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3 AS POSSIBILIDADES E OS LIMITES CONTEMPLATIVOS DA ESSÊNCIA

3.2 A contemplação da essência divina nesta vida

Para Tomás de Aquino, o homem tende teleologicamente, pelo agir moral, à beatitude. Atualizá-la, quer em forma plena e em definitivo na outra vida quer provisoriamente e de forma imperfeita nesta, por meio da atividade contemplativa, para uma vida superior, pela sabedoria, constitui a realização total de todos os desejos humanos300. Toda a síntese tomista possui

subjacente esse conteúdo filosófico rico e denso em busca do bem supremo. Nesse sentido, o homem como ser criado, na relação criatura e criador, recebe deste, pelo processo de criação, toda a potencialidade para participar, já nesta vida, da fonte primeira e última do ser de Deus. Entretanto, os argumentos utilizados por Tomás para justificar que não é possível alcançar

298 VAZ, 1986, p. 42.

299 1986, p. 42. Grifos do autor. 300 SERTILLANGES, 1951, p. 304.

a beatitude perfeita em toda a sua extensão, profundidade e espiritualidade fundamentam-se em dois princípios. Primeiro, porque a beatitude, pela sua essência comum, requer a exclusão de todo o mal, de toda a forma de arbitrariedade e a satisfação de todos os desejos humanos. Segundo, porque a contemplação da visão total da divina essência, pela participação em ato, só é possível na outra vida301. Ora, depreende-se disso que a beatitude

atualizável na existência humana, somente pode constituir-se em forma de intuições nebulosas.

Somente no ser supremo, pela sua natureza totalmente imaterial e inteligível, de acordo com o itinerário da tradição filosófica, está a felicidade perfeita, perene e eterna. Deus possui seu ser e fim em si mesmo. Os anjos participam, de alguma maneira, dessa operação em si mesma. Já os homens, mesmo unindo-se pela fé, esperança e caridade ao conhecimento contemplativo da essência divina, não a atingem de forma contínua e única. Por isso, nesta vida, beatitude perfeita não pode ser alcançada pelo homem. Baseado em Aristóteles, Tomás conclui que essa forma de εδαιµον⇔α imperfeita apenas é uma beatitude humana: “Nós os consideramos felizes como homens”302.

O máximo que o homem consegue neste mundo por meio de uma vida bem regrada, praticando as virtudes morais, as intelectuais e as teologais (fé, esperança e amor), inserido num estado e comunidade, seguindo as leis e verdades humanas e divinas, é uma beatitude imperfeita, pela atividade contemplativa.

Para Aristóteles, o cume da felicidade, por meio da atividade contemplativa, é “a contemplação do Intelecto divino, [que] só é acessível ao homem em raros momentos, pois é próprio da condição humana não poder

301 S.Th I-II, q. 5, 4, c., p. 1071-1072: “Quod aliqualis beatitudinis participatio in hac vita

haberi potest; perfecta autem et vera beatitudo non potest haberi in hac vita. Et hoc quidem considerari potest dupliciter. Primo quidem, ex ipsa communi beatitudinis ratione. Nam beatitudo, cum sit perfectum et sufficiens bonum, omne malum excludit, et omne desiderium implet. [...]. Secundo, si consideretur id in quo specialiter beatitudo consistit, scilicet visio divinae essentiae, quae non potest homini provenire in hac vita”.

302 S.Th I-II, q. 3, 2, ad 4, p. 1049: “In statu praesentis vitae, perfecta beatitudo ab homine

haberi non potest. Unde Philosophus, in I Ethic. (lect. XVI), ponens beatitudinem hominis in hac vita, dicit eam imperfectam, post multa concludens: Beatos autem dicimus, ut homines”. Grifos do autor.

ser em ato de maneira contínua”303. Talvez seja por isso que Tomás de

Aquino use a metáfora do espelho, tomada de São Paulo (Cor. 13, 12), para caracterizar o que o homem consegue alcançar, nesta vida, pela atividade da contemplação. E, consequentemente, aquilo que espera para o crente, na outra vida, por meio da visão beatífica de Deus.

