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3 AS POSSIBILIDADES E OS LIMITES CONTEMPLATIVOS DA ESSÊNCIA

3.1 Os atributos da essência divina

É próprio da natureza humana estar sempre em potência para novas possibilidades, novos projetos, sem jamais cessar de buscar o conhecimento das coisas mais sublimes. É a necessidade permanente e contínua de agir para conhecer.

Diante disso, investigaremos como Tomás de Aquino sustenta a tese de que somente é possível nesta vida conhecer a divina essência pelos efeitos sensíveis252. Pelos efeitos das criaturas, pelo seu existir, seja no âmbito do

conhecimento natural, filosófico, seja no âmbito da revelação, no sentido analógico e participativo, só é possível identificar e conhecer os atributos ou propriedades da substância divina. Afinal, “o raio da revelação divina chega até nós de acordo com o nosso modo, como Dionísio diz”253, e a finalidade da

vida contemplativa é “a consideração dos efeitos de Deus”254. É sobre isso

que se estrutura toda síntese tomista, ou seja, que é possível demonstrar racionalmente a existência de Deus pelos efeitos de todas as coisas criadas255. Pelos efeitos Tomás procura chegar às causas e, dentre todas

252 SCG I, c. 12, 8, p. 37: “Patet etiam ex hoc quod, etsi Deus sensibilia omnia et sensum

excedat, eius tamen effectus, ex quibus demonstratio sumitur ad probandum Deum esse, sensibiles sunt. Et sic nostrae cognitionis origo in sensu est etiam de his quae sensum excedunt”.

253 Sup. Boet. Trin., q. 6, 3, c., p. 161: “Quia divinae revelationis radius ad nos pervenit

secundum modum nostrum, ut Dionysius dicit” (www.corpusthomisticum).

254 GILSON, 1962, p. 15.

255 SCG II, c. 4, 5, p. 176: “Nam in doctrina philosophiae, quae creaturas secundum se

considerat et ex eis, in Dei cognitionem perducit, prima est consideratio de creaturis et ultima de Deo”.

elas, à causa suprema. Porém, devido à condição de criatura, que é parte do todo, o homem não consegue conhecer, pela atividade contemplativa, o todo, mas apenas compreender alguns aspectos desse todo.

Cabe ressaltar que a natureza divina na síntese tomista somente é conhecida pela alma intelectiva como distinção da razão, ou seja, pelas representações e conceitos engendrados de forma análoga, proporcional àquilo que é conhecido das coisas criadas. O conhecimento da essência de Deus só é evidente em si mesmo, mas não para o homem, nesta vida. Entretanto, os conhecimentos construídos pela tradição filosófica e teológica das substâncias imateriais, principalmente de Deus, produto da inteligência, por meio da ciência divina ou metafísica, não se caracterizam como meras ficções. Tudo isso é o resultado do esforço especulativo com o objetivo de conhecer o princípio primeiro, que subsiste por si, que é eterno, do qual tudo se origina e se estrutura teleologicamente.

Afinal, Deus em si é absolutamente transcendente. E é sobre isso que a razão filosófica consegue arguir, demonstrativamente, partindo dos efeitos à causa, do acidente à substância256. Isto é, a partir do conhecimento das

coisas criadas é possível conhecer as essências puras, os inteligíveis supremos.

E procurar conhecê-lo é o máximo a que a razão humana consegue aspirar por meio da atividade contemplativa. É o produto por excelência que a inteligência finita consegue alcançar. Caracteriza-se pela possibilidade de tangenciar a inteligibilidade infinita da essência absoluta, ou seja, de captar, pela ciência do ser, a sua pureza original e eterna257.

Tudo isso é o grau mais elevado que a alma intelectiva consegue representar do ser, do ato puro e último, da essência beatífica, propiciadora de beatitude. Mas não é uma beatitude plena, total, mas apenas em forma nebulosa, alcançável pela filosofia primeira ou a ciência divina, por meio da virtude da sabedoria.

O Aquinate apropria-se das premissas das categorias noético- metafísicas desenvolvidas por Aristóteles, ampliando-as profundamente na

256 SCG III, c. 56, 4, p. 475: “Si autem substantiam alicuius rei intellectus cognoscat per

accidentia”.

perspectiva de um novo contexto teológico, antropológico e ético, que é a revelação cristã.

Para corroborar essa tese, recorremos a algumas passagens da S. Th, da SCG, do Sup. Boet. Trin e a uma das obras sistemáticas da maturidade e uma das últimas de Tomás de Aquino, o Compendium theologiae. Nesta, de maneira sintética, Tomás reúne a herança aristotélica e agostiniano- platônica. “Coloca o pensamento filosófico nos seus princípios, e em base em seus métodos próprios, insere-o no quadro das verdades cristãs”258.

