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A construção de uma psicosfera modernizadora e as articulações contra hegemônicas

Mapa 9 – Fluxos comerciais e de serviços especializados ofertados pelas cidades do agronegócio

5.4 A construção de uma psicosfera modernizadora e as articulações contra hegemônicas

Entendemos que a constituição da tecnosfera nas cidades do agronegócio nos Cerrados MATOPIBA se dá de forma concomitante ou mesmo posterior ao surgimento de uma psicosfera, que “colabora para que seja atribuída a correta relevância à relação entre técnica e cultura no debate da modernidade brasileira” (RIBEIRO, 1991, p.49), e assim viabiliza o aprofundamento da agricultura científica globalizada e a especialização das atividades não agrícolas presentes nas cidades, a partir da cristalização de novas formas geográficas, normas e um conjunto de valores que imprimem novas dinâmicas territoriais ao lugar. Conforme Kahil (2010), a criação de novos valores e normas são importantes para a inserção da racionalidade hegemônica nos lugares, tal construto ganha maior relevância no período técnico-científico- informacional, quando a atuação das multinacionais se faz de forma mais intensa no território, ou seja, a elaboração de discursos carregados de intencionalidades forma uma psicosfera que viabiliza o uso corporativo dos lugares. Como assevera Santos (2009, p.50),

As necessidades de informação, inerentes à presença do meio técnico- científico e exigidas por sua operação, fazem com que, ao mesmo tempo em que se instala essa tecnoesfera, haja a tendência paralela à criação de uma psicosfera (SANTOS, 1988a) fortemente dominada pelos discursos dos objetos, das relações que os movem e das movimentações que os presidem. [...] A psicosfera também faz parte desse meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras objetivas da racionalidade ou do imaginário, palavras de ordem cuja construção frequentemente é longínqua.

No caso das cidades do agronegócio, a psicosfera da modernização é sustentada e mesmo legitimada a partir dos discursos/ideologias que rotulam o agronegócio como atividade econômica propulsora do “desenvolvimento” da cidade, trazendo consigo todo o espírito de nossa época, que é marcado pelos imperativos de competitividade, fluidez de mercadorias e informações, e de exportação, ou seja, toda a carga de racionalidade que sustenta o capitalismo no atual estágio de globalização. São as forças externas agindo no interno. Tal situação é construída pela elite dirigente, seja através da criação de leis ou pelos pronunciamentos feitos por prefeitos e vereadores dessas cidades.

A condição de mistificação regional e manipulação social, em nosso entendimento, perpassa a constituição de uma psicosfera que pode ser perceptível na narrativa da elite dirigente local, como pode ser apreendido nas seguintes citações:

Estamos entusiasmados com a grandiosidade econômica e com a abrangência regional e territorial deste projeto (PDA-MATOPIBA), que

certamente vai permitir a geração de muitos postos de trabalho e renda neste setor, o agronegócio, que é um importante gerador de riquezas para o Brasil consequentemente para nosso povo. (PORTO NACIONAL, 2015b, grifo nosso). (prefeito de Porto Nacional, Otoniel Andrade)

Segundo Humberto Cruz (prefeito de LEM), o município de Luís Eduardo Magalhães está pronto e faz questão de participar deste grandioso e instigante desafio que é a consolidação do Matopiba. “Tenham certeza de que nós vestimos a coragem e carregamos conosco, sempre, o compromisso com o bem comum”, comentou. (SIGIVILARES, 2015, grifo nosso).

A cidade (Bom Jesus) respira o progresso. Localizada em uma área geográfica privilegiada, o vale do Gurguéia, a economia é tocada pelo comércio e serviços, boa parte consequência dos avanços no agronegócio. (PREFEITURA DE BOM JESUS, 2015, grifo nosso)

Percebe-se que o discurso é balizado pela exaltação do projeto modernizador, que é a criação da região do MATOPIBA como ferramenta de planejamento Estatal e viabilizadora da expansão do agronegócio. Há a exaltação do agronegócio e de como essa atividade promove a “riqueza” e emprego para população nessa porção do território. Propagam-se discursos que evidenciam apenas o crescimento econômico promovido pelo agronegócio globalizado, negligenciando a outra face dessa relação que é a produção da desigualdade e da pobreza. Assim, alimenta-se uma psicosfera da globalização como fábula (SANTOS, 2001), onde são apresentadas as “vantagens” que o agronegócio pode oferecer, bem como o encantamento que o crescimento econômico pode trazer para alguns.

