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A Constituição Federal de 1988 e os mandados constitucionais

CAPÍTULO II PANORAMA ATUAL DO SISTEMA BRASILEIRO

2. A Constituição Federal de 1988 e os mandados constitucionais

2. A Constituição Federal de 1988 e os Mandados Constitucionais

Anticorrupção.

A “Carta Cidadã” de 1988 representa o principal marco normativo da nova

era democrática brasileira, pós ditadura militar. Nesse sentido, como era de se

esperar, o Texto Supremo trouxe uma série de dispositivos voltados para as

garantias da liberdade individual, mas também consagrou diversos princípios

(que, por vezes, também ostentam aquela natureza jurídica) e regras que tratam

da prevenção e repressão à corrupção.

Pois bem, a todo esse conjunto normativo constitucional damos o nome

de “mandados constitucionais anticorrupção”, que podem ser divididos para fins

didáticos da seguinte maneira

99

:

I – Mandados Constitucionais Anticorrupção Estruturantes: são os princípios constitucionais que compõem o núcleo da conformação jurídico- política do Estado na luta anticorrupção, como, por exemplo, a característica de ser um Estado de Direito, com garantia da mais ampla democracia, separação de poderes com fiscalização recíproca entre eles, bem como o respeito à dignidade humana nas atividades estatais anticorrupção.

Nesse tocante, parece-nos evidente que um Estado submetido à vontade pessoal dos governantes de plantão ou de um grupo privado de aliados (autocracia e cleptocracia), sem um critério legal pré-determinado apto a

99 Classificação por nós proposta de maneira original, com base na natureza das normas, já que

o tema não é explorado na doutrina brasileira, pelo menos nas dezenas de livros que consultamos.

garantir a mínima segurança jurídica, sem democracia e superposição de um Poder sobre o outro (como no caso da Venezuela “chavista” e “madurista”), ou com a adoção de práticas contrárias à dignidade humana (ações investigativas e processos sem garantias básicas de defesa e com penas arcaicas de agressões físicas, trabalhos forçados ou de banimento) não pode ser apontado como um Estado que possui as estruturas mínimas para atuar validamente na prevenção e repressão à corrupção, ainda que o discurso oficial seja outro.

II – Mandados Constitucionais Anticorrupção Estrito Senso: são aqueles princípios e regras constitucionais que se destinam a prevenir ou reprimir a corrupção no exercício das funções, cargos ou empregos públicos. Funcionam como verdadeiros mandamentos básicos de atuação dos agentes públicos e de quem lhes faça as vezes, direcionando e condicionando a validade dos atos por eles praticados ao seu substrato jurídico. Como exemplos (não exaustivos), podemos citar os princípios republicano, da igualdade, legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, bem como os deveres de probidade, de prestação de contas, de vedação à promoção pessoal à custa do erário público, da realização de concursos públicos para o acesso aos cargos, empregos e funções públicas, a necessidade de licitações como procedimentos prévios legitimadores das contratações de obras e serviços etc.

III – Mandados Constitucionais Anticorrupção Procedimentais: Nessa categoria, estamos diante dos mecanismos administrativos e judiciais (de natureza cível ou criminal) trazidos pela Constituição Federal para que sejam obtidas provas referentes aos atos de corrupção, ou para que, à luz das diretrizes jurídicas decorrentes dos mandados anticorrupção estruturantes ou estrito senso, sejam anulados os que estejam em desconformidade com eles e aplicadas as sanções cabíveis.

À primeira categoria, damos o nome de mandados constitucionais anticorrupção procedimentais probatórios, como o direito de petição, o direito de acesso à informação, o direito à liberdade de expressão, a garantia do sigilo da fonte, o inquérito civil público etc.

Já as ações constitucionais voltadas para a anulação/desconstituição dos atos corruptos, ou para punir os responsáveis por atos desse jaez, representam o que chamamos de mandados constitucionais anticorrupção

procedimentais judiciais. Como exemplos dessa categoria, citamos a ação popular, o mandado de segurança, a ação de impugnação ao mandato eletivo, a ação civil pública, a ação direta interventiva, ação penal privada subsidiária da pública etc.

