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2. DIREITO CULTURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA

2.2 A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA NO

O movimento de institucionalização das políticas culturais ao redor do mundo – materializado na criação do Ministério dos Assuntos Culturais na França, em 1959, bem como em iniciativas de encontros e conferências promovidos pela Unesco entre a década de 1970 e início dos anos 2000 – acontece concomitantemente com a implementação dos projetos de desenvolvimento na América Latina (RUBIM, 2009).

No Brasil, esse processo consubstanciado pelo planejamento de políticas governamentais revelou também um momento de desenvolvimento do capitalismo no país voltado para o fortalecimento tanto de um mercado de bens materiais como de um “mercado de bens simbólicos que diz respeito à área da cultura” (ORTIZ, 1985, p. 81), com reflexos sobre a formulação e implementação de políticas culturais, muitas vezes confundidas com políticas de financiamento artístico.

Há certa convergência entre os estudiosos que os anos 1930 marcaram o início das políticas culturais brasileiras. É nesse momento que a área cultural é organizada com a institucionalização de estruturas capazes de gerir a política pública, entre elas o Instituto Nacional de Cinema Educativo (1936), o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937) e o Instituto Nacional do Livro (1937) (CARMO, 2016).

No período de 1964 a 1984 são criadas as “principais instituições estatais que organizam e administram a cultura nas suas diferentes expressões” (ORTIZ, 1985, p. 85), sendo tanto um período importante no qual se produzem e se difundem bens culturais (que passam a ganhar dimensão nacional) como um momento no qual há forte repressão ideológica quanto às artes e à cultura no país.

A partir de 1975, a ação governamental se intensifica por meio da elaboração do primeiro Plano Nacional de Cultura, da criação da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e da reformulação administrativa da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). No período seguinte, de 1985 a 2002, é criado o Ministério da Cultura (1985); são inseridos os direitos culturais na Constituição de 1988, que prevê seu pleno exercício; e surgem as leis de incentivo fiscal (CARMO, 2016).

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Na Constituição Federal de 1988, os artigos 215 e 216 tratam especificamente dos direitos culturais, assumindo o compromisso de que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” e explicitando que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

No artigo 216-A, destaca-se o compromisso assumido pelo Estado brasileiro no que se refere à democratização dos processos decisórios e de gestão no âmbito das políticas culturais, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012, explicitando ainda os órgãos que compõem o Sistema Nacional de Cultural (SNC):

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.

§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege- se pelos seguintes princípios:

[...]

X - democratização dos processos decisórios com participação e controle social;

XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações;

[...]

§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da Federação:

I - órgãos gestores da cultura; II - conselhos de política cultural; III - conferências de cultura; IV - comissões intergestores; V - planos de cultura;

VI - sistemas de financiamento à cultura;

VII - sistemas de informações e indicadores culturais; VIII - programas de formação na área da cultura; e

IX - sistemas setoriais de cultura. (BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 71, de 29 de novembro de 2012. Acrescenta o art. 216-A à Constituição Federal para instituir o Sistema Nacional de Cultura. In: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 jan. 2017.

A partir de 2003, o Estado brasileiro amplia o conceito de cultura em seus programas e políticas e tenta estimular o debate sobre a concepção de políticas públicas na

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área, por intermédio do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e da realização de seminários e conferências nos diversos níveis federativos que culminam na institucionalização e implementação do Plano e do Sistema Nacional de Cultura, instituído pela Emenda Constitucional nº 71/2012.

O reflexo dessa nova perspectiva de gestão das políticas de cultura pode ser mensurado nos municípios pelo aumento de secretarias exclusivas – de 4,2% em 2006 para 20,4% em 2014 – e pelo número de conselhos municipais de cultura – se em 2006, apenas 17% dos municípios tinham conselho em 2014 esse número subiu para 38,6% (IBGE, 2015a). Esse aumento é acompanhado pela institucionalização de leis de sistemas de cultura, conselhos, planos, fundos de financiamento e pela busca de formação mais qualificada dos gestores (CALABRE, 2009). Desse modo, o Sistema é uma tentativa de institucionalizar e criar políticas permanentes de cultura em todo o país com ampla participação da sociedade civil e com o objetivo de garantir o pleno exercício dos direitos culturais. (CARMO, 2016).

Outro instrumento incluído na Constituição Federal foi o Plano Nacional de Cultura (PNC), sobre o qual trataremos nas páginas seguintes e que se refere a um conjunto de princípios, objetivos, diretrizes, estratégias e metas que devem orientar o poder público na formulação de políticas culturais por um período de dez anos. Ele está previsto no artigo 215 da Constituição e foi criado pela Lei nº 12.343 de 02 de dezembro de 2010, sendo sua criação resultado de um processo de discussões em fóruns, seminários, conferências e consultas públicas, sob a supervisão do CNPC.