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A construção da argumentação para: “é preciso a marcha para Oeste”

CAPÍTULO VI O SENTIDO DE MARCHA PARA OESTE: ENTRE O CIVILIZADO E

6. Texto 1 – “Como tornar prática a marcha para o Oeste”

6.1 A análise

6.1.3 A construção da argumentação para: “é preciso a marcha para Oeste”

Neste momento vamos estudar como, no decorrer do mesmo texto apresentado acima, vai se construindo uma argumentação em relação à marcha para Oeste, como o locutor-geógrafo argumenta para os alocutários político e empreendedor sobre a necessidade da marcha e da solução para a sua realização. Essa argumentação será observada a partir das articulações entre alguns operadores argumentativos que ao longo do texto vão introduzindo e reforçando os argumentos apresentados pelo locutor-geógrafo.

Iniciamos observando que o Locutor fala da marcha como que já ocorrendo, mas como uma necessidade de torná-la prática.

(1) “Como tornar pratica a marcha para o Oeste”

Neste enunciado há uma divisão do Locutor, que nos permite apresentar:

E. Genérico – (1a) Há a marcha para Oeste.

E. Individual – (1b) Há um modo de torná-la prática, que se apresenta a seguir.

Por essas relações o Locutor ao falar do lugar de enunciador-genérico afirma a existência da marcha para Oeste, e do lugar de enunciador-individual, enquanto locutor- geógrafo, afirma haver uma forma para realizá-la. E apresenta esta forma como argumento para o alocutário-governante e para o alocutário-empreendedor na direção de que “a marcha é necessária” e há como facilitá-la.

Na sequência observamos que o Locutor apresenta uma solução para a marcha para Oeste. Essa solução proposta no texto está relacionada à geografia do país e à necessidade de acesso ao Oeste. Tomemos mais especificamente a sequência:

(5) “no presente, para resolver esse transcendental e necessário problema nacional, posto em equação pelo clarividente e benemérito Presidente da

República, só existe uma solução – a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata” (Grifo nosso).

A primeira coisa a observar é que “esse transcendental e necessário problema nacional” reescreve por desenvolvimento a marcha para Oeste. Esse enunciado (6) pode ser parafraseado da seguinte forma:

(6a) no presente, existe uma solução – a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata, para resolver o problema da marcha para Oeste.

(6b) no presente, não existe nenhuma outra solução a não ser esta – a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata, para resolver o problema da marcha para Oeste.

Considerando essas relações, podemos observar que existe um problema que é de toda a nação e que precisa ser resolvido. Para esse problema é apontada uma solução: “a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata”, tal solução é apresentada como a única possível.

Nessas relações, a incidência do “só” em (6) argumenta para “é preciso fazer a ligação entre as bacias do Amazonas e do Prata”, na medida em que fica afirmado que esta solução é única, sendo portanto significada como necessária. Esse argumento é apresentado por um Locutor que fala da posição de locutor-geógrafo para argumentar em favor da única forma para resolver o “problema nacional”. Ser única é o que reafirma a importância e estabelece a ligação com o que é sabido como solução, “a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata”. Nessa direção, ao argumentar o Locutor se divide de forma a produzir dois enunciadores, sendo:

E. Genérico – (6a) [para resolver o problema nacional] existe uma solução: a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata.

E. Individual – (6b) [para resolver o problema nacional] não existe nenhuma outra solução a não ser esta: a ligação das duas imensas bacias fluviais do Amazonas e do Prata.

Nessas relações, o enunciador genérico apresenta como pressuposição (6a), enquanto que afirma (6b) da perspectiva de enunciador individual. O Locutor, ao falar do lugar de enunciador genérico afirma a existência de uma solução para o problema da marcha para Oeste, trata-se de uma solução objetiva apresentada como se todos a conhecessem e concordassem com ela. Ao falar da posição de enunciador individual, o locutor-geógrafo nega a existência de outra solução. Isso significa que o que está sendo dito em relação à marcha para Oeste, e, neste caso, sobre a solução apresentada para que a marcha ocorra, é apontado como uma única direção, uma única solução para os fatos. Desse modo, é possível apresentar como paráfrase para o enunciado acima:

6’ – A ligação entre as bacias fluviais do Amazonas e do Prata é a solução.