A meta da atividade contemplativa é a contemplação da verdade divina, o fim supremo da existência humana. Como vimos no capítulo 1, da verdade divina, isto é, do princípio primeiro de toda a verdade, deduz-se a verdade ontológica, que é a descrição da ordem e da harmonia na natureza das coisas criadas. E a verdade lógica é a expressão desta descrição, o entendimento específico, por meio do intelecto humano, da natureza de Deus e das coisas. Se a verdade lógica e a ontológica pertencem às coisas deste mundo, a divina transcende-o304. Há, portanto, uma correspondência

intrínseca entre estas três formas de verdade. Quanto mais a alma intelectiva conhece a verdade ontológica, mais ela conhece a verdade divina e eterna, e vice-versa. Há uma relação triangular de adequação entre as três formas.

Assim, no dizer de Agostinho, pela contemplação de Deus é prometido ao homem o fim de todas as atividades e a perfeição na eterna alegria. E esta “será perfeita na vida futura, quando virmos a Deus face a face; e então ela nos tornará perfeitamente bem-aventurados”305.

Por isso, o Filósofo põe a felicidade suprema do homem na contemplação do ótimo inteligível306. Em outra passagem, Tomás assevera,

apresentando uma das principais teses da beatitude em plenitude: A vida contemplativa é um começo da beatitude futura. E, de acordo com Gregório, a contemplação inicia agora e possui sua plenitude na glória celeste307.

303 HADOT, 1999, p. 123. 304 PEGORARO, 2007, p. 65.

305 S.Th II-II, q. 180, 4, c., p. 3335: “In I De Trin. (cap. VIII), quod contemplatio Dei nobis

promittitur actionum omnium finis atque aeterna perfectio gaudiorum. Quae quidem in futura vita erit perfecta, quando videbimus Deum facie ad faciem (I ad Cor., XIII, 12): unde et perfecte beatos faciet”. Grifos de autor.

306 S.Th II-II, q. 180, 4, c., p. 3335: “Unde et Philosophus, in X Ethic. (lect. X), in

contemplatione optimi intelligibilis ponit ultimam felicitatem hominis”.

307 S.Th II-II, q. 182, 2, c., p. 3353: “Vita contemplativa est quaedam inchoatio futurae

felicitatis. [...]. Et Gregorius dicit, [...], quod contemplativa vita hic incipit, ut in caelesti patria perficiatur”.

Ainda, baseado no argumento do papa Gregório, Tomás de Aquino sustenta, que não é possível, durante a presente existência, conhecer a omnipotência divina na sua claridade total. No entanto, a alma intelectiva, consegue apenas aprender como proceder retamente, para alcançar depois à visão plena de Deus308.

Além disso, continua Tomás, segundo Dionísio, que afirma ter visto e experienciado a essência divina, na verdade não a apreendeu na sua totalidade, mas apenas em formato de imagem. E, segundo Gregório, a afirmação de que Jacó viu Deus face a face, não significa que ele tenha alcançado a sua essência, mas algo imaginário, análogo à face de Deus309.

Por isso, “imanente ao agir humano”310, nesta vida não é possível

saciar e atualizar todas as potencialidades intrínsecas à natureza humana. Se, de um lado, o homem não exclui todo o mal, como a ignorância da parte da inteligência, a afeição desordenada do apetite, porque os desejos são contínuos, as necessidades materiais e muitos incômodos do corpo, de outro, o desejo do bem também não é concretizado plenamente. Por isso, “não só os bens da vida presente são transitórios, mas ainda passa a própria vida [...]. Por onde, é impossível nesta vida obter-se a verdadeira beatitude”311.

Nesse sentido, Tomás de Aquino não tem dúvida: Se todos os bens e todas as conquistas construídas pelas faculdades volitiva e intelectiva, de acordo com as contingências e vicissitudes existenciais, procurando atualizar a teleologia em busca da beatitude, são efêmeros e provisórios, só resta colocar a beatitude em plenitude na outra vida. Se não fosse assim, o

308 S.Th II-II, q. 180, 5, c., p. 3337: “Quod nequaquam omnipotens Deus iam in sua claritate

conspicitur; sed quiddam sub illa speculatur anima, unde recta proficiat, et post ad visionis eius gloriam pertingat”.

