inconscientes

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proibidos e, sendo assim, o temor fica tão evidente em suas atitudes, tal qual esses desejos proibidos ficam também tão proibidos quanto esse temor que se reflete, simultaneamente. Desse modo, um paradoxo sem fim se estabelece e a pretensão de impedir esses desejos inconscientes, na realidade, cada vez mais se aproximam dele. Os tabus, entretanto, foram estabelecidos porque alguns clãs indisciplinados dos tempos primitivos, que já tinham incorporados o complexo de Édipo, inviabilizaram a satisfação completa dos demais elementos do mesmo totem, se juntavam impulsionados pelos seus impulsos, para matar o principal elemento opressor que era o pai, considerado o elemento que impedia as relações do filho com a mãe, cuja figura e primazia maternal prevaleciam e representavam para ele uma figura de fonte de vida e amor em prol de seus impulsos libidinais. Nesse sentido, a mãe por ser o primeiro objeto de amor do filho e por não se conformar, rivalizava-se com o pai frente a esse triângulo parental. Sendo assim (FREUD, 1996 p.173), se expressava

Foram assim criadas características que daí por diante continuaram a ter uma influência determinante sobre a natureza da religião. A religião totêmica surgiu do sentimento filial de culpa, num esforço para mitigar esse sentimento e apaziguar o pai por uma obediência a ele que fora adiada. Todas as religiões posteriores são vistas como tentativas de solucionar o mesmo problema. Variam de acordo com o estágio de civilização em que surgiram e com os métodos que adotam; mas todas têm o mesmo fim em vista e constituem reações ao mesmo grande acontecimento com que a civilização começou e que, desde que ocorreu, não mais concedeu à humanidade um momento de descanso.

Nessa concepção, ele propõe que a atitude selvagem do filho de colocar o pai como desejo obscuro e premente de morte, seria derivada de suas atitudes infantis, que se revela de forma estrutural no inconsciente no homem, cujas origens remontam do totemismo. Diferentemente do ponto de vista de Freud(1996), que no seu livro Totem e Tabu propõe que a religião é uma neurose coletiva, bem como a sua explicação genética da religião, Vergote (1978) assume uma postura de rejeição contundente às ideias de Freud.

Antoine Vergote (1921-2013) foi um sacerdote belga, filósofo, psicanalista, teológo e professor da Universidade Católica de Leuven, ex-aluno de Jacques Lacan publicou vários livros e arquivos entre os quais abordou a relação entre a psicanálise e a

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fé cristã. Fundou a Escola Belga de Psicanálise juntamente com Jacques Schotte e Alphonse de Waelhens e foi importante a sua contribuição em apresentar a Psicanálise do mundo da Universidade Católica de Leuven.

Vergote (1978), ao publicar um dos seus livros mais conhecidos, Dette et désir: Deux eixos chrétiens et la pathologique dérive (Dívida e Desejo: Dois eixos cristãos e desvio patológico), preocupou-se com os dois tipos principais de neuroses, notadamente a histeria, caracterizada por sintomas passageiros da inteligência, exageradas reações emocionais em função de estímulos sentimentais ou sociais, da sensibilidade e do movimento, e a neurose em relação a religião.

Sendo assim, na visão de Vergote (1978), uma vez que tais regras foram explanadas aos povos primitivos nos clãs, a obediência e a culpa só podem ser instituídas por uma lei, ou seja, a cultura não pode ser proveniente de culpa, porque, vice-versa, a culpa pressupõe a cultura. Nesse sentido, ao se considerar esses pressupostos de Freud de imediato, atina-se imediatamente a algo que parece bastante constitucional, familiar e íntimo, que é a neurose.

Vergote (1978) a partir de uma visão freudiana-lacaniana, contestava veementemente aqueles que argumentavam que a religião é uma neurose, ou seja, um tipo de doença caracterizada por distúrbio nervoso, de intensidade que pode sofrer variação constante no desempenho de determinadas funções psíquicas que surgem, sem que haja nenhuma perturbação psíquica ou física das quais o indivíduo é consciente, e sem qualquer lesão orgânica, tal que essa característica faz a diferença entre a angústia, por exemplo, que é frequente; a histeria e certas obsessões que são também neuroses; como também a psicose, como a esquizofrenia, e outros transtornos psicóticos como os transtornos esquizoafetivos, delirante persistente, psicóticos agudos e transitórios. Nesses termos, a psicanálise apresenta subsídios de experiências de amor, sensibilidade, compaixão, refletida na vida de Jesus de Nazaré, capaz de revelar a verdade e de dar sentido à história da humanidade.

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CAPÍTULO 3. Influência do poder do pensamento transformador nas mudanças