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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

3.4 A construção social da realidade

É no surgimento das formas mais tensas de reflexão e ação que se dá a construção da realidade. Essa, de acordo com Berger e Luckman (2003), é uma construção, na qual as instituições são movidas por suas forças e relações de poder, incorporam-se à experiência do indivíduo por meio atitudes, linguisticamente,

23 O termo Tigres Asiáticos ou Quatro Tigres Asiáticos refere-se às economias desenvolvidas, Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan.

objetivadas. Essas instituições são o ingrediente essencial para a formação das representações sociais.

Nesse estudo, Berger e Luckman (2003), defendem que a realidade é construída, socialmente, de modo que a sociologia do conhecimento tem a tarefa de analisar de que forma isso acontece. Para isso, são analisadas as relações entre o pensamento humano e o contexto, por meio do qual esse pensamento surge, tendo por finalidade a tarefa de ocupar-se com o que os homens “conhecem” como “realidade” em sua vida cotidiana.

Os autores enfatizam que o dia a dia não é feito de teorias. Isso porque a realidade existe alheia à vontade dos indivíduos e é entendida, no campo sociológico, como o conjunto de fatos que acontecem no mundo, independentemente, da vontade do indivíduo. No entanto, o conhecimento é formado, quando essa realidade é vista e percebida pelos homens comuns sob diferentes prismas.

Dessa forma, entendo que o foco central da sociologia do conhecimento está voltado para o conhecimento do senso comum e não das ideias. Para Berger e Luckmann (2003, p. 30), “é esse tipo de conhecimento que compõe os significados sem o qual sociedade alguma existiria. A sociologia do conhecimento, portanto, deve tratar da construção social da realidade”. Nesse enfoque, as questões referentes à “realidade” e ao “conhecimento” são imprescindíveis, uma vez que a pesquisa focaliza, também, a relação entre linguagem e sociedade, cujo diálogo com a Sociologia é imprescindível.

Por isso, reitero, com base nesses autores, que a vida cotidiana é experimentada em diferentes graus de aproximação e distância, espacial e temporalmente. Portanto, a vida cotidiana está mais próxima e diretamente acessível à manipulação. Eis o porquê da pluralidade de comportamentos. Nesse caso, o mundo está ao alcance, onde atuamos para modificar a realidade da qual temos consciência e o conhecimento que temos dela, sendo isso um produto da sociedade.

Ao confrontar a RS, concebida por Moscovici (2004), como um conjunto diverso de ideias que surgem na relação diária entre as pessoas e a construção da realidade social, defendida por Berger e Luckman (2003), sob a perspectiva da sociologia do conhecimento, entendo que devido à natureza, tendencialmente, social, parece-me pertinente afirmar que uma dimensão contribui com a outra. A

sociologia do conhecimento se ocupa da análise da relação entre o que o homem pensa e vê, como realidade em todos os processos da vida humana.

Desse modo, fazendo uma interseção entre os conceitos apresentados, destaco que a realidade da sociedade vai além do que é proposto como conhecimento para ela. Por isso, em Timor-Leste, as RS são os comportamentos linguísticos que evidenciam, em maior ou menor proporção, estereótipos e preconceitos arraigados.

Além disso, existe uma brecha na política linguística vigente, que entra em conflito com as políticas populares implícitas ou explícitas. Das políticas explícitas fazem parte algumas posturas que veem a política atual como parte de um projeto mais neocolonialista que inclusivo. Surgem os sentimentos resultantes dos dois períodos opressores, nos quais o Português teve acesso ora elitizado, ora proibido.

Em contrapartida, percebo um caráter de política popular de língua, na frase “Fala bem, fala mal, tem que falar”, que vem se popularizando em Timor-Leste. Essa frase tem sido parte do discurso de diferentes esferas da sociedade, sobretudo, nos encontros entre os falantes de comunidades de LP e os das novas gerações. A esse discurso, há outra crença construída socialmente de que “o Português é a janela de Timor-Leste para o mundo”. Em várias oportunidades de participação nesses eventos, tive algumas percepções sobre vários aspectos, entre esses a relação com a diferença entre as faixas etárias, o que pressupõe que os sujeitos, atualmente, assumindo as mais altas posições, entregarão suas pastas aos mais jovens. Trata-se de um tópico discutido, constantemente, entre os membros do governo e a população. Há uma preocupação com o futuro da nação, a qual é demonstrada claramente, o que inclui a suposta pressão para aprender a LP. Ao mesmo tempo em que essa língua não é falada pelos países vizinhos, ela permite acesso imediato aos países da CPLP. Recordo-me do relato de um dos bispos da diocese da segunda maior cidade do país (Baucau), em um encontro com seis professores brasileiros. Na ocasião, ele disse: “[n]ós, timorenses, somos conscientes da nossa pequenês. Se os indonésios e os australianos resolverem, com perdão da palavra, urinar ao mesmo tempo, nós morreremos inundados; com a LP, isso se torna difícil”. A visão da Igreja pode ter dificultado a inclusão do Inglês, como uma das línguas oficiais. Correntes de pensamento defendem que uma possível oficialização do Inglês aproximaria mais a Austrália, que passaria a auxiliar as novas gerações de Timor-Leste, muito mais intensa do que atualmente. Afinal, são países vizinhos,

mas polêmicos. Os dois países enfrentam conflitos, às vezes, acirrados, relacionados a direitos e deveres sobre as reservas de petróleo que estão na área do mar de Timor.

No capítulo 4, as representações sociais da LP são apresentadas e discutidas.

4 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA EM