IV – Mandados Constitucionais Anticorrupção Institucionais: são as previsões normativas que dizem respeito à criação e ao funcionamento das instituições e órgãos públicos com atribuições anticorrupção específicas, como acontece no caso do controle parlamentar exercido sobre o Poder Executivo, bem como na atuação do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e das comissões parlamentares de inquérito, que realizam atos de controle externo voltados para detectar, dentre outras coisas, a corrupção. V – Mandados Constitucionais Anticorrupção de Garantia: Enquanto as outras categorias trazem disposições voltadas para apresentação da estrutura, princípios, procedimentos e instituições anticorrupção, sempre na perspectiva de quem age contra o ato de corrupção, nos mandados constitucionais anticorrupção de garantia estão inseridos os princípios, regras e procedimentos que permitem a defesa de quem é vítima de um ato de corrupção, como no caso da prisão indevida, a violação de domicílio, a tortura, a interceptação telefônica sem ordem judicial para colheita de provas, bem como a violação dolosa de direitos líquidos e certos praticados por autoridade pública etc.

Assim, toda vez que ficar caracterizado um abuso de poder, ilegalidade dolosa ou crime na condução de investigações ou processos judiciais que digam respeito à atos de corrupção, os mecanismos constitucionais de defesa postos à disposição da vítima apresentam-se como mandados constitucionais anticorrupção de garantia.

Podemos citar como exemplos a proibição das provas ilícitas, os princípios do contraditório e ampla defesa, do juiz e promotor natural100, o mandado de segurança, o habeas corpus etc.

100 Um processo justo e devido passa pela ausência de poder não só sobre quem julga, mas,

principalmente, sobre quem pode e vai investigar, pois disso pode resultar um arquivamento fruto de conluio, ou uma ação temerária do mesmo cunho. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou: “O postulado do Promotor Natural “consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja

Pois bem, apresentada a classificação dos mandados constitucionais

anticorrupção, vale ressaltar que muitos deles estão formalmente estampados

como direitos e garantias fundamentais, à exemplo do direito de petição (artigo

5°, XXXIV

101

), da ação popular (artigo 5°, LXXIII

102

), da ação de impugnação ao

mandato eletivo (artigo 14, §10°

103

). Já outros, embora não estejam naquele rol

formalmente, também possuem nítida característica jusfundamental, como os

princípios da Administração Pública

104

(artigo 37, caput

105

), a previsão da

prestação de contas da Administração Pública direta e indireta como “princípio

intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (HC 102.147/GO, rel. min. Celso de Mello, DJe nº 22 de 02.02.2011).” (HC 103038, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 11/10/2011, DJe-207 DIVULG 26-10-2011).

101 XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito

de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

102 LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato

lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

103 § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze

dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

104 “É interessante notar que em diversos países as constituições trazem mandamentos que

explicitam tal proibição geral de corrupção e portanto trazem, em contrapartida, o direito dos cidadãos de exigir um poder público probo. Kofele-Kale (2000) observa que a corrupção tem sido proibida pelas leis e constituições de muitos estados, sendo tal disposição expressa nas Constituições de Haiti, Nigéria, Paraguai, Peru, Filipinas e Serra Leoa, só para mencionar alguns. Há quem veja na constituição americana um princípio geral anti-corrupção (Teachout, 2008- 2009). (...) A constituição brasileira também traz disposições resguardando expressamente a moralidade pública no exercício do poder estatal em mais de um dispositivo. No caput do artigo 37, iniciando o capítulo que trata da Administração Pública, reza que um de seus princípios reitores será a moralidade, e o parágrafo quarto desse mesmo artigo dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo ainda que qualquer cidadão ajuíze a actio popularis para anular ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa (artigo 5ª, LXXIII). Assim, não seria exagero dizermos que no Brasil já há positivado um direito fundamental anticorrupção.” (FILHO, André Pimentel. (Uma) Teoria da Corrupção (...)., p.116-117).

