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Não remonta dos novos tempos a iniciativa do Poder Judiciário brasileiro em querer estabelecer as práticas conciliatórias como preferíveis à ação jurisdicional estatal. Desde a época do Brasil Colônia, existe previsão de que devem ser preferidos os meios alternativos de

solução de controvérsias:

No Brasil a conciliação remonta a época imperial (século XVI e XVII), precisamente nas Ordenações Manuelinas (1514) e Filipinas (1603) que trazia em seu livro III, título XX, § 1º, o seguinte preceito: E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despesas, e sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso. (ALVES, 2008, p. 3)

Desde a época imperial até os dias atuais, a conciliação elevou-se em importância como alternativa de resolução de controvérsias. Em curta síntese, Cintra, Grinover e Dinamarco apresentam os caminhos históricos da conciliação no cenário jurídico brasileiro:

Da conciliação já falava a Constituição Imperial brasileira, exigindo que fosse tentada antes de todo processo, como requisito para sua realização e julgamento da causa. O procedimento das reclamações trabalhistas inclui duas tentativas de conciliação (CLT, arts. 847 e 850). O Código de Processo Civil atribui ao juiz o dever de 'tentar a qualquer tempo conciliar as partes' (art. 125, inc. IV) e em seu procedimento ordinário incluiu-se uma audiência preliminar (ou audiência de conciliação), na qual o juiz, tratando-se de causas versando direitos disponíveis, tentará a solução conciliatória antes de definir os pontos controvertidos a serem provados. Tentará a conciliação, ainda, ao início da audiência de instrução e julgamento (arts. 447-448). A qualquer tempo poderá fazer comparecer as partes, inclusive para tentar conciliá-las (art. 342). A Lei dos Juizados Especiais (lei n. 9.099, de 26.9.95) é particularmente voltada para a conciliação como meio de solução de conflitos, dando a ela especial destaque ao instituir uma verdadeira fase conciliatória no procedimento que disciplina: só se passa à instrução e julgamento da causa se, após toda a tentativa, não tiver sido obtida a conciliação dos litigantes nem a instituição do juízo arbitral (v. arts. 21-26). (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2012, p. 35, grifos no original)

Em 2001, com a criação dos Juizados Especiais Federais, houve a fixação da competência a estes Juizados de realizar e prover a conciliação, autorizando, conforme inteligência do parágrafo único do artigo 10 da Lei nº 10.259/2001, os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais, possibilitando uma mudança no paradigma conciliatório nacional.

Em 2010, o CNJ, com base no direito de acesso à Justiça previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, e visando conferir o tratamento adequado dos conflitos de interesses, editou e publicou a Resolução 125/2010, organizando os serviços prestados nos processos judiciais, incentivando e aperfeiçoando os mecanismos consensuais de solução de litígios, em especial a mediação e a conciliação.

Por meio dessa Resolução, em seu artigo 1º, parágrafo único, o CNJ incumbiu os órgãos judiciários de

oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. Nas hipóteses em que este atendimento de cidadania não for imediatamente implantado, esses serviços devem ser gradativamente ofertados no prazo de 12 (doze) meses. (grifo nosso)

O advento do NCPC reforçou ainda mais a importância da conciliação como meio alternativo de resolução de conflitos. Tal afirmação fica evidenciada pela exposição de motivos do Anteprojeto ao NCPC, redigido por uma comissão de eminentes juristas, presidida pelo então Ministro do STJ (atual Ministro do Supremo Tribunal Federal –STF) e professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Luiz Fux e com relatoria da professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Tereza Arruda Alvim Wambier:

Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porém fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz. Como regra, deve realizar-se audiência em que, ainda antes de ser apresentada contestação, se tentará fazer com que autor e réu cheguem a acordo. Dessa audiência, poderão participar conciliador e mediador e o réu deve comparecer, sob pena de se qualificar sua ausência injustificada como ato atentatório à dignidade da justiça. Não se chegando a acordo, terá início o prazo para a contestação. (BRASIL, 2010, p. 22-3).

