• Nenhum resultado encontrado

PERSPECTIVAS TEÓRICAS

2.2 A configuração da atividade pesqueira e do profissional

Com relação à caracterização da atividade pesqueira a partir do uso da nomeação pescadora, observou-se a existência de dois sentidos de pesca, um referente ao setor pesqueiro como um todo e o outro à captura de peixes.

Este último sentido, pelo o que se tem exposto até o momento, está presente desde o Império, com a oposição entre o alimento destinado às mesas dos mais abastados (peixe), que naquela época possuía um valor à cima do qual a população pesqueira poderia pagar e, a fonte de alimentação desta que, se alimentava de outros animais (os moluscos e os crustáceos), comumente, conhecidos como mariscos.

Para além da oposição peixes versus mariscos, o que se observou foi a oposição entre pesca destinada à comercialização versus pesca de subsistência. Oposição esta que está presente desde o início do século XX. De acordo com Diegues (1999), “(...) a atividade pesqueira, antes vinculada à pequena produção assumiu, em algumas regiões, uma escala comercial de grande importância, como é o caso da pesca da sardinha por barcos (...)” (p. 362).

O mesmo autor relata que com a pesca de sardinha surgiram as primeiras indústrias de salga e secagem (depois enlatado) no sudeste do país. Indústrias pesqueiras, nesse período, também são encontradas na região sul. Sendo, a da criação da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), em meados de 1960 que, não apenas irá consolidar a pesca industrial, como também produzirá mudanças significativas no cotidiano de homens e mulheres que atuam na pesca artesanal. Uma nova compreensão de trabalho e de pesca passa a vigorar.

Outro aspecto presente nesse momento é o surgimento de “(...) um proletariado ligado à pesca e ao beneficiamento do pescado, em contraposição à pequena pesca artesanal (...)” (DIEGUES, 1999, p. 363). Essa nova classe trabalhadora começou a ser construída entre os

pescadores artesanais durante a colonização dos mesmos em meados dos anos de 1920, conforme dito anteriormente. A oposição pesca comercial versus pesca de subsistência irá se configurar na oposição pesca profissional versus pesca artesanal39.

A associação da pesca artesanal com a de subsistência pode ser compreendida a partir das relações de produção nas localidades pesqueiras. Diferentemente da pesca industrial, a produção pesqueira artesanal não serve à geração de lucro, mas sim ao consumo do grupo familiar. Maués e Motta-Maués (1990) apontam que parte da produção é, logo, consumida pelo grupo na sua dieta alimentar. A outra é destinada à venda para obtenção de dinheiro com a finalidade de adquirir outros produtos (sal, açúcar, combustível para as embarcações, anzóis, lanternas, fio de nylon, etc.), também, fundamentais para o consumo familiar.

Conforme o Decreto-lei nº 221/67 a definição de pesca e de pescadores profissionais não permite considerar que o pescador que realiza a atividade em caráter artesanal seja compreendido como profissional desse setor, visto que a definição de pesca presente nessa legislação contempla apenas a que é destinada à comercialização. Sendo o profissional aquele que realiza a atividade pesqueira nesses termos.

Na legislação dos anos de 1990 é possível observar que o pescador artesanal é considerado como profissional, a partir da Lei nº 8.212/91 em que são apontados dois tipos de pescador. Entre eles está o de caráter artesanal. Nessa mesma legislação, observa-se a consideração da produção pesqueira marcada pelas relações familiares, bem como a idéia de produção marcada pelo processamento e transformação rudimentar do pescado. Outro aspecto importante a ser considerado nesse período é a definição de pesca sem, necessariamente, está associada à comercialização, bem como, não restrita à captura de peixes, como demonstra a Lei nº 9.605/98.

A mesma intenção – a de considerar como profissional o pescador que realiza a atividade em caráter artesanal – é observada nos anos de 2000, como ocorre na legislação Lei

39 O caráter artesanal corresponde á atividade, cuja realização é feita pela utilização de instrumentos (embarcações, redes) confeccionados pelos próprios pescadores (MAUÉS; MOTTA-MAUÉS, 1990; SILVA, 1991).

nº 10.779/03 que trata da concessão do seguro-desemprego. Esse benefício concedido ao pescador artesanal atesta o reconhecimento deste como categoria profissional, bem como, considera o trabalho realizado pelo grupo familiar, presente na década anterior.