309 S.Th II-II, q. 180, 5, ad 1, p. 3337: “Sicut Dionysius, in Epistola ad Caium monachum,

dicit, si aliqiuis videns Deum, intellexit quod vidit, non ipsum nidit, sed aliquid eorum quae sunt eius. Et Gregorius dicit, […], per hoc ergo quod Iacob dixit, Vidi Deum facie ad faciem, non est intelligendum quod Dei essentiam viderit; sed quod formam, scilicet imaginariam, vitit, in qua Deus loculus est ei”.

310 DE BONI, 2003, p. 111.

311 S.Th I-II, q. 5, 3, c., p. 1071: “In hac autem vita non potest omne malum excludi, […],

ignorantiae, ex parte intellectus; et inordinatae affectiones, ex parte appetites; et multiplicibus poenalitatibus, ex parte corporis: ut Agustinus diligenter prosequitur XIX De Civit. Dei (cap. IV). – Similiter etiam boni desiderium in hac vita satiari non potest. Naturaliter enim homo desiderat permanentiam eius boni quod habet. Bona praesentis vitae transitoria sunt. [...]. Unde impossibile est quod in hac vita vera beatitudo habeatur”.

desejo do bem supremo seria em vão312. As virtudes teologais,

principalmente a esperança, e toda tradição bíblica do Novo Testamento, fornecem esse suporte.

Os argumentos elaborados por Tomás de Aquino para justificar que não é possível a beatitude plena nesta vida, são oriundos de profundos princípios metafísicos.

Já assinalamos, que todas as criaturas, principalmente o homem, procedem de Deus. Ora, o homem, devido a sua inteligência, é a criatura que é a imagem e a semelhança de Deus. Imagem caracteriza-se pela inteligência, pelo exercício do livre-arbítrio e pela capacidade de domínio sobre seus atos, capaz de fazer escolhas e deliberações, dando um sentido à sua existência. Se o homem procede do ser supremo, do princípio primeiro de todas as coisas, ele tende a retornar teleologicamente a essa fonte do ser. Porque o ser primeiro e último, Deus, é o mesmo.

Outro princípio aristotélico elencado por Tomás de Aquino para esclarecer que, na vida terrena, é impossível o homem adquirir a beatitude verdadeira, é o do movimento contínuo da potência para o ato. Ora, a alma intelectiva encontra-se em contínua potência. E enquanto ela não estiver totalmente em ato, ela ainda não alcançou o fim último, mesmo já conhecendo algumas formas em ato313, como os efeitos da essência divina.

Portanto, por mais que o homem busque conhecer a verdade nesta vida, jamais a alcançará em si, porque todas as formas de verdade concebidas pelo intelecto, por meio das ciências especulativas, pela sua condição de finitude, são sempre mutáveis. Assim também, não é possível atualizar a beatitude perfeita nesta vida.

312 SCG III, c. 48, 11, p. 461: “Impossibile est naturale desiderium esse inane: natura enim

nihil facit frustra. Esset autem inane desiderium naturae si nunquam posset impleri. Est igi- tur implebile desiderium naturale hominis. Non autem in hac vita, ut ostensum est. Oportet igitur quod impleatur post hanc vitam. Est igitur felicitas ultima hominis post hanc vitam”. Grifos do autor.

313 SCG III, c. 48, 13, p. 461: “Omne quod est in potentia, intendit exire in actum. Quandiu

igitur non est ex toto factum in actu, non est suo fine ultimo. Intellectus autem noster est in potentia ad omnes formas rerum cogoscendas: reducitur autem in actum cum aliquam earum cognoscit. Ergo non erit ex toto in actu, nec in ultimo suo fine, nisi quando omnia, saltem ista materialia, cognoscit: Sed hoc non potest homo assequi per scientias speculativas, quibus in hac vita veriutem cognoscimus. Non est igitur possibile quod ultima felicitas hominis sit in hac vita”.

Para a criatura humana tornar-se totalmente feliz, requereria que o desejo natural em busca do bem supremo se concretizasse plenamente e estivesse totalmente em ato. Mas isso é impossível. Porém, se considerar que a alma intelectiva, mesmo unida ao corpo, não dependa dele e da matéria sensível para existir e subsistir, quando separada do corpo, ela poderá conhecer as coisas inteligíveis em si mesmas, ou seja, dentre elas, Deus. Portanto, quanto a esta possibilidade, Tomás de Aquino não tem dúvida: Somente na outra vida conheceremos o ser na sua essência absoluta314.