O §3º do art. 3º da Lei nº 13.105/2015 mostra o grau de comprometimento que todo o Judiciário brasileiro deve ter com relação aos mecanismos alternativos de resolução de

controvérsias: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos

deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

Por fim, a vigência do NCPC ensejou a atualização do parágrafo único do artigo 1º da Resolução 125 do CNJ, por força da Emenda nº 2, de 08 de março de 2016, que determina que, “antes da solução adjudicada mediante sentença, [deve ser eferecido] outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão” ( grifo nosso).

Por fim, cumpre lembra que os magistrados integrantes do sistema dos Juizados Especiais e Juizados Especiais Federais refutam a aplicação direta do NCPC ao sistema por eles composto, conforme exposto nos argumentos da Nota Técnica nº 01, do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE), expedida em 04 de março de 2016.

219, a justiça cível dita comum passa a conviver com a contagem de prazos legais e judiciais em dias úteis, em inexplicável distanciamento e indisfarçável subversão ao princípio constitucional da razoável duração do processo. Todavia, forçoso é concluir que a contagem ali prevista não se aplica ao rito dos Juizados Especiais, primeiramente pela incompatibilidade com o critério informador da celeridade, convindo ter em mente que a Lei 9.099 conserva íntegro o seu caráter de lei especial frente ao Novo CPC, desimportando, por óbvio, a superveniência deste em relação àquela. Não bastasse esse argumento, cumpre não perder de vista que o legislador de 2015, em alguns poucos artigos, fez remissão expressa aos Juizados Especiais, disciplinando, modo cogente, a aplicação desses dispositivos da lei processual comum ao procedimento regulado pela Lei 9.099. A melhor técnica de hermenêutica jurídica leva, necessariamente, à conclusão de que, assim agindo, o legislador quis limitar, numerus clausus, àquelas hipóteses, as influências do CPC sobre o sistema dos juizados, ciente das implicações prejudiciais decorrentes de uma maior ingerência legal que porventura houvesse, claramente contra os interesses do jurisdicionado que acorre aos juizados. Inclusio unius est exclusio alterius. Postas tais considerações, o FONAJE externa a sua posição pela inaplicabilidade do artigo 219 do CPC/2015 aos Juizados Especiais, da mesma forma que não se aplica ao Processo do Trabalho (art.

775 da CLT) e ao Processo Penal (art. 798 do CPP)” (AMB, 2016: pp. 2-3, itálicos no

original)

Diante de ser ainda recente a novidade da contagem dos prazos em dias úteis, concordamos com o FONAJE com relação a sua manifestação. Nos processos mais simples, cuja duração seja curta, não haverá impacto considerável. Contud, nos processos de maior complexidade, em que haja interposições de recursos, inclusive aos tribunais superiores, acreditamos que haverá uma demora na resolução do conflitos. Assim sendo, a aplicação do NCPC, conforme vimos, deve se dar a partir de um enfoque analógico e respeitando os princípios formadores do sistema de Juizados Especiais.

2 SOBRE A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Verificada a posição que guarda a conciliação dentro do Direito Processual Brasileiro como um dos principais instrumentos do sistema dos Juizados Especiais Federais, mister se faz analisarmos agora, dentro da proposta trazida por esta monografia, o princípio da supremacia do interesse público, baliza que será utilizada para analisar a conciliação enquanto ato administrativo.

Mas antes convém traçar algumas poucas linhas sobre a constitucionalização do Direito Administrativo Brasileiro para, em seguida, estudarmos o que é interesse público e as correntes clássicas, críticas, contracríticas acerca da supremacia do interesse público. Em seguida, realizaremos uma discussão acerca do que venha – ou não – a ser o interesse público, mostrando a influência do Direito Italiano, a partir da obra de Renato Alessi – que por falta de fontes recorreremos a citações de sua obra em obras brasileiras e o intenso debate acerca da desconstrução e reconstrução do princípio da supremacia do interesse.