As empresas que controlam a atividade agrícola moderna cooperam para o fortalecimento deste tipo de discurso, aliás estes atores hegemônicos são os principais formuladores desta ideologia. Encontramos o pronunciamento de representantes dessas firmas, notoriamente as tradings, cujo teor discursivo está baseado na velha ideia que a instalação da empresa promoverá a oferta de vagas de emprego, e com isso proporcionará o crescimento econômico de forma harmônica com a sustentabilidade ambiental e com o compromisso social. Parece nos que esta psicosfera perfila-se como uma estratégia de aproveitamento da condição de escassez que essa região possui (bem como o restante do país), devido a distribuição desigual da densidade técnica e normativa, bem como o acesso restrito da população ao consumo de bens e produtos. Diante desta situação de escassez as corporações apresentam-se como “salvação” à população local, a partir da dinamização da vida econômica nos lugares86.

86 Conforme Pereira (2013), a psicosfera empresarial balizada pelo discurso de responsabilidade social

torna-se mais delineada na década de 1990, com a corporificação do Estado mínimo, em que a ação Estatal dá-se de forma seletiva na atividade política e econômica. De tal modo “o papel de regulador (do

Uma das táticas de fortalecimento dessa ideologia, dá-se através de construção de projetos sociais, fundamentalmente em lugares que são importantes para a construção da opinião social, as escolas de nível básico. Observamos tradings como a CHS e a Agrex do Brasil desenvolvendo projetos “educativos” nas escolas da região do MATOPIBA (Imagem 6).

Imagem 6 – “Desenvolvimento social” da CHS no Piuaí

Fonte: CHS NOTÍCIAS (2015)

A Agrex tem buscado desenvolver atividades junto à comunidade nos locais próximos das áreas de atuação, principalmente nas fazendas de produção própria. Temos hoje uma aproximação com 3 escolas: uma em Batavo, município de Balsas (MA), outra no interior do município de Ribeiro Gonçalves (PI) e uma ação mais recente com a Escola do Povoado de Apinajé no município de São Valério da Natividade (TO). Com isso, estamos buscando maneiras dos alunos conhecerem nossa atividade através de visitas nas áreas de produção. Tais visitas são guiadas e dentro das regras quanto à segurança dos alunos e professores, pois elas são realizadas durante nossa operação. (AGREX DO BRASIL 2016).

Outro exemplo desse discurso de crescimento econômico, a partir do agronegócio, conciliado com o compromisso social e ambiental pode ser verificado pelo grupo Risa.

Estado) é transferido em parte para as empresas que coordenam sob a lógica da competitividade o que deve e o que não deve ser considerado interesse social” (PEREIRA, 2013, p.151).

A RISA não tem apenas o objetivo da maximização dos seus lucros, e está sempre disposta a contribuir com a mudança de quadros que complicam o

desenvolvimento de processos de caráter social, abarcando os segmentos da

educação e do meio ambiente, a partir da criação de espaço para diálogos com organizações interessadas em implementar projetos que defendam a

preservação de ecossistemas e outros interesses da natureza. (RISA, 2016,

grifo nosso).

Estes discursos de modernização via agronegócio estão presentes nas ações, bem como nos objetos – já que são embutidos de intencionalidades, que acabam seduzindo e se inserindo no cotidiano da população que habita as regiões competitivas agrícolas, através dessas ações corporativas de “responsabilidade social”, assim como pela narrativa dos políticos e dos meios de comunicação. Conforme Santos (1994, 2002), o cotidiano pode ser compreendido como a quinta dimensão do espaço, visto que o cotidiano se dá no lugar, e, é no lugar que as possibilidades, as oportunidades, os eventos, do mundo se realizam e se tornam história concreta, “no lugar – um cotidiano compartimentado entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperações e conflito são a base da vida comum” (SANTOS, 2002, p.322). Destarte, o cotidiano pode ser definido como

[...] resultado de todo o conjunto de práticas concretas e virtuais que se dão num lugar específico, comportando certo ritmo de sucessão das ações, encadeadas por rupturas e repetições demarcadoras de múltiplas temporalidades (técnica, naturais, políticas, normativas globais, locais, etc.). (BALBIM, 2003, p.157).

As cidades avaliadas no MATOPIBA são comumente consideradas como “capitais do agronegócio” ou “polos do agronegócio”, uma forma de representar a pujança e o “ímpeto” dessas cidades na gestão das práticas produtivas agrícolas e não agrícolas de forma competitiva em âmbito local/regional. Esta repetição discursiva (disseminada pelos meios de comunicação) atinge parcela da população que incorpora esta fabulação do agronegócio como símbolo de modernidade e como sinônimo de desenvolvimento. Outra situação que nos aponta essa psicosfera “modernizadora” que influência no cotidiano dessas cidades, foi averiguado em campo, quando deparamos em diferentes estabelecimentos de Uruçuí (em hotel, lanchonetes, restaurantes e empresas) banners e/ou outdoors com publicidades das empresas que “contribuíram para o crescimento dos Cerrados” (Foto 4).

