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Capítulo 1: Diálogos na gestão do patrimônio em Lavras Novas

1.2. A conexão entre turismo e as heranças culturais

Para José Newton Meneses, a revolução industrial foi marco do surgimento do turismo moderno67. As novas técnicas e equipamentos, aliados às transformações nos meios de comunicação, nos meios de transporte, nas interações sociais oriundas da urbanização, nas relações de trabalho que se tornaram cada vez mais complexas, foram o símbolo do surgimento do turismo como compreendemos atualmente68.

Em realidades sociais, onde o patrimônio memorialístico é percebido como marca de um legado cultural, surge a demanda por identificar e definir espaços e edificações que carregam alusão com os elementos eleitos como referências regionais. Em algum momento, essas referências regionais, sintetizadas na forma de patrimônio ou não, poderá ser explorada economicamente por empresários especializados em empreendimentos turísticos. Esse perfil de

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PEREIRA, V. Investigação Ambiental da Represa do Custódio, Parque Estadual do Itacolomy, Ouro

Preto, Minas Gerais, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2004, p.2. 65 Ibid. p.3.

66 CHAVES, F. N. As Festas Populares e o Contexto Midiático: Lavras Novas e o Futuro da sua Identidade Cultural. USP. São Paulo, 2011, p.32.

67 MENESES, J. C. História & turismo cultural. Belo Horizonte, Autêntica, 2006, p. 36. 68 Ibidem.

negócio, voltado para o passado, fomentou um crescimento considerável por informações sobre o antigo e sobre os bens que o representam, expandido cada vez mais o leque dos elementos patrimoniais que representem a cultura que se quer conhecer e valorizar.

É nessa conjuntura que, segundo José Newton Meneses, nasce o turismo moderno, emergindo de um complexo contexto histórico, construído de Revolução Francesa, Revolução Industrial e Romantismo, levando posteriormente ao surgimento do turismo cultural69. Essa roupagem de turismo cultural permaneceu por muito tempo. Atualmente, devido a uma setorização conceitual ligada à construção de atrativos turísticos, alguns elementos artístico- culturais podem ser vistos como um subproduto dentro do setor turístico.

As mudanças relativas aos conceitos culturais fundamentaram a construção do patrimônio como entendemos hoje. A ideia de patrimônio como uma construção nacional, idealizada na era moderna e imperante até metade do século XX, sintetizou-o como algo relativo às grandes construções culturais e identitárias, associadas a monumentos artísticos provenientes de grupos dominantes, relacionados a grandes feitos políticos, que formavam os acontecimentos históricos dignos de legado.

Na atualidade, a noção de cultura mudou, sendo entendida como “particularizada”, o que nos permite compreender a existência dos diversos grupos culturais que formam uma nação, trazendo a diversidade cultural como elemento inevitável no processo de formação de uma identidade nacional. Com isso, grupos pequenos conseguem preservar suas características entendidas como especiais70. Essa relação nos ajudará a perceber a conexão entre patrimônio e sociedade presente em Lavras Novas.

A ideia de cultura atual, refletida no contexto de Ouro Preto/Lavras Novas, é composta por uma mistura de conceitos, juntando as heranças coloniais de origens europeias, africanas e indígenas com as construções idealizadas pela nossa própria vivência71. Para o historiador contemporâneo, o trabalho consiste em problematizar os discursos existentes, abordando as lacunas silenciosas, preenchendo as interseções com informações e vestígios transmitidos pelo homem do passado72. Esse é o entendimento de que tudo é história, que se distancia da ideia proposta pela tradição histórica, que visava aos grandes feitos e aos grandes homens73.

69 MENESES, J. C. op. cit. p. 37. 70 Ibid. p.43.

71

Ibid. p.44.

72 Ibidem. 73 Ibid. p. 45.

Para José Newton Meneses74, a proposta de uma “história total” é a percepção que amplifica as possibilidades de pesquisa. Nessa concepção, toda cultura é objeto de história: a vida doméstica, as realidades das minorias sociais, as relações sociais e econômicas que o homem solidifica. Resumindo, a “história total” é feita dos objetos históricos e seus contextos. A compreensão científica dessa corrente onde tudo é história demanda métodos de pesquisa com grande abrangência, que permitem possibilidades variadas de interpretar o homem em seu passado.

O paradigma da história nacional passa a ser questionado em prol de uma formação crítica de identidade75. Esse novo conhecimento traz o enriquecimento das interpretações culturais, relacionadas às construções patrimoniais. Ampliar as possibilidades de objeto e interpretações das culturas passadas contribuiu para o surgimento de uma nova perspectiva de turismo cultural, possibilitando a transformação dos elementos culturais em verdadeiros atrativos a serem problematizados pelos visitantes76.

Refletir sobre o patrimônio cultural de Lavras Novas, nessa conjuntura da apropriação cultural, é pensar a própria sociedade problematizada. A interpretação do patrimônio cultural para uso turístico transforma-se numa forma específica de se pensar o passado77.

A cultura sendo vista como produto na indústria turística é um dilema delicado e que merece atenção nas análises contemporâneas. De um lado, os teóricos mais conservadores acreditam que a relação entre cultura e turismo não é benéfica, pensando na valorização da cultura estritamente pelo seu valor mercadológico, e não em função do seu real significado. Esse fato provocaria a banalização cultural e a adequação dos elementos em aplicação ao turismo78.

Em contraponto à visão conservadora, em tempos competitivos, as localidades não devem ter uma visão totalmente romântica, desatentando para o uso da cultura para fins turísticos. Há autores que defendem a profissionalização dos agentes culturais visando dinamizar as localidades históricas e todo o processo de planejamento das atividades turísticas.

Na visão de Marco Aurélio Ávila os extremos podem ser perigosos e infrutíferos. Se viabilizado de maneira correta, o turismo cultural pode ajudar na dinamização da economia,

74 Ibid. p. 47. 75 Ibid. p. 48. 76 Ibidem. 77 Ibid. p. 49.

fomentando a preservação do patrimônio, podendo contribuir com a comunidade no resgate das manifestações culturais tradicionais79.

Sabe-se que o turismo possui o seu lado estimulador do desenvolvimento socioeconômico, mas, segundo o autor, as atividades têm sido pensadas deixando excluídas parcelas significativas da sociedade, não contribuindo com a melhoria da qualidade de vida do grupo social. Nessa situação, o turismo deixa de ser visto como algo positivo e passa a ser visto pela população como um mal necessário. A persistência dessa situação contribui para que a atividade deixe de ser pensada e exercida levando em conta a questão da inclusão social, que, segundo o autor, é elemento fundamental na preservação da maior essência cultural que é o patrimônio local80.

O turismo é um fenômeno complexo, que envolve aspectos econômicos, sociais, culturais, sendo capaz de propiciar conhecimento, percepção social e contato com pessoas de várias culturas, mas, por outro lado, tem o potencial para impactar negativamente os anfitriões81. A inserção descontrolada do turismo no contexto capitalista pode mercantilizar a cultura, tornando-a estritamente um objeto de consumo82.

Para Marco Aurélio Ávila, o turismo vende o que é estranho. A homogeneização do mundo globalizado motiva os visitantes a buscarem o “diferente” como algo autêntico, capaz de despertar o desejo da exploração. Eu concordo com esse ponto de vista e entendo que a cultura é a “alma” das comunidades e o elemento que a distingue dos outros povos. Pelas minhas experiências na comunidade, vejo que talvez a ideia do incomum e do excêntrico seja o diferencial de Lavras Novas.