Para Agostinho, a alma seria capaz de conhecer por si mesma o quid est, ou seja, aquilo que é. Mas isso é impossível, argumenta Tomás. Porque uma potência cognitiva só consegue tornar-se cognoscente em ato, atualizando aquilo que é, quando nela se encontra aquilo mediante o qual conhece. Dessa forma, se esse meio está em potência, a alma intelectiva só conhece em potência; se está em ato, ela conhece em ato; se está de modo intermediário, ela conhece em forma de hábito. Ora, conclui o Aquinate, a alma sempre está presente a si mesma em ato, jamais em potência e hábito. “Se pois ela conhece por si mesma de si aquilo que é, sempre em ato está conhecendo de si aquilo que é. O que é consequentemente falso”315.

Além disso, no sentido de ordem das coisas, se a alma intelectiva conseguisse conhecer por si mesma aquilo que é, ela seria o princípio supremo de tudo. Porque aquilo que possui esta propriedade seria anterior a tudo o que é conhecido por outro, como as proposições primeiras, que são anteriores às conclusões. Logo, é impossível que a alma intelectiva seja capaz de conhecer a si mesma em plenitude. Somente as substâncias separadas conseguem se conhecer por aquilo que são. Entretanto, explica Tomás, se a alma consegue, por meio das ciências especulativas, principalmente a divina, conhecer a si mesma, também ela consegue reconhecer que as substâncias separadas existem, que Deus existe, mas não

314 SCG III, c. 45, 7-8, p. 454: “Unde, cum anima a corpore tali fuerit separata, intellectus

possibilis intelligere poterit ea quae sunt secundum se intelligibilia, scilicet substantias separatas, per lumen intellectus agentis, quae est similitudo in anima intellectualis luminis quod est in substantiis separatis. Et haec est sententia nostrae fidei de intelligendo substantias separatas a nobis post mortem, et non in hac vita”.

315 SCG III, c. 46, 2, p. 454: “Si igitur per seipsam anima seipsam cognoscit quid est, semper

“o que são”316. Consequentemente, o máximo de beatitude que o homem

consegue atualizar na imanência é em forma de vislumbres.

Porém, Alexandre de Afrodísias e Averróis disseram que a beatitude do homem não se alcançaria por meio do conhecimento humano oriundo das ciências especulativas, mas somente na união com as substâncias separadas já nesta vida. No entanto, Aristóteles afirmou que não há outro conhecimento senão por meio das ciências especulativas. Logo, a felicidade também só será no modo humano.

Assim, o Aquinate, concebendo a felicidade perfeita na outra vida, mas já passível de alguns vislumbres de realização efêmera nesta, segue, de um lado, o caminho aberto pela ética aristotélica imanente, capaz de atingir somente uma felicidade relativa; por outro, ampliou-a para o horizonte transcendental e sobrenatural: “A felicidade perfeita [...] poderá existir para o homem se seu intelecto, à semelhança do divino, houver esgotado as possibilidades de novos conhecimentos, estando todo em ato”317. Somente a

essência divina é felicíssima em si e por si mesma, porque é ato puro, pensamento de pensamento318. Para Tomás, mesmo ao sábio ou ao monge,

dedicando-se exclusivamente à vida contemplativa, essa condição é naturalmente impossível nesta vida.

316 SCG III, c. 46, 9, p. 456: “Sic ergo et de substantiis separatis anima, cognoscendo

seipsam, cognoscit quia sunt: nom autem quid sunt, quod est earum substantias intelligere”. Grifos do autor.

317 DE BONI, 1995, p. 527.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em toda síntese tomista perpassa, de forma explícita ou implícita, a filosofia do ser, isto é, o conceito ontológico fundamental de que Deus é o primeiro e último princípio de todas as coisas e o bem supremo do homem. Dele procede o mundo, o homem e toda a natureza, e tudo dirige-se teleologicamente à Deus, de modo especial, a criatura humana.

