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Elementos do currículo nulo/silenciado

5 PROBLEMATIZANDO A FORMAÇÃO DOCENTE NA UFLA

5.4 Elementos do currículo nulo/silenciado

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Os silenciados não mudam o mundo.

Paulo Freire

No intuito de atender ao segundo objetivo específico delineado, a saber, identificar elementos do currículo nulo/silenciado, observamos que assuntos de relevância pedagógica deixaram de ser contemplados nos documentos oficiais da UFLA. Não temos a pretensão de listar todos os temas que ficaram silenciados, até porque nem temos consciência de muitos deles, já que fazemos parte de uma cultura hegemônica que delimita muitas possibilidades de conhecimento que ficam subjugadas num plano invisível, como bem nos lembra Santos (2007).

Por maior que seja nosso esforço e “vigilância epistemológica” (SANTOS, 2007, p. 94), inevitavelmente, deixamos de contemplar ou mesmo de enxergar muitos fenômenos que nos são negados pela imposição cultural hegemônica. Portanto, inspiramo-nos em Boaventura de Sousa Santos que, humildemente declara: “[...] estou muito preocupado com o que não vejo, agora, em minhas teorias: quais são as ausências que não estou enxergando? Quais são as emergências que não estou valorizando no meu trabalho?” 18 (SANTOS, 2011, p. 21, tradução nossa).

Para reconhecer alguns dos elementos silenciados nos documentos

18

Trecho original: […] estoy muy preocupado por lo que no veo, ahora, en mis teorías: ¿cuáles son las ausencias que no estoy mirando? ¿Cuáles son las emergencias que no estoy valorando en mi trabajo?

analisados, retomaremos a discussão tecida no tópico 4.3 A construção de saberes docentes no processo formativo. Por meio de pesquisa bibliográfica, identificamos diversos saberes considerados por pesquisadores da área educativa como necessários à atividade profissional docente. Entre os saberes mais evidenciados estão os relacionados à experiência/cotidiano do professorado, ao engajamento sociopolítico, às habilidades didático-pedagógicas e ao conhecimento disciplinar ou historicamente acumulado.

Cabe ressaltar que, como o PPI e o PDI não são propriamente currículos de formação docente e, enquanto documentos oficiais de uma universidade, se aproximam mais de currículos institucionais, não é de se esperar que eles se atenham com afinco a esses saberes docentes. Mas, na medida em que tais saberes são comprovadamente importantes e inerentes a uma formação docente satisfatória, espera-se que eles estejam associados, de alguma forma, aos sentidos encontrados.

Percorrendo as categorias e sentidos identificados na análise do PPI e do PDI da UFLA, percebemos que questões referentes à experiência/cotidiano do professorado, às habilidades didático-pedagógicas e ao conhecimento disciplinar ou historicamente acumulado são contempladas. Algumas habilidades valorizadas como importantes de ser desenvolvidas pelos docentes internos evidenciam isso. Relacionada à experiência/cotidiano do professorado e às habilidades didático-pedagógicas, a UFLA reconhece e estimula o engajamento com a prática pedagógica e a habilidade de relacionamento interpessoal. Já com relação ao conhecimento disciplinar ou historicamente acumulado, identificamos que a UFLA valoriza a produção de conhecimento e a elaboração de pesquisas.

Porém, sentimos falta de referências ao engajamento sociopolítico, no sentido do compromisso em lutar por transformações sociais em prol da diminuição das desigualdades, habilidade que exige criticidade e integra a dimensão da luta em defesa dos direitos dos educadores. Esse é um elemento

silenciado nos documentos analisados, que parecem ignorar a necessidade de se formar professores mais críticos e reflexivos como condição para a melhoria dos processos educativos.

