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3. PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DELIBERAÇÃO ONLINE NAS POLÍTICAS DE

3.3 LIMITES E PERSPECTIVAS DA DEMOCRACIA DIGITAL NAS

3.3.4 Análise do processo discursivo nas fanpages

A análise do processo discursivo proposta por Dahlberg (2002) e descrita no modelo de apreensão deliberativa de Sampaio (2012) foi uma das etapas que mais nos despertou a atenção nesta investigação sobre democracia digital.

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Inicialmente, cabe destacar que muitas páginas criadas para discussão de políticas públicas e selecionadas neste estudo foram alimentadas apenas por um ou dois anos, como é o caso da SOS Cultura Santa Maria – DF, Rede de cultura Planaltina DF e Prefeitura de

Brasília, sendo esta última uma página de caráter humorístico.

Logo no primeiro tópico de análise do processo discursivo, tematização e crítica

racional (DAHLBERG, 2002), observamos comportamentos curiosos no processo de

discussão de políticas culturais pela internet. Nas fanpages de fóruns administradas por

actantes da sociedade civil, por exemplo, observamos que os tópicos iniciados pelos

administradores das páginas não costumam ser debatidos criticamente no canal, há baixa reciprocidade e a comunicação é basicamente monológica, com apenas algumas reações de demonstração de sentimento quanto ao conteúdo da publicação. Embora as mensagens alcancem certa quantidade de pessoas interessadas na discussão dos temas ali propostos, as postagens não costumam ser comentadas e, quando são, não estão apoiadas em argumentos ou fatos, ficando os comentários apenas no nível posição.

A exceção que observamos a esse padrão das páginas administradas por actantes da sociedade civil foi a fanpage Urbanistas por Brasília, onde a interação é intensa e nos comentários, além de posição há justificação interna e externa, ou seja, os usuários utilizam tanto valores, histórico e testemunhos pessoais para apoiar seus argumentos como fontes externas, dados, notícias e conhecimento técnico, dado que boa parte dos seguidores da página é arquiteto ou urbanista.

Entre as páginas administradas por entes do poder público, a fanpage Governo de

Brasília também fugiu do padrão de baixa interatividade e reciprocidade registrado na

maior parte das fanpages, tendo sido observada alta interação e continuidade nos debates, com justificação interna na maior parte dos comentários.

No que se refere ao critério reflexividade (DAHLBERG, 2002), observamos que tanto nas páginas administradas por actantes da sociedade civil como nas fanpages gerenciadas por entes do poder público os comentários de publicações com os temas selecionados seguiram para a persuasão (JENSEN, 2003) a partir dos tópicos iniciados pelos administradores e, em alguns casos, a partir de comentários de outros participantes da fanpage. Uma possível explicação para tal comportamento pode estar em algo que foi repetido por diversos actantes na etapa de entrevistas, ocasião em que disseram optar por seguir fanpages com as quais têm afinidade ideológica. Dessa forma, foram registrados

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poucos casos de radicalização, mas também poucos casos de progresso na troca de mensagens, sem indicação de que o debate provocou algum tipo de reflexão dos participantes.

Dentro do critério ideal role Taking (DAHLBERG, 2002), que envolve a escuta e a atenção às colocações dos outros participantes, pudemos observar que, em geral, não há continuidade nos tópicos iniciados pelos administradores e nos comentários, que são poucos se comparados à quantidade de seguidores das fanpages. Na maior parte dos comentários, há respeito implícito e alguns casos de respeito explícito em fanpages administradas por actantes da sociedade civil, mas também foram registrados casos de mensagem sem respeito no nível rude, ou seja, com ofensas e ironias, porém sem registros consideráveis de discursos de ódio ou ataques a princípios democráticos.

No que se refere a inclusão e igualdade discursiva (DAHLBERG, 2002), cabe destacar que o Distrito Federal possui uma das maiores taxas de acesso a internet do país. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2015 (IBGE, 2015) apontou que em 86% dos domicílios no DF há acesso a internet banda larga fixa e em 48,9% há acesso a banda larga móvel. Os números estão acima da média nacional, onde 77,1% dos domicílios têm conexão por banda larga fixa e 43,5% têm acesso à banda larga móvel.

Ainda em atenção ao aspecto igualdade discursiva, observamos que em muitas

fanpages, sobretudo nas páginas administradas por actantes da sociedade civil, há usuários

ou participantes que dominam as discussões, sendo mais atuantes na publicação de comentários e obtendo maior retorno de outros seguidores que os demais. Não fica claro na observação do comportamento digital a que se deve tal diferença, mas a partir da observação de reuniões, do contato com movimentos culturais da região e por meio das entrevistas realizadas com actantes seguidores e administradores de fanpages foi possível observar a valorização dos actantes do segmento cultural a aspectos como reconhecimento público, histórico pessoal, capacidade de articulação política e atuação em encontros presenciais com outros actantes das redes, mostrando que há dentro delas diferenças de força entre as conexões, com elos mais fortes e elos mais fracos.

Por fim, analisando o critério autonomia do Estado e do poder econômico (DAHLBERG, 2002), observamos que embora as páginas estejam hospedadas na plataforma de uma corporação privada e o conteúdo nas fanpages selecionadas neste

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estudo, em alguns casos, seja administrado por actantes da sociedade civil e, em outros, por entes estatais, há registros de alta e baixa deliberatividade em ambas. Em algumas páginas, como relataram entrevistados, o respaldo para a discussão está justamente na ausência do poder institucional, e em outras o debate é fomentado pela possibilidade de resposta do Estado, como na fanpage do Governo de Brasília.