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FORMAÇÃO CONTINUADA

1.1 A consolidação do neoliberalismo no Brasil na década de

A partir da década de 1970, os países capitalistas avançados passaram por profundas transformações sociopolíticas e econômicas impulsionadas pela instauração de uma crise no modelo de acumulação capitalista. As políticas keynesianas adotadas nesses países, após a Segunda Guerra Mundial, promoveram, durante a década de 1950 e 1960, elevadas taxas de crescimento econômico. De acordo com Harvey (2011), nesses países, a política redistributiva, os controles sobre a livre mobilidade do capital, a ampliação dos gastos públicos, a criação do Estado de bem-estar social e as intervenções ativas do Estado na economia, características do keynesianismo, caminharam lado a lado com taxas de crescimento relativamente elevadas. Essas políticas consideravam que o crescimento econômico e o desenvolvimento social

deveriam ser promovidos a partir da intervenção do Estado. Entretanto, ao final dos anos 9 0, esses objetivos não foram mais alcançados. “O desemprego e a inflação se ampliavam em toda parte, desencadeando uma fase global de ‘estagflação’ que duraria por boa parte dos anos 970” (HARVEY, 20 , p. 22, grifos do autor).

A partir dos anos 1970, ganharam espaço as explicações para a crise e as propostas para superá-la apresentadas por teóricos representantes do neoliberalismo em diferentes vertentes1. Na América Latina, os fundamentos da escola neoliberal de Chicago, cujo principal representante foi Milton Friedman, tiveram maiores influências nas definições das novas relações políticas e econômicas dos Estados.

Um dos principais alvos da crítica neoliberal na visão de Friedman (1977) corresponde ao modo de atuação do governo nos diversos setores da sociedade. Descrevendo o papel do Estado na sociedade, este autor destaca que as funções básicas do governo numa sociedade livre são:

Manter a lei e a ordem; definir os direitos de propriedades; servir de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgar disputas sobre a interpretação das regras; reforçar contratos; promover a competição; fornecer uma estrutura monetária (FRIEDMAN, 1997, p. 38-39).

Entretanto, ao mesmo tempo que o autor defende a atuação do governo nos setores citados, alerta para a limitação da interferência do Estado numa série de atividades, em especial à sua redução na intervenção da economia e, sobretudo, nos gastos com programas sociais. Nessa proposta, o Estado deve preservar e expandir a liberdade individual e econômica, bem como restabelecer o crescimento econômico dos países capitalistas em crise (FRIEDMAN, 1977).

Segundo Boito Jr. (1999), o neoliberalismo se assenta sob três pilares, que podem ser representados como uma série de três círculos concêntricos:

a) o círculo externo e maior, representando a desregulamentação do mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais; b) o círculo intermediário, representando a política de privatização e c) o círculo menor e central, representando a abertura comercial e a desregulamentação financeira (p. 51).

1 Boito Jr. (1999), analisando a ideologia neoliberal, diferencia três grandes vertentes do neoliberalismo

de acordo com a relação entre o liberalismo político e o regime democrático: a escola austríaca, a escola neoliberal de Virgínia e a escola neoliberal de Chicago.

Cada círculo abarca interesses imperialistas e burgueses, e cada um deles envolve, sucessivamente, do círculo maior ao menor, interesses de frações cada vez mais restritos. O círculo externo e maior, representado pela política de desregulamentação do mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais, abarca os interesses do imperialismo e de toda a burguesia. Todas as empresas capitalistas, pequenas ou grandes, tiram proveito, em grau maior ou menor, dessa redução dos custos salariais e dos direitos sociais (BOITO JR., 1999). Para o autor, “o segundo círculo, a política de privatização, favorece o imperialismo e uma fração da burguesia brasileira, o capital monopolista, e marginaliza o pequeno e médio capital” (BOITO JR., 999, p. ).

O terceiro círculo que representa o neoliberalismo apresentado por Boito Jr. (1999) é o mais restrito. Representa a política de abertura comercial e de desregulamentação financeira. Nesse círculo, apenas o setor bancário do capital monopolista e o capital imperialista têm seus interesses plenamente contemplados. O autor defende que os agentes financeiros estrangeiros e os grandes bancos nacionais constituem o setor da fração monopolista cujos interesses são priorizados pela política neoliberal.

