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PERSPECTIVAS TEÓRICAS

13. Fernanda, 45 anos, marisqueira Também indicada por Tom Começou a realizar atividades pesqueira quando casou com Ronaldo Antes trabalhou como empregada doméstica

3.1 A escolha dos bairros de Ipioca e do Trapiche da Barra do município de Maceió-AL

3.1.1.1. O primeiro contato com o bairro de Ipioca

O primeiro contato com as pessoas de Ipioca ocorreu no mês de fevereiro em 2007. Cheguei por volta das dez horas da manhã. Em frente a um terminal, num estabelecimento comercial, perguntei a duas mulheres se elas sabiam onde ficava a associação de pescadores de Ipioca. Ambas disseram não saber.

Num bar ao lado, perguntei a um rapaz se ele sabia. Ele respondeu que conhecia uma pessoa que trabalhava com ostras e, poderia me levar até ela. Então, acompanhei-o até a casa da presidente da Associação de Maricultores 'Anjos do Mar'.

Chegando lá, apresentei-me à Luciana54, e ao falar sobre o meu vínculo com os pescadores e de minha proposta de mestrado naquela localidade, convidou-me a entrar num pequeno galpão com aproximadamente 30 carteiras escolares e um quadro-negro que servem para a realização de aulas de reforço, de encontros da associação de moradores, da associação de maricultores, de um projeto voltado para o atendimento de crianças, adolescentes e jovens. O local também abriga alguns materiais da associação de maricultores.

Enquanto falava de sua atuação, citou várias problemáticas locais, tais como, o uso de drogas, a prostituição, a pedofilia, a violência doméstica, a depredação ambiental, a condição de miséria da comunidade, desorganização das associações de pesca tanto em Ipioca como em Riacho Doce55; a dificuldade de acesso à praia, trabalho infantil e a falta de infra-estrutura da associação de maricultores.

Ressaltou a parceria entre a comunidade e a Universidade na melhoria das condições de vida locais. Diz que é sempre bem-vindo qualquer interesse da academia pela comunidade, principalmente, no auxílio aos projetos lá desenvolvidos.

O vínculo de Luciana com a comunidade de Ipioca se expressa por meio de sua participação na associação de moradores, na associação de maricultores, que além de oferecer uma possibilidade de renda para as famílias locais, também atua no atendimento dos filhos e filhas destas.

Quando falei de meu objeto de estudo, Luciana falou que é difícil as mulheres se reconhecerem como pescadoras ou maricultoras. Disse que na associação faz força para que elas usem a nomeação de maricultora. Mas, disse que lá em Riacho Doce algumas mulheres que têm maior esclarecimento sobre os seus direitos se nomeiam como pescadoras.

54 Formada em Ciências Sociais, hoje aposentada. Trabalhou como técnica em telecomunicações e, atualmente, atua como voluntária na associação de maricultores e em projetos desenvolvidos com crianças, adolescentes e jovens.

55 Bairro de Maceió, localizado nas proximidades de Ipioca, no litoral norte do município. É conhecido pela atividade pesqueira, venda de bolos, tapioca e a casa de farinha. Na literatura clássica, Riacho Doce é cenário do livro de mesmo nome, de autoria de José Lins do Rêgo. Luciana, também, atua como vice-presidente da Associação de Pescadores e Marisqueiras de Riacho Doce.

Fala da necessidade de tal reconhecimento para a garantia dos direitos sociais a quê essas mulheres têm direito, pois, o fato de não se reconhecerem como tal (pescadoras ou maricultoras) representa que as mesmas desconhecem seus direitos sociais, visto que a legislação que prevê tais direitos é recente, do atual governo.

Outro fato que mencionou referente a direitos de homens e mulheres no setor da pesca é a falta de honestidade na liberação de documentos para maricultores, pescadores e marisqueiras, mediante o pagamento de uma taxa estabelecida pelos próprios presidentes de colônia. Há o cadastramento daqueles que realizam atividades de pesca e também daqueles que não exercem tais atividades. Estende essa situação de favorecimento para as autoridades do Estado que viabiliza a implantação do setor hoteleiro na região, desrespeitando as condições ambientais e a população que vive da pesca.

Ao final de nossa conversa trocamos telefone. Luciana se disponibilizou em mostrar- me as dependências da associação de maricultores (criadouro de ostras, a sede) e também a associação de Riacho Doce, bem como, sua casa. Agradeci pela atenção e me despedi dela.

3.1.1.1.1. O passado histórico de Ipioca e as contradições do cotidiano

Lembrei então de uma grande barreira que havia passado na estrada e, que não sei bem porque, passei a associar com a proximidade de Ipioca. Depois desse dia a grande 'muralha' passou a marcar, ao menos para mim, o limite do território de Ipioca (...) (DIAS; 2006, p. 28, grifo da autora).

situada próximo à Estrada da Saúde e a ponte do Rio Meirim, marca o início do bairro de Ipioca56, no sentido Recife - PE. O que dá a impressão de serem duas Ipiocas, como aponta a mesma autora, “uma parte baixa, banhada pela praia, e utilizada na maior parte como lugar de veraneio, e a parte alta, ou o Alto de Ipioca” (p. 28), caracteriza o nome indígena do lugar, que se refere à terra (monte) que tapa.