105 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.

constitucional sensível”

106

apto a legitimar a intervenção

107

federal ou estadual

(artigo 34, VII, “d” c/c artigo 35, II), ou a probidade administrativa como parâmetro

de gestão a ser observado pelo Presidente da República, sob pena de cometer

crime de responsabilidade (artigo 85, V) e ter seu mandato extinto

prematuramente.

Dito isso, vejamos, à título de citação, quais são - e onde estão localizados

topograficamente, os ditos mandados constitucionais anticorrupção

108

:

I – Princípio Republicano e Estado de Direito (artigo 1°): É longa a tradição constitucional luso-brasileira de adoção da forma republicana de governo, que se encontra em vigor com os Textos Supremos de 1976 e 1988 (Portugal e Brasil109, respectivamente).

Igualmente clássica em terras tupiniquins e “além-mar” é a associação automatizada e exclusiva do regime republicano à práticas anticorrupção, como a separação absoluta entre os interesses privados do detentor do poder político-administrativo110 com os interesses públicos111.

106 “Princípios sensíveis são os princípios previstos no art.34, VII, da Constituição Federal e que

recebem esse nome (dado originalmente por Pontes de Miranda) porque, se violados, autorizam a intervenção.” (MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 3ª edição, 2019, p.581).

107 “A intervenção é um antídoto contra a ilegalidade, o arbítrio, a autossuficiência e o abuso de

poder dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 12ª edição, 2019, p.1016).

108 Os itens XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXXIX, XLII e XLVIII contém, no todo ou em parte,

trechos extraídos do Relatório Final da disciplina de Direito Administrativo desse curso de Mestrado, intitulado “O Princípio da Moralidade Administrativa em uma Perspectiva Luso- Brasileira”.

109 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos.

110 “A República Portuguesa incorpora aquilo que sempre se considerou como um princípio

republicano por excelência: a concepção de função pública e cargos públicos estritamente vinculados à prossecução dos interesses públicos (art.269º) e do bem comum (res publica) e radicalmente diferenciados dos assuntos ou negócios privados dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes dos poderes públicos (res privata).” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Almedina, 7ª edição, 2003, p.227 e 228).

111 “O interesse público constitucionalmente referenciado como medida de vinculação da

Trata-se de corrente doutrinária amplamente majoritária que precisa ser desmistificada, pois a ética no poder (a chamada “ética republicana”) não é um atributo exclusivo da república112, não sendo desconhecidas várias monarquias cujos governantes são bem mais éticos do que alguns representantes republicanos (basta comparar o Reino Unido com a República de Angola, por exemplo). Sabemos que essa premissa usada pela doutrina tem um fator histórico relevante, já que as repúblicas surgiram em contraponto aos abusos constatados nas monarquias absolutistas. Porém, na atualidade, não se pode mais fazer essa associação automática, já que a conformação política das monarquias atuais muito se distancia daquela outrora existente113, bem como temos exemplos concretos de adoção desse regime com satisfatório respeito aos postulados éticos necessários para uma gestão anticorrupção.

Aliás, não custa lembrar que no campo das ideias políticas vários foram os autores, como Erasmo de Rotterdam, que, falando sobre a atuação de monarcas, recomendou o exercício ético e probo das funções públicas114,

que os titulares de órgãos, funcionários ou agentes da administração pública exerçam as suas competências e desempenhem as suas atribuições para a satisfação dos interesses da colectividade (‘do povo’, dos ‘cidadãos’) e não para a satisfação de interesses privados ou interesses das apócrifas máquinas burocráticas públicas” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II. Lisboa: Coimbra Editora, 4ª edição, 2010, p.796).