De certo modo, já suspeitávamos do silenciamento dessa dimensão no PPI da UFLA justamente pelo uso da nomenclatura Projeto Pedagógico Institucional (PPI), ao invés de Projeto Político Pedagógico Institucional (PPPI). A questão política já estava silenciada na denominação do documento. Averiguamos em documentos oficiais do MEC que as próprias instâncias governamentais utilizam a nomenclatura Projeto Pedagógico Institucional, suprimindo o caráter político que um projeto dessa natureza deveria apresentar, se pensarmos a educação a partir de uma concepção histórico-crítica (SAVIANI, 2008).

Porém, como coexistem diversas maneiras de interpretar e compreender o fenômeno pedagógico, há abordagens de cunho conservador que prescindem da ação política na educação. Nesse sentido, identificamos que os projetos epistemológicos para a educação no âmbito do MEC e de grande parte das instituições brasileiras que seguem à risca suas diretrizes são de cunho conservador, o que consideramos ser uma questão extremamente problemática para a educação e a sociedade, quiçá seu maior desafio.

Pode-se dizer que a dimensão do engajamento sociopolítico, além de silenciada, encontra-se encoberta, já que, nos documentos, é possível detectar trechos onde aparecem elementos como reflexão e criticidade, conforme se vê no excerto: “Objetiva-se, assim, colaborar para que se construa uma comunidade docente engajada na discussão da prática pedagógica, tendo como alicerce orientador a reflexão crítica do processo de ensino-aprendizagem” (UFLA, 2010, p. 17).

Apesar de a expressão reflexão crítica ter despontado nesse trecho, a maioria expressiva dos documentos evidenciam a educação numa perspectiva

tecnicista e apontam a UFLA numa ótica empresarial. Nesse contexto, Silva (2005, p. 81) nos revela que “[...] numa era neoliberal de afirmação explícita da subjetividade e dos valores do capitalismo, não existe mais muita coisa oculta no currículo. Com a ascensão neoliberal, o currículo tornou-se assumidamente capitalista”.

Ao longo de ambos os registros institucionais, está explicitada a preocupação com a capacitação de docentes nos âmbitos de doutorado, pós- doutorado, educação a distância e pedagógico, mas não há qualquer menção à questão do engajamento sociopolítico. A inclusão desse aspecto é descartada mesmo na capacitação pedagógica, que é vista pela instituição como passível de ser realizada por meio da aplicação de técnicas, haja vista que uma das ações elencadas visando à melhoria da qualidade do ensino é “preparar cursos de práticas pedagógicas com o auxílio dos docentes do Departamento de Educação” (UFLA, 2010, p. 65). Sobre esses cursos sugeridos pelos departamentos pedagógicos das universidades em função de remediar a defasagem didático- pedagógica dos professores, Behrens (2007, p. 440-441) aponta que:

Num primeiro momento, as instituições educacionais procuram ofertar os cursos e as palestras estanques, principalmente no inicio do ano letivo, mas poucas são as instituições que desenvolvem um programa contínuo de formação de professores. Acreditam que estes momentos isolados resolvem esta problemática. No entanto, a experiência vivenciada por trinta anos com os professores universitários permite afirmar que os pequenos e poucos encontros não subsidiam o preparo e a mudança da prática pedagógica.

Negligenciar o engajamento sociopolítico como aspecto da formação docente é entender a qualificação do professor em termos de treinamento e capacitação, adjacências que designam um modelo de instrução conservador e tecnicista, que prioriza a transmissão de conteúdos, como já observamos e debatemos na seção anterior. Abrir mão dessa dimensão significa também fechar

os olhos para as mudanças que a sociedade precisa e atestar que só precisamos nos ajustar a ela, uma vez que sem o caráter político, a educação passa a ter a função de conformidade e adaptação.

Silenciar o engajamento sociopolítico na formação docente significa privar os professores do conhecimento não de uma questão apenas. Significa destituir a educação do seu sentido fundamental e impedir os professores de terem acesso a outras inúmeras questões que partem de uma formação crítica e questionadora.

5.5 Relações entre a crise ambiental e suas formas de expressão nas bases