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Todo início de etapa impõe uma certa dose de desafios e de reestruturação das aprendizagens e comportamentos. Com a carreira docente isso não é diferente, ao assumir uma sala de aula e apropriar-se na prática das questões inerentes à docência, o professor pode, muitas vezes, passar por um turbilhão de sentimentos e emoções.

Nessas situações iniciais, o professor precisará dispor de todo seu aprendizado e de características pessoais e profissionais adquiridas ao longo da vida e da formação inicial. Essas características, crenças, experiências e vivências, farão parte da sua identidade profissional e será através dessa identidade que ele será reconhecido e se reconhecerá dentro do grupo profissional no qual estará inserido.

A construção da identidade profissional no início da carreira se dará através de processos de estruturação e reestruturação de saberes e será influenciada pelas relações sociais que o professor estabelecerá com os pares durante o exercício da profissão.

Segundo Lasky (2005) apud Marcelo Garcia (2009), a identidade profissional pode ser definida como a maneira que os docentes definem os outros e a si mesmos. Essa construção parte de uma evolução constante da profissão, muito influenciada pela escola, pelo contexto político, pelos colegas de trabalho e principalmente pelo seu comprometimento pessoal.

Para o professor iniciante, a realidade encontrada na sala de aula se mostra muito distante do imaginado e até do planejado, ocorrendo o que Huberman (2005) aponta como “choque do real”. O início do trabalho docente ou, como classifica o autor, a fase da entrada na carreira, pode se mostrar como um período de sobrevivência, descobertas, entusiasmo, e até de certo romantismo em relação à profissão e ao ideário construído acerca da prática docente e em especial ao perfil de aluno.

O professor iniciante, assim como qualquer outro profissional iniciando na carreira, demonstra certa dose de insegurança em sua competência profissional, uma vez que seu conhecimento é, em grande parte, teórico. Ainda assim, é importante que haja um reconhecimento da bagagem de conhecimentos desse profissional.

Por mais que um docente iniciante seja inexperiente e demonstre insegurança em sua prática, ele possui um conjunto de conhecimentos que farão dele um profissional diferente de outros. Cada profissional tem suas especificidades que são decorrentes de suas experiências de vida, experiências como aluno e tantas outras construídas ao longo de sua formação inicial, no contato com outros profissionais, além de suas experiências pessoais, conforme Tardif (2012) afirma:

Na realidade, no âmbito dos ofícios e profissões, não creio que se possa falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso é necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente. (p. 11)

Em muitas ocasiões, o professor iniciante se verá em situações em que sua capacidade profissional poderá ser contestada (resistência dos pais, alunos diferentes do idealizado, falta de apoio dos colegas, isolamento etc.). Para isso, ele deverá demonstrar domínio teórico e fazer uso dos conhecimentos adquiridos na formação inicial, podendo valer-se também de suas experiências como aluno ou até mesmo de situações vivenciadas no período do estágio supervisionado.

Segundo Tardif (2012), as relações que os professores estabelecem com o saber não são apenas do campo do intelecto e/ou cognitivo, ao contrário, são relações construídas a partir de experiências variadas de vida e de trabalho que proporcionarão subsídios para nortear suas ações práticas e pedagógicas cotidianas.

Reforçando essa compreensão, Nascimento (2007) nos mostra que essas interações sociais, pessoais e com os saberes possibilitam a construção da identidade profissional docente, já que essa dinâmica está em constante transformação. Outra contribuição para se pensar as práticas dos professores iniciantes é oferecida por Campos (2013), que fala sobre as crenças docentes. Segundo o autor, as crenças são construções que os professores internalizam ainda quando são alunos, sendo de caráter emocional e pessoal, iniciando um processo de relação entre as ações do ensinar e o aprender. Essas experiências se consolidarão auxiliadas pela formação inicial e constituirão parte de sua identidade profissional. Muitas vezes, essas crenças serão acionadas para repetir um comportamento julgado como exitoso ou para repelir ações desagradáveis. Dessa forma, o professor constrói sua identidade profissional utilizando toda sua estrutura de vida, suas experiências individuais e profissionais. O que torna a identidade profissional docente um conjunto de características específicas de cada um, que lhe possibilitará ser um profissional único. Ao mesmo tempo, essa identidade vai se transformando e se moldando de acordo com sua prática e interações vividas.

Para isso, as contribuições apresentadas por Guarnieri (2005), Huberman (2005), Imbernón (1998), Lima (2004), Marcelo Garcia (1999), Nono e Mizukami (2006), Nóvoa (1992), C. Macedo (2006;2009), Nascimento (2007) trarão aporte teórico para sustentar as discussões que pretendemos realizar.

