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CAPÍTULO III: RAWLS E DWORKIN

3.1 Hart, Dworkin e Rawls: Discussão sobre a vinculação entre liberdades básicas e

3.1.3 A interpretação de Dworkin sobre o sistema de liberdades rawlsiano

Ronald Dworkin também faz considerações sobre o conceito de liberdade da teoria rawlsiana da justiça. Ao contrário das ponderações pontuais de Hart, o autor de

Sovereign Virtue retoma a determinação teórica da liberdade em um contexto amplificado,

no qual a igualdade recebe mesma preocupação de análise. Se, por um lado, as liberdades básicas para Rawls são classificadas como bens primários, para Dworkin a caracterização da liberdade não recebe a mesma relevância, por duas razões: primeiro porque a liberdade é assegurada conceitualmente em nome da igualdade, e em segundo lugar, a liberdade não consiste em um recurso, e por isso, não pode ser leiloada no procedimento teórico da igualdade do autor120.

Sobre a concepção de liberdade da justiça como equidade, Dworkin assinala a complexidade de tal teoria, para a qual são imputados traços peculiares de duas estratégias reconciliativas da liberdade com a igualdade. A metodologia das liberdades de Rawls é denominada por Dworkin como “um misto das estratégias constitutiva e dos interesses”.121 Esta tipologia é elaborada pelo filósofo na intenção geral de classificar os construtos teóricos que discutem a mesma temática da igualdade de recursos, no entanto defendem diferentes posicionamentos122.

A estratégia de interesses é composta por duas etapas e emprega as conseqüências dos interesses das pessoas para definir a distribuição ideal. Em uma das etapas, a liberdade não faz parte de suas determinações, contudo, na outra, algumas 120 DWORKIN, op.cit., p. 188, 2005. 121 Ibidem, p.181. 122

Dentre estas posturas e teorias da justiça discutidas por Dworkin, encontram-se os utilitaristas, os contratualistas clássicos e a teoria da justiça como equidade de John Rawls.

liberdades ficam instrumentalmente vinculadas à satisfação dos interesses123. Para Dworkin, um exemplo legítimo dessa estratégia é o utilitarismo, que visa inicialmente a busca do maior bem-estar médio, deixando a questão da liberdade em aberto e, posteriormente, em segundo plano, defendendo o direito à liberdade de expressão. Na estratégia constitutiva, por sua vez, a liberdade é o elemento determinante da distribuição ideal e vincula-se com a conceitualização da igualdade. A estrutura política e social das teorias constitutivas possuem uma gama de liberdades que são consideradas fundamentais. Como exemplo genuíno desse tipo de teoria, Dworkin cita os igualitários do laissez-faire, os quais não encontram nenhum conflito entre as liberdades básicas com as considerações sobre a distribuição de bens historicamente gerada. O respeito aos direitos econômicos que beneficiam quem tem talento ou sorte é sinônimo de igual consideração para essa teoria igualitarista.

Sobre a possibilidade da relação dessas duas estratégias, o filósofo argumenta que a estratégia dos interesses:

Propõe dar firme sustentação à liberdade extraindo os direitos à liberdade de pressupostos mais fundamentais sobre a justiça que não contêm esses direitos de antemão. A estratégia constitutiva, pelo contrário, parece dogmática e improdutiva. Simplesmente presume que os direitos estipulados à liberdade são exigidos pela justiça, e a estratégia, portanto, não pode ser convincente para quem já comece discordando de tal pressuposto.124

Na discussão que faz sobre a teoria da justiça de Rawls, Dworkin estipula que essa teoria agrupa um complexo de estratégia dos interesses com propriedades da estratégia constitutiva. A parte constitutiva das concepções rawlsianas está refletida no fato da sociedade política bem ordenada respeitar os princípios de justiça escolhidos no procedimento da posição original, o qual está determinado por condições contratuais hipotéticas que estipulam os interesses das pessoas pela liberdade. As partes pressupõem que os cidadãos reais detêm extraordinário interesse em desenvolver e explorar sua própria capacidade de autonomia. Através da mesma, torna-se possível formar e praticar concepções de vida boa na condição de existir ampla liberdade de escolha.

123

Ibidem, p.179. 124

De outro modo, Dworkin afirma que as estruturações conceituais rawlsianas possuem também elementos da estratégia de interesses em sua fundamentação da liberdade. Essa estratégia se faz presente na medida que as partes da posição original são caracterizadas de modo a não considerar nenhum interesse empírico que não seja originado nas exigências do auto-respeito. Na interpretação dworkiana, os direitos às liberdades, juntamente com as determinações das liberdades básicas, são restritas à busca pela auto- estima e às situações práticas limitadas.

Ainda sobre a estratégia dos interesses nas considerações avaliativas sobre Rawls, o autor da igualdade de recursos aproxima-se das refutações hartianas sobre as fundamentações das liberdades básicas, anteriormente apresentadas, quando afirma:

Seus argumentos [de Rawls] demonstram como a estratégia dos interesses inevitavelmente faz com que o lugar da liberdade na justiça dependa de pressupostos discutíveis sobre quais são realmente os interesses das pessoas (...) está longe de ser óbvio, pois, todas as opiniões populares sobre o valor da liberdade expressem somente as considerações de vantagem pessoal especial que a posição original excluiria. A opinião popular também pode expressar convicções difundidas sobre o que seria interesse geral das pessoas.125

Estas críticas de Dworkin tangenciam o conteúdo do embate entre Rawls e Hart. No entanto, fica claro que as mesmas não estão inseridas no âmbito geral da prioridade e da legitimidade das liberdades básicas rawlsianas. O objetivo de tais considerações e exemplificações sobre as estratégias dos interesses e a constitutiva é o de apresentar argumentos que demandem uma vinculação entre liberdade e igualdade para a teoria da igualdade de recursos. Assim, nesse momento específico da obra de Dworkin, sua superficialidade nas críticas de teorias da justiça opostas a sua, não anulam a importância de sua obra e dos enfrentamentos elucidativos que dispõe com a teoria de Rawls.

125

3.2 Conceito de mercado e a influência do sistema de maximização das riquezas de