Algumas das empresas presentes nestas publicidades estão intimamente relacionadas com a atividade agrícola moderna87. Há nessas publicidades a exaltação do agronegócio como

87 Lavronorte (revendedora Jonh Deeere), Risa S/A, Agrobahia, Grupo MAPITO (compra e venda de

promotor do crescimento dos Cerrados, e em todos os outdoors há imagens de satélites dos principais municípios produtores de commodities do Sudoeste do Piauí (Uruçuí, Baixa Grande do Ribeiro e Ribeiro Gonçalves), com a delimitação das grandes fazendas produtoras de grãos, bem como a unidade processadora da Bunge em Uruçuí. Percebe-se a relação dialética entre a psicosfera e tecnosfera, e vice-versa, para a conformação de uma situação geográfica marcada pelo aprofundamento da especialização territorial produtiva de commodities.

Foto 4 – Psicosfera da modernização nas publicidades em Uruçuí – PI

Autor: SOUZA, G.V.A. (maio, 2016)

Elias (2003, p.193), apoiada em Santos (1979c), afirma que: “Toda atividade do circuito superior da economia urbana utiliza o marketing como instrumento de transformação de hábitos e costumes, para conseguir erigir novas demandas e aumentar seu mercado consumidor”. Uma das formas mais expressivas de exaltação do consumo produtivo é

estabelecida nas feiras do agronegócio88, que se configuram como “vitrines” de divulgação de modernos objetos técnicos, considerados como indispensáveis para tornar a atividade agrícola ainda mais competitiva. Estes eventos são importantes dinamizadores do circuito superior da economia urbana (SANTOS, 2007b), colaborando para a construção de um imaginário de quão modernas tecnicamente são as regiões produtivas que realizam estas feiras comerciais.

A presença de sulistas nestas cidades é marcante, e isso pode ser apurado quando encontramos supermercados com nomes bastantes sugestivos, tais como Catarinense e Paraná (caso encontrado em Porto Nacional), ou inúmeras empresas como Tchê Imóveis, Autopeças Paraná, Pampa Transportadora, entre outros – nas cidades do agronegócio. Além disso, há oferta de produtos que são voltados para atender o consumo consumptivo das pessoas que vieram do sul do país, como erva mate, cuia e bomba para chimarrão. Os migrantes de outras regiões do país estabelecem no lugar um novo conjunto de valores, consumo, hábitos, sotaques, pensamentos e discursos89.

Os gaúchos, como são conhecidos pela população nordestina e nortista, possuem o espírito mais aberto à ideologia hegemônica, e incorporam os discursos de meritocracia e competitividade. Empresas de outras regiões do país instalam-se nos fronts agrícolas do MATOPIBA, e, algumas possuem dificuldades de encontrar trabalhadores com mão de obra “qualificada” ou “colaboradores”/“associados” (como apregoam algumas empresas) com perfil “arrojado”, criativo e competitivo. Além do mais alguns funcionários dessas empresas alegam que a população local é “conservadora”, no sentido de possuírem certa resistência em interagir e estabelecer parceria com quem chega de outros lugares90.

Neste sentido, percebemos um primeiro “choque” cultural que é estabelecido entre o contato da frente de expansão (população local) e a frente pioneira (população de outras regiões), de uma “cultura objetiva e cultura subjetiva [...]” que tornam-se “[...] instrumento da produção de uma nova consciência” (SANTOS, 2002, p.326). São as forças de uma atividade econômica e política – agronegócio representado pela chegada dos “gaúchos”– recente e sobretudo do presente, (re)agindo sob as heranças de um tempo passado. Este embate vem

88 No MATOPIBA há pelo menos quatro grandes feiras do agronegócio, Bahia Farm Show realizada em

Luís Eduardo Magalhães – é considerada uma das maiores do país; Agrotins a maior feira agropecuária da região Norte do país, feita na cidade de Palmas; AgroBalsas, a maior feira do Maranhão que acontece em Balsas; Em Bom Jesus há a realização da Piauí Agroshow.

89 “Matopiba Tchê: a saga dos gaúchos que desbravaram a região”, é um interessante documentário

sobre a chegado dos “Sulistas” no MATOPIBA. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uFsZNENGos8>. Acesso em: 19 out. 2016.