112 “A consagração da forma republicana de governo como limite material de revisão

constitucional (artigo 288º, alínea b) e, por outro lado, uma alegada tradição republicana, permitindo descortinar um possível princípio republicano, tem levado a que se fale na existência de uma ‘ética republicana’, vinculativa da conduta dos titulares de cargos públicos, especialmente ao nível de todos aqueles que assumem natureza política (...). Sucede, porém, que, ao invés do invocado, nenhuma relação directa existe entre tais normas de cunho ético no exercício do Poder e a forma republicana de governo: a designada ‘ética republicana’ é um mito, pois tanto conhecemos formas republicanas de governo sem respeito por alguns titulares de cargos políticos de qualquer ética republicana, como sabemos da existência de formas monárquicas de governo em que os governantes têm uma componente ética no exercício das suas funções políticas (v.g., Reino Unido, Suécia).” (OTERO, Paulo. Direito Constitucional Português, Volume II. Lisboa: Almedina, 2010, p.196-197).

113 “Hoje em dia, os conceitos monarquia e república vêm perdendo a razão de ser. Com a

diminuição do podr das monarquias, que estão quase por completo destituídas de qualquer prerrogativa de mandato efetivo, isso tornou-se facilmente perceptível. Nesse sentido, observou Marcelo Caetano: ‘a distinção hoje existente se prende ao modo de designação do Chefe de Estado, o que nada esclarece quanto às suas realidades essenciais, tais como: a titularidade da soberania, os órgãos e seu exercício, a limitação do poder, a situação dos governados perante os governantes, os fins visados pelos governantes’.”(BULOS, Uadi Lammêgo. Curso (...)., p.509).

114 “O Príncipe cristão deve possuir e ser instruído nas melhores virtudes: a distinção do bem e

do mal; a honestidade pessoal; a preocupação com o bem-estar do seu povo, mesmo que isso acarrete o sacrifício da sua vida ou dos seus haveres, de necessário. Erasmo exorta o Príncipe

ao contrário de Maquiavel, para quem, mais do que ser honesto, o importante para o príncipe era parecer sê-lo, já que tudo era válido no intuito de manter o poder115.

Assim sendo, não nos parece correta a associação automática entre o regime republicano e a necessária prática de atos éticos, já que a probidade no exercício das funções pública é algo inerente ao múnus estatal, independente da forma de governo adotada.

Diferente, contudo é a situação do Princípio do Estado de Direito (também presente em Brasil e Portugal), que traz consigo a inerente ideia de sujeição dos governantes e demais agentes públicos ao primado da Constituição e das leis (juridicidade)116, repelindo, destarte, práticas corruptas e impondo a aplicação da respectiva sanção ao infrator da lei.

Ele, sim, é o primeiro mandado constitucional anticorrupção, na medida em que garante o império da lei com a punição exemplar dos malfeitores

cristão: ‘se me perguntas qual a cruz que tens de levar aos ombros, dir-te-ei: segue o Direito; não faças violência nem roubes ninguém; não te deixes corromper por nenhuma forma’. E conclui: ‘se perderes o trono, lembra-te de que ‘é muito melhor ser um homem justo do que um príncipe injusto.” (DO AMARAL, Diogo Freitas. História do Pensamento Político Ocidental. Coimbra: Almedina, 2016, p.133).

115 “A um príncipe, portanto, não é necessário ter de fato todas as qualidades supracitadas, mas

é bem necessário parecer tê-las. Ao contrário, ousarei dizer isto, que tendo-as e observando-as sempre, são danosas; e parecendo tê-las, são úteis; como parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e o ser; mas ter a disposição de ânimo para que, precisando não ser, possa e saiba mudar para o contrário. E há que entender isto que um príncipe, sobretudo um príncipe novo, não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens são tidos como bons, sendo com frequência necessário para manter o estado, operar contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião.” (MAQUIAVEL, NICOLAU. O Príncipe – Tradução e Notas Leda Beck. São Paulo: Martin Claret, 2012, p.133).