Ou ainda,

6” – É necessário realizar a ligação entre as duas bacias fluviais do Amazonas e do Prata.

Nesse sentido, considerando que o problema nacional é “a dificuldade de realização da marcha para Oeste”, então, em “só existe uma solução” é apresentado um argumento que aponta para esse enunciado, a conclusão de que “é necessário realizar a marcha para Oeste”. Desse modo, o enunciado “é necessário realizar a ligação entre as duas bacias fluviais do Amazonas e do Prata” afeta os sentidos apresentados para a marcha até este momento, pois a representa como dependente dessa solução que é única.

Nesse jogo de representação o locutor se coloca como sendo apenas um (idêntico a si mesmo), quando na verdade ele é dividido (díspar), conforme Guimarães

(2002), pois é constituído, neste caso, enquanto locutor-geógrafo, enunciador genérico e enunciador individual. Ao dizer do lugar de enunciador genérico, o Locutor apresenta a solução possível para o problema nacional como conhecida por todos, mas, enquanto enunciador individual assume o sentido de que essa é a única solução.

A argumentação observada até o momento mostra que no acontecimento analisado é apresentada uma proposta para sua realização, uma solução. Essa solução é apresentada por alguém que ocupa um lugar social que lhe permite assumir a palavra e que legitima o que está sendo dito, de um lugar social de locutor-geógrafo que apresenta uma proposta para a “ocupação” do Oeste a partir da realização da marcha para Oeste. Desse modo, o argumento da solução única é sustentado por este enunciado enquanto realizado pelo locutor-geógrafo.

Consideraremos agora uma outra sequência. Nela é apresentado um argumento relacionado à solução proposta para a realização da marcha. Esse argumento é apresentado pela incidência da preposição “além de”30

que é utilizada como um operador argumentativo, conforme segue:

(6)“Essa solução, além de fazer anteceder de um século a marcha para o Oeste, terá a inestimável vantagem de atender a uma necessidade política, econômica e social sul-americana, ligando intimamente varias nações do Continente por uma vasta rêde interna de navegação, que será a propulsora de formidável progresso comum”.

Podemos parafrasear esse enunciado da seguinte forma:

7a. Essa solução fará anteceder de um século a marcha para o Oeste.

7b. Essa solução terá a inestimável vantagem de atender a uma necessidade política, econômica e social sul-americana.

7c. Essa solução ligará intimamente varias nações do Continente.

30 Em relação aos limites de categorias entre as preposições, conjunções e advérbios e à consideração dessas

7d. Essa solução desenvolverá uma vasta rêde interna de navegação.

7e. A vasta rêde interna de navegação que será desenvolvida a partir dessa solução, será a propulsora de formidável progresso comum.

Desse modo, o além de articula argumentos (7a, 7b, 7c, 7d) que indicam os resultados produzidos pela solução proposta evidenciando que há muitos argumentos que reforçam a importância da solução apresentada e a necessidade de realização da marcha para Oeste. Estes argumentos produzem o sentido de que a política da marcha que é brasileira, e que é uma proposta a ser realizada dentro do território nacional, vai além do Oeste e ultrapassa os limites do país tomando dimensões de uma política que envolve todo o continente sul-americano, inclusive produzindo um “formidável progresso comum” a todo esse continente. E eles se apresentam como acrescidos a um argumento por si já importante: “terá a inestimável vantagem de atender a uma necessidade política, econômica e social sul-americana, ligando intimamente varias nações do Continente por uma vasta rêde interna de navegação, que será a propulsora de formidável progresso comum”.

A estes argumentos se articulam de modo particular o argumento (7a) marcado pelo além de. Este argumento apresentado como lateral tem na verdade a força do argumento central. A marca do além de dá a este argumento esta diferença decisiva. O argumento principal é, assim, a antecipação em um século da marcha e de suas consequências que se configuram na própria designação de marcha: civilizar, produzir o progresso, realizar um objetivo cívico.