De acordo com a visão antropológica, filosófica e teológica, Deus, pelo ato da criação, potencializa no ser da natureza humana, de modo necessário, um fim último a ser perseguido e concretizado pelas faculdades apetitivas e intelectivas, a beatitude. Assim, todas as operações humanas dirigem-se a esse bem. Mas esse bem não é qualquer bem particular, finito, provisório. A beatitude desejada, de acordo com o télos, é um bem universal, infinito e perene – Deus –, capaz de satisfazer o homem pelo conhecimento do ato puro, caracterizado de beatitude imperfeita nesta vida. Entretanto, do mesmo modo como o conhecimento intelectivo, para chegar ao universal ou à essência, parte dos sentidos, dos efeitos à causa, ao ato intelectivo ou ideia, assim também a beatitude imperfeita já “participa de uma semelhança particular da beatitude”319.

Mesmo que Tomás de Aquino enalteça a predisposição, algo intrínseco à natureza humana, para o sobrenatural320, para o transcendente, faz-se

necessário destacar que, para alcançar a essência divina, não bastam as potencialidades da alma intelectiva.

Sendo assim, a beatitude imperfeita é o produto mais elevado que o intelecto humano consegue alcançar na sua existência, contemplando a

319 S.Th I-II, q. 3, 6, c., p. 1054. 320 DE BONI, 2003, p 69.

verdade mais inteligível, permanente e eterna, o ato puro, o ser subsistente. Essa tese, tão exaltada por Aristóteles, é incorporada por Tomás de Aquino na sua filosofia moral. Ele assimila e ultrapassa a εδαιµον⇔α aristotélica, atualizável na imanência, no homem. Eleva-a, por meio da atividade contemplativa, ao transcendente e ao sobrenatural, contemplando aquilo que é perene, eterno e divino, Deus, criador do mundo, da natureza e do homem, portador de beatitude.

Assim, procurar conhecer os efeitos da causa primeira, isto é, demonstrar, de forma a posteriori a existência do ser superior321,

experienciando intelectualmente a perenidade e a eternidade, numa espécie de vislumbres de beatitude perfeita, é o grau mais elevado de beatitude que o homem consegue almejar na sua existência terrena.

Sendo Deus o bem e o fim mais universal e mais verdadeiro, conhecê- lo e possuí-lo, de forma nebulosa, por meio da contemplação, é o cume, a perfeita e a mais profunda beatitude alcançável pelo homem. Essa forma de beatitude imperfeita justifica-se porque o homem está sempre passando pelo movimento da potência ao ato, doutrina aristotélica fundamental subjacente na metafísica de Tomás de Aquino.

Por decorrência, na vida futura, cessará toda atividade exterior, somente permanecendo perpetuidade e gratuidade, sem tédio e sem fadiga. Lá a alma humana estará isenta de potencialidade e mutabilidade, segundo os argumentos de Agostinho e a tese consagrada pela tradição da cristandade: “Lá descansaremos e veremos; veremos e amaremos; amaremos e louvaremos”322.

Lá, na vida futura, no horizonte do teocentrismo medieval e cristão, Tomás de Aquino não tem dúvida que a tendência natural da criatura humana em busca da posse do bem final se atualizará de forma exclusiva, total e infinita. Lá a perfeição total “durará para sempre”323, porque é próprio

da teleologia humana almejar a estabilidade perfeita, perpétua e eterna.

321 SCG I, c. 31, 3, p. 74: “Quia enim eum non possumus cognoscere naturaliter nisi ex

effectibus deveniendo in ipsum”.

322 S.Th II-II, q. 181, 4, c., p. 3349: “Ut enim Augustinus dicit, in fine De civit. Dei (Lib. XXII,

cap. XXX), ibi vacabimus et videbimus; videbimus et amabimus; amabimus et laudabimus”. Grifos do autor.

Em suma, Vaz, com muita propriedade, destaca, referente à filosofia moral, que há ainda um lugar

no horizonte desse olhar para o futuro, no qual seja possível investigar o que nele estará presente das lições do passado, sobretudo daqueles que nos falam sobre questões a que nenhuma ciência pode responder, acerca do ser e do não-ser, do bem e do mal, do sentido da vida e do destino da natureza humana. É lícito, sem abandonar as preocupações do nosso tempo, tentar receber alguma coisa da mensagem filosófica que nos vem do século XIII, pela voz maior que se eleva daquele distante passado, a de Tomás de Aquino324.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2 Secundária

ALMEIDA, Luciano Pedro Mendes de. A imperfeição intelectiva do espírito humano. São Paulo: Saeta Gráfica e Editora LMTD, 1977.

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