116 “(...) a verdade é que, num Estado assente em princípios de limitação, de legitimidade e de

responsabilidade dos governantes, enquanto meros representantes do povo e administradores da sua ‘vinha’, nunca pode deixar de existir uma dimensão ética de exercício do Poder: é da essência de um Estado de Direito constitucionalmente conformado que o Poder não encontre apenas em normas jurídicas a sua regulação, existindo também uma dimensão ética que produza uma normatividade reguladora da conduta dos titulares dos cargos públicos, segundo o postulado de que ‘nem tudo o que é lícito é honesto. Pode mesmo afirmar-se que, tal como não há Poder sem um substrato ético que justifica até a sua própria limitação jurídica, não há verdadeiro Estado Constitucional sem ética dos governantes: todo o titular de cargos públicos se encontra subordinado a uma dimensão ética de exercício das suas funções que é indisponível. E se todo o titular de cargos públicos tem sempre de também se pautar por uma normatividade ética, os titulares de cargos políticos, por maioria de razão, nunca poderiam estar isentos ou imunes a uma regulação ética da sua conduta: trata-se de uma ética que visa edificar ‘o homem político correcto’.” (OTERO, Paulo. Direito Constitucional (...)., p. 197).

públicos, o que inibe os que tencionam a agir da mesma forma e educa a sociedade em longo prazo a partir da desmistificação de que o “crime compensa”.117

II – Princípio da Separação dos Poderes (artigo 2°): Voltando os olhos para o Estado Moderno, costuma-se dizer, invocando-se a célebre obra do Barão de Montesquieu (“O Espírito das Leis”), que o mesmo possui “Poderes”. Sem embargo da inestimável e importante contribuição de tal teoria, especialmente na defesa da desconcentração do poder nas mãos de uma pessoa118 – à época o monarca-, deve-se frisar que a assertiva acima (O Estado é dividido em Poderes) não é dotada de rigor técnico, pois o poder estatal é uno e indivisível. Ocorre, porém, que tal poder é exercido de diversas formas, para diversos fins.

Por conta disto, é que o Estado possui funções119, que podem ser conceituadas como os deveres (atribuições) estatais para o desenvolvimento de certa atividade que lhe é inerente ou outorgada por

117 Trecho parcialmente extraído do nosso relatório final da disciplina de Direito Constitucional,

no curso de Doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, em que fizemos uma análise inicial dos “mandados constitucionais anticorrupção”.

118 “O princípio da separação de poderes, de tanta influência sobre o moderno Estado de direito,

embora tenha tido sua sistematização na obra de Montesquieu, que o empregou claramente como técnica de salvaguarda da liberdade, conheceu todavia precursores, já na Antiguidade, já na Idade Média e tempos modernos. Distinguira Aristóteles a assembleia-geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário; Marsílio de Pádua no Defensor Pacis já percebera a natureza das distintas funções estatais e por fim a Escola de Direito Natural e das Gentes, com Grotius, Wolf e Puffendorf, ao falar em partes potentiales summi imperii, se aproximara bastante da distinção estabelecida por Monstesquieu. Em Bodin, Swift e Bolingbroke a concepção de poderes que se contrabalançam no interior do ordenamento estatal já se acha presente, mostrando qão próximo estiveram de uma teorização definida a esse respeito. Locke, menos afamado que Monstesquieu, é quase tão moderno quanto este, no tocante à separação de poderes. Assinala o pensador inglês a distinção entre os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – e reporta- se também a um quarto poder: a prerrogativa. Ao fazê-lo, seu pensamento é mais autenticamente vinculado à Constituição inglesa do que o do autor de Do Espírito das Leis. A prerrogativa, como poder estatal, compete ao príncipe, que terá também a atribuição de promover o bem comum onde a lei for omissa ou lacunosa.” (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 26ª edição, 2019, p.146).

119 No mesmo sentido é o magistério de Bandeira de Mello, para quem “função pública, no Estado

Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem

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