Assim, o que se pretende com essa pesquisa é compreender como se dá a construção da identidade dos professores iniciantes, mesmo diante dos desafios já conhecidos pelos professores e em face a inúmeros outros, tais como:

[...] a distância entre os ideais e as realidades quotidianas da sala de aula, a fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, a relação pedagógica e a transmissão de conhecimentos, a oscilação entre relações demasiado íntimas e demasiado distantes, dificuldades com alunos que criam problemas, com material didáctilo inadequado, etc. (HUBERMAN, 2005, p. 39)

Ainda assim o professor poderá utilizar tanto ferramentas didático-práticas desenvolvidas no decorrer da formação inicial, quanto aprendizagens ainda da fase de aluno, para fornecer subsídios, ideias e estratégias que, somadas à identidade profissional e às características e habilidades próprias e pessoais (TARDIF 2012), poderão apresentar-se como práticas que possibilitarão a transição de aluno a professor de maneira mais harmoniosa.

Por fim, na estrutura dessa seção foi possível perceber que a identidade profissional é um processo em construção, nunca estará encerrada ou concluída. No caso da identidade profissional docente, além de estar em constante desenvolvimento, terá influências das experiências vividas como aluno desde a educação básica. Ou seja, o futuro professor já chega à licenciatura com elementos da identidade profissional docente. Essa identidade terá pontos refutados e outros ampliados e continuará a ganhar novos elementos para seu processo de construção.

3 O PERCURSO METODOLÓGICO

Sabemos que a metodologia é o conjunto de métodos e instrumentos que serão utilizados para materializar, viabilizar e sistematizar a pesquisa. Para Minayo (2001):

A metodologia é o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade [...] distinguindo a forma exterior com que muitas vezes é abordado tal tema (como técnicas e instrumentos) do sentido generoso de pensar a metodologia como a articulação entre conteúdos, pensamentos e existência (p. 16).

Ainda segundo a autora, a pesquisa na área de Ciências Sociais é, por essência, da ordem qualitativa e nesse viés consegue expressar, mesmo que de maneira limitada, um pouco do dinamismo e da fartura de significados e de atores sociais “essa mesma realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela” (MINAYO, 2001, p. 21). Ou seja, tentar transformar essa realidade rica e cheia de significado e de significantes em números e dados, seria como tentar tornar tangível o intangível, o que se traduziria em um distanciamento entre o pesquisador e sua pesquisa e principalmente entre o pesquisador e o colaborador da pesquisa.

Bogdan e Biklen (1991) dizem que os levantamentos sociais a partir de pesquisas de abordagem qualitativa são importantes para a compreensão da história da investigação em educação, considerando sua estreita relação com as questões sociais (p. 23). Ainda segundo os autores (Bogdan e Biklen, 1991), há cinco características que são fundamentais para as pesquisas qualitativas, contudo, algumas dessas características são suprimidas de alguma maneira. Essas características são:

i) a constituição do investigador como principal instrumento de coleta de dados em ambiente natural, principal fonte desses estudos; (ii) investigação essencialmente descritiva; (iii) interesse maior pelos processos que pelos resultados ou produtos; (iv) análise de dados que tende a ser realizada indutivamente; (v) e o significado das pessoas investigadas é extremamente relevante. (p. 50)

Minayo (2001) salienta que a pesquisa com abordagem qualitativa se aprofunda nos fenômenos humanos e em suas interferências no ambiente em que atuam, reconhecendo seus significados particulares e individuais. Para Flick (2013), a pesquisa qualitativa está focada nos interesses dos participantes e em seus conhecimentos sobre o fato em estudo.

Convém ressaltar que, embora possuam abordagens diferentes, as pesquisas qualitativas e quantitativas não precisam necessariamente ser percebidas como opostas ou incompatíveis dentro de um mesmo trabalho. Ao contrário, as duas abordagens juntas podem agregar valor às informações e dados coletados, uma vez que ambas apresentam subsídios que podem reforçar dados valiosos no entendimento das informações apresentadas.

A abordagem de pesquisa sob a perspectiva qualitativa permite ao pesquisador entender as particularidades do processo tendo um olhar holístico sobre os fenômenos. O que de fato se pretende é dar visibilidade aos procedimentos de construção de saber e às práticas exercidas nas atividades diárias dos professores, abraçando sua experiência particular como única. Além disso, a pesquisa com abordagem qualitativa permite uma relação de coautoria entre o pesquisador e o pesquisado, abrindo a possibilidade de se estabelecer entre eles um vínculo que será valioso durante toda a pesquisa. Para Bogdan e Biklen (1991) as pesquisas qualitativas permitem “uma compreensão interpretativa das interações humanas” (p. 53)

Sobre a pesquisa qualitativa em educação, é importante lembrar ainda que o pesquisador deve estar sempre atento à qualidade e ao rigor, tanto técnico quanto metodológico, durante todo o processo da pesquisa. Gatti (2006) apresenta que essa preocupação com o rigor deve ser considerada por todos, sendo os processos e métodos reavaliados a todo tempo, independentemente de a pesquisa estar sendo realizada por jovens pesquisadores ou por profissionais mais experientes.

Uma característica relevante na pesquisa qualitativa é que o pesquisador está preocupado com a compreensão e com o ponto de vista do colaborador. No caso especifico dessa pesquisa, nossa intenção é ouvir o professor e perceber conjuntamente com ele como sua identidade profissional vem sendo construída ao longo de sua trajetória pessoal e profissional e como esse percurso o influencia no exercício docente.