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Enunciação: o enunciado se constitui no acontecimento da linguagem

CAPÍTULO I – SEMÂNTICA: O ESTUDO DO SENTIDO NA LINGUAGEM

1.2 Enunciação: o enunciado se constitui no acontecimento da linguagem

Enunciação é um conceito chave para se compreender a especificidade da Semântica do Acontecimento, conforme desenvolvida no Brasil por Guimarães. Na relação com esse conceito há muitos outros, como, por exemplo: enunciado, sujeito, Locutor, enunciador, história, político, agenciamento enunciativo, cena enunciativa e ainda outros.

Para o desenvolvimento desta teoria, no que se refere à enunciação, Guimarães (1989, 1996, 2001, 2002, 2004, 2005 etc.) sustentou-se nas formulações propostas anteriormente por Benveniste (1976), Ducrot e Anscombre (1976) e Ducrot (1984). Sendo que em Benveniste a enunciação é o colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização (p.83). Conforme o autor,

enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em relação à língua, como um processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor [...] Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de presença que ele atribua a este outro. Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário (BENVENISTE, ibidem, p. 84).

Desse modo, a enunciação em Benveniste é uma apropriação da língua e isso é suficiente para que o indivíduo se constitua em sujeito (locutor) e o outro também seja

constituído em sujeito (alocutário). Assim, conforme Guimarães (2008, p. 72) em Benveniste “a intersubjetividade é algo previsto no sistema da língua, não é uma construção da enunciação”.

Ao conceituar a enunciação, Ducrot e Anscombre (1976, p. 18) dizem que ela é “a atividade de linguagem exercida por aquele que fala no momento em que fala”. Desse modo, assim como em Benveniste, trata-se de uma ação do indivíduo relativamente à língua, mas diferentemente daquele autor, Ducrot e Anscombre não fazem referência ao ato de um Locutor se apropriar da língua.

Em outro momento, Ducrot (1984/1987) define a enunciação como “o acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado”. Ele considera o surgimento do enunciado como

um acontecimento histórico: é dado existência a alguma coisa que não existia antes de se falar e que não existirá mais depois. É esta aparição momentânea que chamo “enunciação” [...] não introduzo, pois a noção de um sujeito autor da fala e dos atos de fala. Não digo que a enunciação é o ato de alguém que produz um enunciado. (DUCROT, ibidem, 168-169).

Para Benveniste (1976), a enunciação é definida em relação a uma ação individual, assim como em Ducrot e Anscombre (1976), mas, em reflexões posteriores, Ducrot (1984) define a enunciação como um acontecimento histórico e não há mais a inclusão de um indivíduo ou sujeito, pois como Ducrot ressalta a questão do “sujeito autor” não lhe interessa. Ducrot, ao se referir ao acontecimento histórico utiliza este conceito como cronologia, ou seja, considerando o seu caráter temporal.

As formulações desses autores são fundamentais para a constituição da abordagem dos estudos do sentido desenvolvida por Guimarães. Esta abordagem da teoria da enunciação é uma posição particular que toma a linguagem na relação com a exterioridade enquanto historicidade e apresenta o conceito de enunciação caracterizando-o, socialmente. Sendo assim, “a significação é histórica, não no sentido temporal, historiográfico, mas no sentido de que a significação é determinada pelas condições sociais de sua existência. Sua materialidade é esta historicidade” (GUIMARÃES, 2005 p. 66).

Desse modo, pelo viés da Semântica do Acontecimento, para analisar o sentido de progresso na relação com o sentido de marcha para Oeste é preciso tomar como lugar de observação do sentido o enunciado que deve ser considerado na enunciação, no acontecimento da linguagem.

O acontecimento, conforme Guimarães (2011, p. 15), “faz diferença na sua própria ordem”, pois ele constitui uma temporalidade específica: funciona por estar no presente da formulação do locutor, além disso, projeta em si mesmo um futuro de sentidos e, por outro lado, tem um passado, enquanto memorável de enunciações; é esta temporalidade que o faz significar. Deste modo, é o acontecimento que constitui o tempo da enunciação, não o Locutor, conforme proposto por Benveniste (1959). Nesta medida, o acontecimento é um espaço de temporalização, sendo o passado uma rememoração de enunciações recortadas pelo acontecimento.

Nesta direção, Guimarães considera a enunciação como o acontecimento do funcionamento da língua, em um espaço de enunciação, produzindo sentido. Deste modo, o acontecimento, produz sentido “por expor a língua em funcionamento à sua exterioridade, sendo esta exterioridade significante, histórica, e não física” (2006, p. 126). Nessas relações, é preciso considerar, ainda, a enunciação como um acontecimento no qual ocorre a relação do falante, enquanto locutor, com a linguagem12. Relação em que são produzidos os textos, por exemplo: os artigos, as notícias, as reportagens, os documentos do governo, que serão analisados nesta tese, e quaisquer outros tipos de textos. Sendo os textos considerados como unidades de significação integradas por enunciados.

Conforme Guimarães (2006) o enunciado é correspondente à frase, porém considerando a situação em que o locutor fala, sendo, então, “um elemento linguístico próprio do acontecimento do funcionamento da língua quando um locutor diz algo” (p. 122). O autor diz ainda que o enunciado, na relação com as sequências linguísticas de que faz parte, funciona por ter uma consistência interna e uma independência relativa, pois há algo em cada enunciado (segmento), que é independente do funcionamento global. Para Guimarães, o enunciado é o lugar em que o sentido de uma forma, como, por exemplo:

12 Esta relação entre o Locutor e a linguagem será apresentada mais adiante quando abordarmos a cena

progresso, moderno, marcha para Oeste, deve ser observado, pois, para apresentar o sentido de uma forma, é preciso analisar as relações que ela constitui no enunciado e, ainda, que este enunciado funciona enquanto integrado a um texto.

A relação do enunciado com o texto é chamada por Guimarães (2002, 2006, 2011) de relação integrativa13. Conforme este autor, esta relação ocorre de maneira não segmental, ou seja, de forma que o enunciado ao compor um texto não segue uma sequência lógica. Esta relação se dá pela forma como um enunciado se reporta a outro, constituindo modos específicos de relação e, consequentemente, de observação dos enunciados em cada texto/acontecimento em que eles ocorrem. Sendo preciso considerar que o sentido se constitui na relação do enunciado com o texto e com o falante/locutor no acontecimento da enunciação, que para Guimarães é um acontecimento político, na medida em que esse autor considera o político como uma relação que é própria do funcionamento da linguagem.