Esse aspecto geológico está intimamente relacionado à história do bairro, pois, durante a invasão holandesa no século XVII, o Alto de Ipioca serviu como ponto de observação estratégica dada a vista panorâmica para o mar. A Igreja matriz de Nossa Senhora do Ó conta essa história, pois a mesma originou-se de um forte, construído pelos Portugueses.

Outro fato importante relacionado à história do bairro é ter sido berço do segundo presidente da República, o Mal. Floriano Peixoto, também conhecido como o “Marechal de Ferro”, que nasceu e viveu a sua infância e adolescência naquela localidade quando esta era apenas um povoado.

Mesmo tendo sido palco de episódios da história de Alagoas e do país, esses fatos não se constituem como atrativo para o desenvolvimento local do turismo (RIBEIRO, 2003, p. 21). O que tem chamado a atenção do turismo são a bela praia de Ipioca e as piscinas naturais.

Tanta beleza natural é palco de uma das grandes contradições locais em que o crescimento desordenado do bairro, no que se refere a construções irregulares, bem como, a instalação de empreendimentos turísticos na região, tem afetado o ambiente natural, ocasionando a degradação dos viveiros de peixes, crustáceos e moluscos, poluição dos rios e do mar, desmatamento dos mangues. Além disso, a especulação imobiliária trouxe o arame farpado que cerca a praia, ficando a população, inclusive os que dependem da atividade pesqueira, com acesso limitado à praia. Em março de 2007, a população conseguiu por determinação do Ministério Público a abertura de um acesso à praia, entre um sítio de plantações de coco e um hotel resort.

56 De acordo com o mapa das Regiões Administrativas da Prefeitura de Maceió, os limites do bairro de Ipioca são marcados pela desembocadura do Rio Meirim e do Rio Sauaçuhy.

Além dessas problemáticas, Ipioca sofre com a falta de infra-estrutura (escolas, postos de saúde, transporte coletivo incipiente, condições desfavoráveis de saneamento básico), violência e a pobreza. A renda familiar média corresponde a R$ 377,57 (IBGE, 2000).

Com uma população total de 5.944 habitantes57, o bairro dispõe apenas de um posto de saúde localizado no Alto de Ipioca, sendo de difícil acesso para os moradores próximos ao limite norte do bairro. O mesmo acontece com as escolas, que, além de insuficiente, não garantem transporte para as crianças. Muitas delas estudam no município próximo e enfrentam as mesmas dificuldades.

Enquanto esperava a volta de Ana para entrevistá-la, conversei com uma de suas filhas que me contou sobre as dificuldades locais pelo fato do conjunto ser muito longe “de tudo”. Ela me falou que a mãe estava demorando a retornar porque havia muita gente para ser consultada, pois a equipe do PSF só atenderia durante o mês de julho naquele dia. Perguntei se esse grupo apenas atendia uma vez por mês. O que me foi

confirmado. A sua resposta, ela acrescentou que o único posto de saúde fica no início do bairro, a mesma coisa acontece com as escolas. Disse que seus filhos estudavam no município vizinho e que, apesar da distância, lá era melhor, pois a prefeitura oferecia transporte para os alunos. No entanto, ela me falou que, às vezes, as crianças ficavam sem transporte. Pois, este ficava na dependência da boa vontade do prefeito daquele local (Caderno de notas, 23/07/2007).

Por possuir áreas de mangue e sítios, Ipioca é constituída por localidades isoladas umas das outras, o que favorece um sentimento de abandono descrito tanto pelos meios de comunicação quanto pela própria população. Casos de violência (estupros, assassinatos) são relacionados a esse aspecto.

Em duas de minhas visitas, a presidente da Associação de Maricultores “Anjos do Mar” me falou do cuidado que tinha com as crianças do conjunto habitacional, principalmente

nos fins de semana e períodos de férias, visto a ocorrência de estupros e prostituição, envolvendo turistas e veranistas.

Em Agosto de 2007, um duplo homicídio tirou o sossego dos moradores de Ipioca, pois o acusado havia fugido e se escondido nas proximidades, nos sítios e mangue. Esse fato também me deixou assustada, pois, no dia anterior ao assassinato havia percorrido um trecho dentro do sítio que era passagem tanto para a casa dele quanto para o local em que os homicídios ocorreram. Duas mulheres que havia entrevistado me aconselharam a não andar sozinha, pois o acusado estava solto e tinha sido visto nas proximidades.

Conselho acatado por mim, seja por temer algo, ou porque estava tendo dificuldades para localizar outras mulheres que realizassem a atividade pesqueira naquela localidade. O que me levou a considerar as mulheres, associadas na colônia de pescadores e marisqueiras no Trapiche da Barra, como interlocutoras.