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A construção de saberes docentes no processo formativo

4 REFLEXÕES NECESSÁRIAS SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE

4.3 A construção de saberes docentes no processo formativo

Há que se reconhecer o professor como sujeito de um fazer e um saber. O professor como sujeito da prática pedagógica, que centraliza a elaboração crítica (ou a-crítica) do saber na escola, que mediatiza a relação do aluno com o sistema social, que executa um trabalho prático permeado por significações — ainda que concretizado numa rotina fragmentada.

(DIAS-DA-SILVA, 1998)

Um aspecto pontual relacionado ao eixo temático da formação docente é identificar/compreender quais são os saberes necessários a alguém que está em processo de se tornar professor. É a partir desse reconhecimento inicial que se torna possível constatar quais são os conhecimentos essenciais que devem ser despertados e desenvolvidos ao longo dos processos inicial e contínuo de

formação docente. Mais do que oferecer suporte teórico, os cursos de formação de professores precisam enfatizar os saberes práxicos que a atividade docente envolve. Sendo assim,

[...] espera-se da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano (PIMENTA, 1999, p. 18).

Foge ao nosso objetivo esgotar a investigação de como os saberes docentes são desvendados e compreendidos pelos diversos pesquisadores e pesquisadoras da temática. Portanto, optamos por selecionar apenas alguns dos principais estudos na área, já que nos interessa traçar um panorama geral acerca de quais são os saberes mais frequentemente identificados como fundamentais à prática pedagógica.

Tardif (2002), em contraposição a referenciais que concebem os saberes docentes como de natureza estritamente cognitiva, visando ao repasse de conteúdos prontos e acabados, aponta as dimensões subjetiva e intersubjetiva como intrínsecas à construção destes saberes. Ele afirma que

[...] o saber dos professores [...] está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares [...] (TARDIF, 2002, p. 11).

Evidenciando o caráter individual e social dos saberes docentes.

Nesse sentido, Tardif (2002) reconhece os saberes docentes como históricos e temporais. Isso significa que a forma como tais saberes são colocados em prática depende da história de vida e da trajetória acadêmica e profissional de cada docente. Sendo assim, na medida em que o professor vai construindo seu percurso como educador e sua identidade docente, os saberes consolidados inicialmente vão se modificando, num movimento de contínua

ressignificação.

Partindo desse ponto de vista e salientando a pluralidade dos saberes docentes, Tardif (2002) declara que estes podem ser compreendidos dentro de quatro esferas: 1- saberes da formação profissional, referentes aos conhecimentos acadêmicos adquiridos nos cursos de formação profissional, 2- saberes disciplinares, que dizem respeito às diversas áreas do conhecimento ou disciplinas, tais como História, Física etc. 3- saberes curriculares, correspondentes aos programas escolares, que contêm os objetivos, conteúdos e métodos de ensino e 4- saberes experienciais, oriundos do trabalho cotidiano e da experiência, sendo fundamentais para a elaboração e apropriação dos demais saberes.

Assim, de acordo com o pensamento de Tardif (2002), a ação pedagógica só se torna possível de fato com os saberes experienciais. Ao contrário dos outros saberes, que já chegam para o professor com forma e conteúdo definidos e, por isso, lhes são exteriores, os saberes da experiência possuem um caráter de interioridade, já que são construídos e sistematizados pelo próprio docente em sua atividade habitual, traduzindo seu saber-fazer.

De maneira semelhante, para Gauthier et al. (1998) a ação pedagógica comporta seis saberes complementares: 1- disciplinares, que se refere aos saberes produzidos na forma das disciplinas científicas; 2- curriculares, que são os saberes disciplinares organizados na forma de programas escolares; 3- das ciências da educação, que diz respeito aos saberes específicos da profissão docente e das especificidades da educação; 4- da tradição pedagógica, que trata dos conhecimentos e representações prévias da profissão docente; 5- experienciais, que são os saberes provenientes da experiência individual e particular do professor e 6- da ação pedagógica, que se refere aos saberes da experiência na medida em que são compartilhados, tornando-se públicos e sendo validados no cotidiano da prática escolar.

Segundo Pimenta (1999), os saberes da docência podem ser diferenciados em três dimensões de saberes: 1- da experiência, que se refere ao conhecimento sobre o “ser professor” do ponto de vista do “ser aluno” (antes de se tornar professor, é possível que se tenha uma ideia do que é trabalho docente a partir de experiências anteriores como aluno), bem como ao conhecimento adquirido a partir da reflexão do cotidiano da profissão e das relações estabelecidas, 2- do conhecimento, que corresponde à assimilação dos conhecimentos específicos de cada disciplina de modo reflexivo, abrangente e interdisciplinar, situando tais conhecimentos histórica e criticamente na sociedade contemporânea e 3- saberes pedagógicos, que se referem ao conhecimento da prática social docente (por meio da pesquisa e da observação empírica dos processos de ensino-aprendizagem, da relação professor-aluno, das dificuldades e desafios vivenciados pelos atores nos diversos contextos escolares reais) como ponto de partida e de chegada para a ação pedagógica.

Para Chakur (2009), o papel do professor não deve se reduzir apenas a dar aula. Mais do que dominar os conteúdos, o professor deve possuir algumas habilidades e condutas fundamentais ao trabalho docente. Entre as habilidades necessárias, duas são destacadas pela autora: 1- técnico-pedagógicas, que dizem respeito à organização didádico-pedagógica das aulas/disciplinas, incluindo a elaboração de objetivos de ensino e formas de avaliação e 2- psicopedagógicas, que se referem à capacidade de desenvolver uma profícua relação educador- educando, a partir do conhecimento do perfil e das características dos grupos de alunos.

Em relação às condutas necessárias ao docente, quatro são apontadas: 1- responsabilidade social; 2- compromisso político, que se refere à motivação em lutar por transformações sociais em prol da diminuição das desigualdades; 3- engajamento na rotina institucional, que diz respeito ao cumprimento das obrigações/deveres inerentes à docência (preencher diários de classe, cumprir

horários estabelecidos etc.) e 4- investimento na própria formação, que se refere à formação continuada (CHAKUR, 2009).

Em sua obra Pedagogia da autonomia, Freire (1997) subdivide, em três capítulos, uma série de exigências inerentes ao processo de educar. Essas exigências podem ser reconhecidas como saberes, habilidades e condutas necessárias ao educador em sua atividade profissional. No capítulo 1, denominado “Não há docência sem discência”, as exigências discutidas são: rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição à discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento e assunção da identidade cultural.

O segundo capítulo, “Ensinar não é transferir conhecimento”, trata das exigências: consciência do inacabado, reconhecimento de ser condicionado, respeito à autonomia do ser do educando, bom senso, humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores, apreensão da realidade, alegria e esperança, convicção de que a mudança é possível, curiosidade. Já na terceira parte, intitulada “Ensinar é uma especificidade humana”, estão em destaque as seguintes exigências: segurança, competência profissional e generosidade, comprometimento, compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, liberdade a autoridade, tomada consciente de decisões, saber escutar, reconhecer que a educação é ideológica, disponibilidade para o diálogo, querer bem aos educandos (FREIRE, 1997).

Em síntese, observamos que aspectos relacionados à

experiência/cotidiano do professorado, ao engajamento sociopolítico, às

habilidades didático-pedagógicas e ao conhecimento disciplinar ou

historicamente acumulado são os mais destacados. O levantamento dos saberes docentes evidenciados como indispensáveis à ação pedagógica nos permite traçar um panorama de aspectos relevantes que devem ser levados em

consideração na elaboração dos currículos de formação docente.