90 Tal situação encontramos em Porto Nacional, quando visitamos um escritório de contabilidade

especializada para atender fazendeiros, esta empresa possui matriz em Bom Jesus do Goiás (GO); e em Balsas, em diálogo com representante de trading, cuja origem é de Uberlândia (MG).

promovendo transformações regionais, culminando em nova (des)organização local no MATOPIBA. Deste modo, “a vida do cotidiano abrange várias temporalidades simultaneamente presentes, o que permite considerar, paralelamente e solidariamente, a existência de cada um e de todos, como, ao mesmo tempo, sua origem e finalidade” (SANTOS, 2001, p.127).

O surgimento de um novo cotidiano nas cidades através da incorporação de uma tecnosfera alinhada à racionalidade hegemônica, bem como a construção de novos valores, não apagam por completo os eventos históricos que precederam o conjunto de ações e objetos que viabilizaram a expansão da agricultura científica globalizada (e todas suas implicações) para o MATOPIBA, é assim que “o espaço aparece como um substrato que acolhe o novo, mas resiste às mudanças, guardando o vigor da herança material e cultural, a força do que é criado de dentro e resiste, força tranquila que espera, vigilante, a ocasião e a possibilidade de se levantar” (SANTOS, 1994, p.16).

No lugar também são estabelecidos os processos de rompimento com as lógicas dominadoras, logo o cotidiano deve ser compreendido como processo de ruptura e de mudanças, e essas mudanças emergem no lugar. É no lugar e por consequência no cotidiano que observamos os limites desta globalização como perversidade, que invade os lugares de forma avassaladora e produz a esquizofrenia territorial. Cotidiano e lugar se fundem, produzem ações e eventos contra hegemônicos, resultados de articulações políticas horizontais e contíguas agenciadas por forças locais.

Assim sendo, é indispensável a construção dos saberes locais (SANTOS, 1999c), alimentados por aqueles que possuem o conhecimento de fato das práticas sociais produzidas no lugar, mas, também, nutridas pelo conhecimento sobre o mundo. Esta relação entre os saberes produzidos em ordem planetária e o conhecimento local é importante para elaboração das ações políticas advindas do cotidiano, já que o mundo se realiza no lugar. Nas palavras de Santos (1999c, p.21), “O sábio local não é aquele que somente sabe sobre o local propriamente dito; tem de saber, mais e mais, sobre o mundo, mas tem de respirar o lugar em si para poder produzir o discurso do cotidiano, que é o discurso da política”.

Como nos ensina Santos (2005), o lugar proporciona uma revanche aos imperativos da globalização como perversidade, demonstrando o papel ativo do território usado e habitado. Uma das manifestações contra hegemônicas, em nosso entender, se dá pela própria organização sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais no MATOPIBA. Os movimentos sindicais, onde tivemos oportunidade de visitar, de forma geral datam de um momento anterior à expansão do agronegócio na região, mas desde a década de 1980 estas instituições civis vêm passando

por processos de reestruturação política, deixando de lado antigas funções de prestação de serviço não relacionados com o movimento de campo (serviços médicos e odontológicos). A partir desta década, os sindicatos assumem um papel mais politizado e comprometido com a causa camponesa, combatendo a expansão da modernização das práticas agrícolas e suas implicações como: a concentração da estrutura fundiária, trabalho análogo à escravidão (escravidão por dívida), grilagem de terras, entre outros.

Outra forma de ação contra hegemônica dá-se através da organização de encontros que fomentam discussões de combate as ações hierárquicas impostas nos Cerrados. Devemos destacar a Comissão Pastoral da Terra (CPT), instituição que vem estabelecendo colóquios com o intuito de divulgar e formular ações contra o agronegócio, incluindo alertas sobre o caráter perverso do PDA-MATOPIBA91. Uma destas articulações efetivadas pela CPT, foi o “Encontro Regional do Povos e Comunidades do Cerrado” realizado em Araguaína (TO) no ano de 2015. Neste encontro, foram reunidas mais de 170 pessoas entre camponeses, povos indígenas, quebradoras de coco, agricultores familiares, geraizeiros, pescadores, entre outros, com objetivo de informar e manifestar sobre o “PDA MATOPIBA e as consequências para os Povos do Cerrado” (CPT, 2015).

