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CAPÍTULO III: RAWLS E DWORKIN

3.2 Conceito de mercado e a influência do sistema de maximização das riquezas de

3.2.2 A concepção de mercado nas teorias da justiça de Rawls e Dworkin

Para aprofundar a discussão das influências dos conceitos presentes na teoria da maximização de riquezas, além de objetivar a introdução do debate proposto pela próxima seção da dissertação, apresenta-se agora a vinculação do conceito de mercado nas teorias da justiça figuradas. Justiça como equidade e igualdade de recursos aproximam-se veementemente na defesa das relações institucionais e políticas regidas pelo dispositivo do mercado. Instituições e indivíduos estão constantemente efetuando transações de troca, as quais requerem padrões regulativos minimizadores de injustiças e desigualdades. O problema da teoria de distribuição é o de estipular um meio eficaz de ordenamento que priorize a justiça no transcorrer do tempo. Para esse desafio, os dois filósofos estudados proporcionam soluções.

Na teoria dworkiana o mercado é indispensável para o estabelecimento da igualdade, pois tal mecanismo é capaz de ordenar as preferências relativas de um amplo conjunto de indivíduos138. A concepção de mercado é entendida como processo institucional pelo qual ações individuais e planos de vida são coordenados de modo que seja respeitada a igualdade. Dworkin enfatiza ainda que a interação do modo de vida social humano implica nas transações de troca subordinadas ao princípio normativo métrico de operacionalização. Dessa forma, o mercado representa um método abstrato de coordenação das preferências racionais individuais, na medida em que estas necessitam socializar-se com outros recursos particulares.

Assim como na teoria posneriana, o aspecto central do projeto mercadológico de distribuição consiste na distinção entre mercado real e mercado hipotético. Todavia,

138

“Tentarei afirmar que a idéia de mercado econômico como mecanismo de atribuição de preços a uma grande variedade de bens e serviços deve estar no núcleo de qualquer elaboração teórica atraente da igualdade de recursos.” DWORKIN, op.cit., 2005, p.81.

Dworkin esclarece que a escolha de todos os indivíduos, presentes no mercado real ou representados no mercado hipotético, é efetuada em um contexto de implicações pelo qual cada um deve considerar as opções do outro para realizar sua própria escolha. Na igualdade de recursos, a justiça para os indivíduos envolvidos, dadas suas convicções e ambições, precisa ser realizada por meio do processo de mercado que envolva comércio e produção promovidos pelo leilão inicial igual. Esses indivíduos são condicionados também ao sistema de taxas elaborado pelo mercado hipotético de seguros.

Ainda sobre o mercado de seguros defendido pelo autor, é possível evidenciar as implicações contextuais aludidas acima no momento em que se retoma as três principais razões expostas por Dworkin sobre o fato dos indivíduos sociais não possuírem as mesmas habilidades para assegurar seus recursos e, conseqüentemente, participar do sistema de taxas. As cotas das contribuições tributárias são definidas progressivamente na comunidade política dworkiana e dependem – além das determinações dos gostos e das escolhas particulares – das circunstâncias e resultados concretos dos planejamentos realizados no mercado inicial. As três razões das diferenças de habilidades com as apólices apontadas pelo autor que fomentam a progressividade dos valores de impostos são as seguintes:

Primeiro, algumas pessoas têm menos dinheiro e podem, por isso, pagar menos seguro. Segundo, algumas pessoas são mais propícias a sofrerem de infortúnios específicos for razões que a companhia de seguros pode descobrir. (...) Terceiro (este pode ser parecido com um aspecto do segundo), os eventos pelos quais algumas pessoas podem ter desejado segurar já ocorreram; eles nasceram com falta de talentos para comandar altos valores no mercado de trabalho, por exemplo.139

As diferenças entre indivíduos são determinantes para compreender as exigências dos princípios éticos de dignidade humana e de responsabilidade pessoal na teoria da igualdade de recursos. Situações particulares aliadas às circunstâncias de sorte

139

“First, some people have less money and can therefore afford less insurance. Second, some people are more likely to suffer from specific misfortunes for reasons that insurance companies can discover. (...) Third (this might be seen as an aspect of the second), the events against which some people might have wanted to insure have already occurred; they are born lacking talents that command high rent in the labor market, for example.” DWORKIN, op.cit., 2006, p.115.

bruta ou por opção configuram uma comunidade política complexa, na qual somente pela

garantia dos direitos mínimos básicos e igual consideração de todos por parte do governo, torna-se exeqüível a sobriedade do convívio social. Não obstante, a proposição dual da concepção de mercado analisada aceita algumas desigualdades econômicas como justas, uma vez que as mesmas refletem os resultados das escolhas individuais sobre os recursos recebidos igualitariamente e anteriores às interlocuções dos mercados.

