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3 SOBRE AS POSSIBILIDADES E LIMITES DA CONCILIAÇÃO PREVIDENCIÁRIA

3.4 Possibilidades e limites da conciliação previdenciária à luz da supremacia do interesse

3.4.1 A questão do deságio na celebração de acordos

Não há menção nas orientações normativas internas de nenhuma disposição que trate dos valores mínimos nem máximos relativos às quantias a serem pagas nos acordos, nem se os acordos devem ou não ser firmados com um grau de economia para o erário. Os únicos limites ofertados são os relativos a quem pode firmar o acordo, conforme prerrogativa funcional exposta no artigo 1º da Portaria PGF nº 915/2009.

Assim estabelece apenas os limites de alçada: até 60 (sessenta) salários mínimos, pelos Procuradores Federais que atuam diretamente na causa (amoldando-se ao limite do valor de causa dos Juizados Especiais Federais); até R$ 100.000,00 (cem mil reais), mediante prévia e expressa autorização dos Procuradores Seccionais e dos Chefes de Escritório de Representação; até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), mediante prévia e expressa autorização dos Procuradores-Chefes das Procuradorias Federais nos Estados; até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), mediante prévia e expressa autorização dos Procuradores Regionais Federais.

Ao assim se omitir, a referida portaria torna discricionário ao procurador que efetue, no caso concreto, a quantificação do valor devido, levando em conta também, nesse processo, sua função constitucionalmente definida. “A racionalidade econômica, que preside as relações de outras naturezas, não tem aplicabilidade aos casos em que o INSS está autorizado a acordar” (TAKAHASHI; VAZ, 2011, p. 47-8).

Corroborando com o pensamento de Takahashi e Vaz, temos João Carvalho, que indica que a racionalidade econômica se mostra oposta a noções de justiça e equidade:

A eficiência racionalista apela para um sentido diferente do tradicional de justiça. A justiça eficiente seria aquela que deixasse um indivíduo morrer, em prol de toda a coletividade, mesmo se houvesse possibilidade do Estado pagar o seu tratamento de saúde. Isso porque o Estado poderia salvar mais pessoas com os mesmos recursos que seriam destinados a fim de beneficiar apenas uma. Tal medida pode ser vista como um atentado à modernidade, no âmbito dos direitos individuais, já que se admitiria, por exemplo, que uma pessoa poderia ser torturada até dizer alguma informação de bastante interesse público, em prol da sociedade. (CARVALHO, 2011, p. 231)

Carvalho (2011, p. 231) conclui dizendo que é mais condizente com Estado Democrático de Direito brasileiro a valorização dos direitos fundamentais em relação a qualquer tipo de vantagens econômicas, devendo a sociedade ser respeitada e protegida pelo

Estado, o que se compatibiliza com a visão de interesse público primário que defendemos neste trabalho.

Contudo, tal omissão tem sido mal utilizada, constituindo uma prática de apenas se visar a economia ao erário. Mesmo sem constar em nenhum ato normativo, o Manual de Conciliação da PGF recomenda

que o Procurador busque celebrar acordos que apresentem vantagem econômica para a Autarquia representada. O valor a ser ofertado depende da avaliação do Procurador em cada caso concreto, consultando a área técnica e contábil da instituição representada, quando necessário. (AGU, 2012, p. 14, grifo nosso)

Repelimos tal proposição, pois sua outra face constitui a não celebração de acordos se não houver vantagem econômica. Tal pensamento é, de tal forma, completamente incompatível com a missão atribuída à Advocacia Pública Federal. Essa filosofia conciliatória não constitui uma política institucional mas uma prática que não deveria ser incentivada. Privilegia, assim, somente a satisfação do interesse público secundário sem ter em vista se este é coincidente com o interesse público primário.

Inclusive, o acordão TCU 715/2012 identificou que a política do acordo econômico, sem a análise minudente do caso concreto pode, inclusive, ofender ao interesse público, deixando que possíveis fraudes e irregularidades ganhem status de coisa julgada

O percentual de concessões por decisão judicial é de 24,3%, mas dentre os benefícios com indícios de irregularidade, [...], 46% foram concedidos por decisão judicial. No caso dos segurados especiais que apresentavam vínculos urbanos na DIB ou que percebiam benefício com valor superior ao salário mínimo, 56% e 61%, respectivamente, foram decorrentes de decisões judiciais. [...] Causas da ocorrência do achado: Insuficiência de recursos materiais ou financeiros - Número insuficiente de procuradores e, especialmente, das equipes ou agências da Previdência Social que atendem às demandas judiciais, frente à expressiva quantidade de processos desse tipo. Nos benefícios concedidos por decisão judicial, muitas vezes, um indício de irregularidade que seria tratado em um processo administrativo não é abordado nem pelo juiz nem pela Procuradoria do INSS, como foi possível observar nos processos examinados (Tabela 7 do Anexo1). Em alguns casos, o procurador já busca a alternativa do acordo, que reduz o custo do processo para o INSS. Além disso, muitos processos judiciais não foram precedidos por um requerimento administrativo, o que permitiria à procuradoria uma análise dos motivos que ensejariam a negativa ou aceitação do requerimento. [...] Prejuízos gerados por pagamentos indevidos (efeito potencial) - As concessões por demanda judicial respondem por 2.303 dos 4.990 benefícios que apresentaram indícios de irregularidade, o que representa uma despesa anual de R$ 16.316.755,00. (TCU, 2012, online)

Além disso, passa a ser tão nítido o viés economicista buscado nas conciliações por parte da AGU que, inclusive, a não celebração de acordos passou a ser utilizada como instrumento de negociação por parte de um grupo de procuradores para reivindicar a melhoria

das condições de trabalho junto ao Governo Federal (PROCURADORES, 2014, online). Muitas vezes, os acordos reconhecem a existência dos pressupostos de concessão do direito, mas condicionam o acordo ao deságio.

Ao propor o chamado deságio como condição para o acordo, mesmo nos casos em que o direito do segurado é patente, o INSS parte de uma racionalidade econômica que é absolutamente incompatível com os seus fins legais e constitucionais de atendimento aos direitos fundamentais sociais previdenciários. A vantagem financeira que o instituto de previdência aufere com o cumprimento imediato de suas obrigações legais está em desobrigar-se desse mister da forma a menos onerosa possível, vale dizer, sem juros e outros encargos legais decorrentes da mora. É o que lhe impõe, inclusive, o princípio da eficiência. (TAKAHASHI; VAZ, 2011, p. 47)

Dessarte, a Advocacia Pública Federal deve privilegiar, ao celebrar os acordos, o interesse público primário e refutar toda sorte de argumentos que visem tão somente a preservação do erário dissociada do cumprimento dos objetivos da Administração Pública.