Além deste encontro, destacamos o seminário “Perspectivas Populares MATOPIBA”, realizado em 2016 na cidade Bom Jesus (PI), organizado por membros da Universidade Federal do Piauí, PCT, sindicato rural, entre outras instituições de representação civil vinculadas com o movimento rural. O intuito deste seminário foi “ampliar as discussões, fomentando com mais informações a respeito de suas possíveis implicações do Projeto MATOPIBA, principalmente para os grupos sociais que, direta ou indiretamente, serão afetados, como [...] comunidades tradicionais e a população em geral” (

FÓRUM PIAUIENSE, 2016)

. Cabe comentar sobre o seminário “MATOPIBA: conflitos, resistências e novas dinâmicas de expansão do agronegócio no Brasil”, realizado em Brasília (DF) no ano de 2016, organizado pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado. O seminário realizado em Brasília, objetivou-se “estudar, debater e traçar os próximos passos a serem adotados para barrar esse projeto de expansão do Agronegócio que é o MATOPIBA” (CPT, 2016), onde os temas de discussão, bem como os participantes se aproxima com os outros eventos supracitados.

Merece evidência a “III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins”, que aconteceu em Palmas (julho de 2016), com propósito de estabelecer “[...] estratégias para o

91 Ver o documentário “MATOPIBA” produzido por membros da CPT, no qual traz a relação

contraditória da expansão do agronegócio na região, bem como o caráter excludente do PDA. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=A0kBXi3t0Gk>. Acesso em: 15 out. 2016.

enfrentamento desse modelo de desenvolvimento extremamente predador, destruidor, criminoso e genocida que está sendo implantado com euforia e aval do governo e apoiado com recursos públicos” (ADITAL, 2016), que é o PDA-MATOPIBA. Foi denunciado a “morte do MATOPIBA”, a partir do desmatamento dos Cerrados, assoreamento de cursos d’água e a ameaça aos povos dos Cerrados. Este evento contou com a participação de povos indígenas (dez tribos que somaram cerca de 600 pessoas), quilombolas, camponeses, bem como acadêmicos da Universidade Federal do Amazonas e representantes do Ministério Público Federal.

Mais um movimento de contra-ataque as lógicas organizacionais impostas pelos atores que ditam o ritmo produtivo da agricultura científica globalizada, são expressas pelas manifestações socioterritoriais e as ocupações (DATALUTA, 2015), que são organizadas por diversas instituições civis como o Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Liberdade Sem Terra, comunidades quilombolas, tribos indígenas, entre outros. Segundo o Banco de dados da luta pela terra – Dataluta (2015) – entre 2000 e 2014 foram registradas mais de 600 ocupações com a mobilização de quase 95 mil famílias, somente nos estados que compõem o MATOPIBA. Ainda neste mesmo período, houveram mais 1.110 manifestações nos quatro estados que compõem o MATOPIBA, contando com mais de 600 mil famílias (Tabela 12).

Tabela 12 – Manifestações e ocupações nos estados que compõem o MATOPIBA (2000 a 2014)

Estados Manifestações Pessoas Ocupações Famílias

Bahia 625 427.007 500 74.048

Maranhão 270 119.729 52 9.215

Piauí 151 86.123 42 5.519

Tocantins 105 31.704 50 6.158

Total 1.151 664.563 644 94.940

Fonte: Banco de dados da luta pela terra – Dataluta (2015)

Nos parece que essas manifestações de luta no campo configuram-se como um dos elementos que constituem a noção de “projeto”. Ribeiro (2003, p.32), a partir das reflexões de Sartre, compreende a noção de projeto como “[...] portador da força necessária à superação potencial da reificação e da alienação [...] contém a rebeldia da ação, e portanto, contém o princípio de liberdade [...] articula técnica e ação e caracteriza a ação de natureza propriamente política [...]”. Neste sentido as articulações provindas das inúmeras instituições civis de luta contra às ações políticas e econômicas dos atores hegemônicos, apontando para a luta e superação da condição atual imposta à região.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa última seção, produziremos uma síntese do que pode ser constatado na pesquisa que deu origem a esta dissertação, reconhecendo os eventos que propiciaram a reorganização territorial na região do MATOPIBA, a partir da difusão do agronegócio viabilizado pelo Estado brasileiro e pelo setor privado.

Como reconhecemos, nas últimas décadas do século XX houve a ocupação dos fundos territoriais nos Cerrados brasileiros, cuja apropriação das porções do Norte e Nordeste aconteceu principalmente em meados da década de 1980 e 1990, através da expansão dos fronts agrícolas modernos. A partir desse período, observamos nos Cerrados Norte e Nordeste o esforço do Estado brasileiro em dotar esta porção do território de condições materiais para a viabilização da agricultura moderna, sob a ação de inúmeras políticas públicas. O PRODECER