Com o Projeto de Lei nº 6697/06, permanece a perspectiva apontada anteriormente. Mas, essa não se torna obrigatória para as mulheres, porém, o é para os demais do grupo familiar. No entanto, a profissionalização é dirigida às mulheres e aos membros do grupo familiar como pescadores artesanais.

Essa última tendência de profissionalização da pesca artesanal, juntamente à definição de pesca, também sofre alterações. De uma atividade voltada para a comercialização na década de 1960, passa a ser entendida também como atividade voltada para a subsistência do grupo familiar presente nos anos de 1990. Com a consideração das atividades desenvolvidas no grupo familiar, observa-se que essa será importante para se considerar, posteriormente, no início de 2000, no âmbito das políticas públicas a realização do trabalho das mulheres no setor pesqueiro. Pois, como observado nos títulos das publicações referentes ao trabalho das mulheres na década de 1990, a visualização do trabalho feminino vai ocorrer a partir da identificação desta como importante para a economia do setor pesqueiro, bem como, a sua relação com a manutenção do grupo familiar.

A emergência e a construção da nomeação mulher pescadora, razão deste capítulo, vem sendo delineada desde o final da década de 1990, e se faz presente nos anos de 2000, conforme apresentado pelos títulos da literatura acadêmica e os relatórios dos eventos da SEAP/PR. Esse surgimento parece estar relacionado ao reconhecimento das atividades realizadas pelas mulheres no setor pesqueiro que, como este estudo aponta a partir da publicação acadêmica e da legislação vigente, ocorre pela valorização das atividades realizadas com o grupo familiar. Essa valorização tanto evidencia o trabalho das mulheres como de outros membros da família que realizam atividades de cooperação e parceria.

A nomeação mulher pescadora se apresenta, ora, de forma ampla, referindo-se a todas as mulheres do setor pesqueiro que realizam diversas atividades no setor. Ora, se refere a uma

mulher e a um tipo de atividade específica – a de captura de peixes. Este último sentido parece estar associado à primeira regulamentação profissional dos pescadores (homens) pelo Ministério da Marinha e ao processo de industrialização do setor pesqueiro deflagrado, principalmente, com a criação das colônias de pescadores no início do século XX. Desse momento, a mulher é alijada do setor pesqueiro, sendo relegada ao lugar do não-pescador e da invisibilidade.

Essa condição parece sofrer uma alteração após os anos de 1960, sobretudo no final da década de 1980, com a Constituição de 198840. Além da ênfase dada à produção familiar, a definição de pesca presente na legislação ambiental de 199841 permite considerar que as mulheres pescam a partir da especificação da atividade pesqueira, mesmo esta condicionada ao processo de exploração dos recursos pesqueiros. Posteriormente, com o Projeto de Lei nº 6697 de março de 2006, será ampliado42. Sendo nessa legislação, reconhecido o caráter profissional das mulheres no setor pesqueiro sob a nomeação pescadoras artesanais, bem como, estende-se a mesma nomeação às pessoas que realizam a atividade pesqueira com o grupo familiar. O que diz respeito ao primeiro sentido dado à nomeação mulher pescadora.

Como pode se observar a nomeação vem sendo construída, especificamente, desde a sua emersão, num processo que combina concepções (pesca, profissionais) e ações (normatização da profissão pescador) interconectadas a uma rede. Ou, como matriz, segundo Hacking (2001).

40 Momento esse reconhecido pela conquista dos direitos de diversos grupos marginais, como as mulheres, conforme mencionado anteriormente.

41 Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 42 Conforme dito anteriormente.

ARTESANAL

Este último capítulo apresenta as localidades onde parte da pesquisa43 foi realizada, bem como, aponta os repertórios discursivos produzidos nas mesmas a partir das observações e das entrevistas. Discute o uso da nomeação mulher pescadoras nessas localidades a partir da caracterização da atividade pesqueira. Esta pesquisa situa-se numa perspectiva qualitativa a qual tem por interesse a análise do uso da nomeação mulher pescadora por mulheres e homens que atuam na pesca artesanal.

3.1 A pesquisa nos bairros de Ipioca e do Trapiche da Barra do município de Maceió –