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A constatação do golpe na capital e no interior da Bahia

O quadro de repressão, prisões, mortes e cassações teve início na Bahia. A situação era tão crítica que a 6ª Região Militar (RM) transformou um navio em prisão para trancar professores, jornalistas e mais pessoas esclarecidas da real conjuntura política instalada. (TAVARES, 2001, p. 475) Em Vitória da

Conquista, no início de maio de 1964, a ditadura encheu um ônibus com presos políticos.

A repressão em Conquista foi ampla. O Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil foi fechado, a Câmara de Vereadores [...] cassou o mandato do prefeito Pedral Sampaio [...]. Os meios de comunicação desdobravam-se em elogios ao regime de terror recém-implantado. (JOSÉ, 2004, p. 88)

Por volta do dia 05 de abril, já havia vinte e uma pessoas presas no Quartel do Barbalho. Diante da completa insegurança acerca do limite en- tre ameaças e respeito aos direitos humanos, muitas pessoas procuradas pela ditadura optaram por entregar-se. Fugitivos, eles estariam inteiramen- te desprotegidos e expostos. Ao apresentar-se oficialmente à polícia, esta- vam, teoricamente, salvaguardados pela lei. Esse foi o raciocínio de muitos que se viram caçados na categoria “vivo ou morto”.

A clandestinidade, além de abranger outros estados, alcançou muitas cidades do interior da Bahia. Do mesmo modo, cidades vizinhas à capital foram palcos (clandestinos, claro) de treinamento militar entre grupos par- tidários de oposição ao regime militar. Camaçari, Mata de São João, Ipiaú, São Miguel das Matas, Canavieiras, Ilhéus, Itapebi, Vitória da Conquista, Bom Jesus da Lapa, Feira de Santana, Alagoinhas, Irará, Cruz das Almas, Cachoeira, Amargosa e Itaberaba são algumas cidades da Bahia que deixa- ram rastros de ditadura militar, quer por uma postura política contundente – como é o caso de Vitória da Conquista – quer pela guarida involuntária aos perseguidos por ordem oficial do país nos anos de chumbo. Houve tam- bém a ação direta das tropas do Exército em diversos espaços e circuns- tâncias, como Alagoinhas, por exemplo, onde existia um centro de torturas chamado Fazendinha.

O quadro político-repressor ocorreu em Salvador em palcos fixos e com um repertório bastante conhecido nas histórias de tortura e repressão pelo país. O Quartel do Barbalho era o principal centro de tortura de Salvador – “o inferno era ali [...].” (JOSÉ, 2000, p. 17) Além dele, serviram à ditadura o Quartel de Amaralina, o 19º Batalhão de Caçadores (19º BC), o Quartel

dos Fuzileiros Navais e o Quartel-General da VI Região Militar (Quartel da Mouraria).

Os momentos de responder ao Inquérito Policial-Militar eram compos- tos de pressão psicológica, espancamentos, mergulhos em tanques de água, pau-de-arara, choques elétricos, mergulhos em fosso, uso de broca de den- tista, cigarros apagados no corpo, afogamentos. As questões básicas feitas aos presos políticos eram “[...] qual a organização subversiva de que fazia parte, o que pretendia, quem contribuía financeiramente, a relação com Moscou, quem trazia dinheiro, quem era o chefe.” (JOSÉ, 2004, p. 98) A fase da tortura terminava com a transferência dos presos políticos para a Galeria F da Penitenciária Lemos de Brito, no bairro da Mata Escura.

A tortura é naturalmente um gesto político e perpassa a história da humanidade. Ela sempre encerra alguma justificativa por parte do poder. Já vazaram docu- mentos da ditadura, justificando a tortura. Era um método para tirar informa- ções, e ponto final. (JOSÉ, 2000, p. 17)

Além disso, ocorreu em Salvador, sequestro de presos políticos: quando um preso político recebia o habeas corpus do Supremo Tribunal Militar, ofi- ciais ligados à repressão sequestravam o preso, contrariados com a decisão judicial. Assinar o documento de soltura poderia significar ser assassinado sem suspeitas, já que, teoricamente, o indivíduo não estava mais sob a guar- da do Estado.

Virgildásio Sena, prefeito de Salvador na época, era a favor das reformas de base propostas pelo governo de João Goulart. Faz parte do seu histó- rico político, a participação no movimento estudantil, quando era aluno da Escola Politécnica da Universidade da Bahia e a filiação ao PCB em 1942. Com o golpe militar, ele foi deposto, preso e teve seus direitos políticos cassados. Alguns funcionários da prefeitura perderam seus cargos. O go- vernador Lomanto Júnior, ao contrário, conseguiu manter o seu cargo com o apoio da Igreja Católica. Para asseverar sua posição de adesão ao golpe perante os comandantes militares10 e a população baiana, Lomanto Júnior esteve, juntamente com sua esposa, na vanguarda da Marcha da família com

Deus pela democracia, realizada no centro de Salvador em 15 de abril de

1964. Alunos do Colégio Militar foram obrigados pela direção da escola a participar do evento.

Após o golpe, o governo federal fez uso de atos institucionais, atos com- plementares e decretos-leis, até a determinação, por vias constitucionais, do sistema autoritário comandado pelos militares por meio da Constituição de 1967.

Desvelou-se em seguida, o pano de fundo, o propósito econômico do golpe mi- litar. Tratava-se de promover, sem maiores entraves estudantis ou sindicais, um projeto de ‘desenvolvimento associado’, de desenvolvimento capitalista multi- nacional, para o Brasil. (RISÉRIO, 2002, p. 250)

No âmbito do ensino, havia uma estratégia, fundada no acordo MEC-USAID,11

que pretendia promover uma reforma universitária baseada nos padrões nor- te-americanos, e orientada pelo Big Brother do norte. Buscava-se o fortaleci- mento do ensino privado, se possível a privatização das universidades públicas e a dissolução das entidades estudantis. Para o ataque à organização autônoma dos estudantes, editou-se a Lei Suplicy, que legalizava a perseguição e demissão de alunos e professores e, ainda, a intervenção nas universidades. (JOSÉ, 2000, p. 55, nota nossa)

Luís Viana Filho foi o primeiro governador baiano eleito dentro do con- texto ditatorial, já por via indireta. Na sua gestão (1967 a 1971), tiveram des- taque os projetos para o sistema educacional, orientados por Luís Augusto Fraga Navarro de Brito, Secretário de Educação e Cultura.12 Considera-se essa administração mais um degrau a favor da educação na Bahia, após os trabalhos de Anísio Teixeira (1947) e Isaías Alves (1938), sucessivamente.

A edição do Ato Institucional nº. 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, provocou instabilidade na administração de Viana Filho e prejuízos para a área educacional, já que, em meio ao quadro de insegurança daquele mo- mento, aconteceu a

[...] saída forçada do Secretário da Educação, Luís Navarro de Brito, ameaçado pelo general Abdon Sena de ser preso em seu próprio gabinete. Para perda da

Bahia, teve de se exonerar. Quase em seguida foi convidado, e aceitou impor- tante cargo na UNESCO, órgão da ONU sediado em Paris. (TAVARES, 2001, p. 486)