Laurell (2009) considera que as políticas de privatização dos bens sociais correspondem ao elemento articulador das estratégias neoliberais. Nessa perspectiva, a privatização atende ao objetivo econômico de abrir todas as atividades econômicas rentáveis aos investimentos privados, com o intuito de ampliar os âmbitos de acumulação, e ao objetivo político-ideológico de remercantilizar o bem-estar social. A autora alerta para o fato de que, “apesar de a privatização ser o objetivo central, só interessa na medida em que a administração de fundos e a produção de serviços possam se converter em atividades econômicas rentáveis” (p. 7). Nos países onde a maioria da população é pobre, a privatização dos bens sociais ocorre a partir dos incentivos de políticas estatais dirigidas à criação de um mercado disponível e garantido.

Harvey (2011) destaca que podemos interpretar a neoliberalização como um “projeto utópico de realizar um plano teórico de reorganização do capitalismo internacional ou como um projeto político de restabelecimento das condições da acumulação do capital e de restauração do poder das elites econômicas” (p. 27, destaques do autor). Para ele, há na posição neoliberal contradições entre a teoria e a pragmática concreta da liberalização. Se na perspectiva teórica o neoliberalismo pretendeu a ampliação da liberdade e justiça para todos, enfatizando seu posicionamento contrário a todas as formas de intervenção e regulação do Estado, predominou, na

prática, a privatização de empresas públicas, a desregulação do sistema financeiro, o corte dos gastos sociais que levaram ao desmantelamento dos compromissos do Estado com o bem-estar social, tendo como consequência “uma desigualdade social cada vez maior e a restauração do poder econômico da classe alta” (HARVEY, 20 , p. 3 ).

A partir da centralidade no aspecto econômico, os princípios doutrinários do neoliberalismo sob os pilares da privatização, abertura comercial e desregulamentação financeira, promoveram uma proteção ao capitalismo monopolista contando com forte proteção dos governos para seu fortalecimento, ao mesmo tempo que o recuo do papel do Estado nas áreas de proteção social provocou a fragilização das relações de trabalho, redução dos recursos para políticas públicas sociais e o aumento da desigualdade social (BOITO JR. 1999).

As discussões sobre a redefinição do papel do Estado nos diversos setores da administração pública e do mercado impulsionaram o processo de reforma educacional. De acordo com a proposta neoliberal para a educação, apresentada por Friedman (1977), o Estado deveria estimular a participação do empresariado no setor educacional e reduzir sua participação na oferta desse direito. Esse estímulo seria dado pelo financiamento aos pais dos estudantes, para que esses tivessem poder de escolha nos serviços educacionais. O papel do governo “estaria limitado a garantir que as escolas mantivessem padrões mínimos tais como a inclusão de um conteúdo mínimo comum em seus programas” (FRIEDMAN, 977, p. 83).

Segundo Friedman (1977), os beneficiários teriam maiores possibilidades de escolha, estimulando a competitividade e melhorando a qualidade da educação. Para ele, “a injeção de competição faria muito para a preocupação de uma salutar variedade de escolas. E também contribuiria para introduzir flexibilidade nos sistemas escolares” (p. 85). A competitividade é apresentada pelo autor como elemento central para aumentar a qualidade da educação, sendo utilizada, inclusive, para estimular a melhoria da atuação dos profissionais da educação. Segundo o autor, o principal problema entreva para a instituição da competitividade entre os docentes diz respeito ao salário dos professores, uma vez que são uniformes e rígidos, resultado do sistema de administração governamental das escolas, sendo praticamente impossível implantar uma diferenciação dos salários, com base na competição e no mérito. A competitividade regularia a questão do mérito e dos salários e atrairia bons profissionais para o magistério (FRIEDMAN, 1977).

Nessa perspectiva, a lógica de mercado deve ser incorporada ao sistema educacional, possibilitando a ampliação da atuação do capital privado, implantação da ideologia empreendedora na educação e o estabelecimento de novas relações trabalhistas entre os profissionais do setor. Essas propostas vêm marcando o processo de reforma do Estado brasileiro e das diretrizes educacionais a partir da década de 1990 e continuam, na atualidade, a pautar os debates e as políticas educacionais em curso.

Essas políticas de corte neoliberal, de uma forma geral, atenderam aos interesses do capital internacional, entrelaçados aos interesses das classes dominantes dos países periféricos (BOITO JR. 1999). Diversos meios foram utilizados pelas elites econômicas e seus intelectuais para que o receituário neoliberal fosse aceito pela maioria da sociedade. A atuação dos organismos internacionais, em especial do Banco Mundial e da UNESCO, foi fundamental nesse processo. Esses organismos atuaram como intelectuais orgânicos na defesa dos interesses do capitalismo monopolista, em especial, nos países periféricos.