Por sua vez, a teoria da justiça como equidade de John Rawls140 possui em sua efetividade a viabilização do mercado como instrumento para a sustentação dos princípios de justiça através dos setores da justiça distributiva. Defende-se a necessidade de estabelecimento de um sistema de mercado livre que seja capaz de ajustar as tendências das forças econômicas de longo prazo, a fim de que a concentração excessiva da propriedade e da riqueza seja impedida. Dessa maneira, qualquer tipo de dominação política na estrutura básica da sociedade é evitado141. Uma vez verificada a estrutura básica como o modo pelo qual as principais instituições políticas e sociais interagem, formando um sistema de cooperação social que distribui direitos e deveres básicos e determina a divisão das vantagens provenientes das relações interpessoais, evidencia-se a centralidade da temática sobre o funcionamento e o papel do mercado na teoria em destaque.

A concepção de justiça é compatibilizada com o sistema de mercados competitivos no contexto de instituições políticas e legais rawlsianas. Esse sistema de mercados vincula-se com a propriedade privada dos meios de produção, proporcionando dessa forma, na perspectiva rawlsiana, o conceito chave da interpretação realista da vinculação do Estado com as demais instituições sociais e políticas. A eficiência e a liberdade predicadas ao mercado são apontadas por Rawls, como requisitos para a superação das desigualdades de renda e injustiças proporcionadas pela concentração de riquezas. A justiça como equidade demanda uma regulação significativa no processo alocativo da distribuição social eqüitativa, através do mercado. O filósofo faz algumas

140

Ver capítulo I do presente estudo. 141

“Impedir a formação de um poder sobre o mercado que não seja razoável. Esse poder não existirá enquanto o mercado for competitivo ao máximo dentro do que exige a eficiência e levando-se em conta os fatos geográficos e as preferências dos consumidores.” RAWLS, op.cit., 2002, p.304.

ressalvas sobre o dispositivo do mercado e suas implicações no processo de distribuição de bens primários:

Um sistema de preços competitivo não considera as necessidades, e portanto não pode ser o único dispositivo de distribuição. Deve haver uma divisão de trabalho entre as partes do sistema social em resposta aos preceitos da justiça baseados no senso comum. Instituições diferentes respondem a

reivindicações diferentes. Os mercados competitivos

adequadamente regulados asseguram e conduzem a uma utilização eficiente dos recursos e alocação de mercadorias entre os consumidores. 142

A função do mercado na estrutura básica da sociedade pode ter ainda algumas características específicas dentro da teoria rawlsiana. O mercado, enquanto instituição social, exerce papel regulativo compatível com as liberdades básicas e com a igualdade de oportunidades. O filósofo defende que as liberdades básicas não são mercadorias de negociação política, pois consistem em elementos constitucionais essenciais, que precisam ser defendidos. A determinação de tais liberdades no panorama social é realizada pelas instituições que regulam a aquisição da propriedade e a distribuição das riquezas, além das instituições políticas responsáveis pela oferta de educação e de assistência médica. Entretanto, dentre essas instituições determinadoras das liberdades básicas, não se encontra o mercado, pois, conforme salienta Rawls, “o mercado não é adequado para responder reivindicações de pobreza” 143, sendo apenas compatível com o exercício de tais liberdades. Por meio da tributação, o mercado é regulado pelos setores das instituições distributivas, voltando-se para o bem comum como prioridade na condução das relações econômicas e políticas, isto é, o respeito pela prioridade da liberdade e da justiça sobre o bem-estar.

Na próxima seção, as concepções de justiça distributiva de Rawls e Dworkin continuarão sendo destacadas, porém o objetivo específico será outro, o de comparar detalhadamente os conceitos de cooperação social eqüitativa e de comunidade igualitária, buscando destacar argumentos que apontem para o fechamento das considerações conclusivas do trabalho proposto.

142

Ibidem, p.305. 143