A verdadeira perfeição do homem, para Tomás, atualiza-se primeiramente na união com o ser supremo pelo “conhecimento e secundariamente pelo amor, divergindo, neste ponto, explicitamente de S. Agostinho”259.

Nesse sentido, o Bem de Platão, o Inteligível de Aristóteles e o Uno de Plotino são transfigurados e assimilados como Deus. Ou seja, os pensadores medievais verticalizaram a metafísica grega, quando identificaram o ser com a essência divina. “O ser, conceito mais universal e abstrato, tornou-se o nome do ente supremo, pessoal, Deus único, verdadeiro e bom”260.

Seguindo essa interpretação, para Tomás de Aquino, Deus é tomado como unidade da essência divina, evidente à luz da razão natural discursiva e demonstrativa. Mas essa evidência e consideração sobre a substância divina é sempre um argumento caracterizado pela remoção progressiva, isto é, pela diferença negativa. Assim, Deus se distingue de tudo aquilo que ele não é, ou seja, distinto de todas as coisas, não sendo possível, ao ser humano, jamais atingir sua natureza perfeita261.

Para evidenciar esta forma de argumentação, Tomás apresenta as cinco vias da existência do ser primeiro. Por isso, a proposição Deus existe somente é verdadeira, porque os argumentos sempre partem dos efeitos divinos, que são as suas criaturas. Mesmo conhecendo os efeitos de Deus, esta proposição só é evidente para Deus, não para o conhecimento humano, porque foge de sua potencialidade intelectiva. No entanto, se Deus existe, ele

258 ZILLES, Urbano. Apresentação ao C.Th, 1996, p. 17. 259 ZILLES, 1996, p. 17.

260 PEGORARO, 2007, p. 63.

261 SCG I, c. 14, 3, p. 46: “Oportet eam accipere per differentias negativas. […]. Et sic per

é o criador, origem e o fim último de todas as criaturas, principalmente a humana.

E para demonstrar a existência do absoluto, por meio da filosofia primeira, o Aquinate reúne os legados das diversas tradições (aristotélica, neoplatônica, agostiniana), harmonizando-as com a teologia revelada262.

Seguindo estritamente o modelo platônico-aristotélico, a teologia filosófica assume o estatuto de ciência a posteriori263, porque Deus é especulado e

conhecido não em si mesmo, na sua infinita transcendência264, “mas

enquanto fonte dos princípios do ser (tamquam principia subjecti)”265.

A análise filosófica das cinco vias, isto é, o movimento, a causalidade eficiente, o necessário e o contingente, os graus de perfeição e a finalidade ou teleologia266, é uma demonstração dos efeitos, de sua manifestação e

presença no mundo e nos seres267, trilhando os caminhos percorridos pela

tradição metafísica ao ser absoluto.

Tomás afirma que Deus é o princípio de todo movimento. Por isso, convém que ele seja absolutamente imóvel. Se ele é princípio, ele existe. Assim, faz-se necessária a existência de um primeiro motor imóvel no mundo da natureza, supremo na sucessão dos movimentos das coisas que se movem umas às outras. “A este primeiro motor, chamamos Deus”268. Se ele é

princípio de toda a realidade, necessariamente é imóvel, porque não pode haver algo superior. Sendo imóvel, “é eterno, carecendo de princípio e fim”269, sendo causa primeira, porque só podem ser medidas pelo tempo as

coisas móveis, finitas, onde há antes e depois.

262 Sup. Boet. Trin., q. 5, 4, c., p. 133: “Sic ergo theologia sive scientia divina est duplex.

Una, in qua considerantur res divinae non tamquam subiectum scientiae, sed tamquam principia subiecti, et talis est theologia, quam philosophi prosequuntur, quae alio nomine metaphysica dicitur. Alia vero, quae ipsas res divinas considerat propter se ipsas ut subiectum scientiae et haec est theologia, quae in sacra Scriptura traditur” (www.corpusthomisticum).

263 S.Th I, q. 2, 2, c., p. 17.

264 É a função da teologia revelada. 265 VAZ, 1997, p. 327. Grifos do autor.

266 S.Th I, q. 2, 3, c., p. 18-20 e SCG I, c. 13, p. 37-44.

267 “Sed in mundo videmus res diversarum naturarum in unum ordinem concordare, non ut

raro et a casu, sed ut semper vel in maiori parte. Oportet ergo esse aliquem cuius providentia mundus gubernetur. Et hunc dicimus Deum” (SCG I, c. 13, 27, p. 44). Grifos do autor.

268 C.Th I, c. 3, 2, p. 35. 269 SCG I, c. 15, 1, p. 46.

E essa eternidade é uma propriedade de sua natureza. Dessa forma, é eterno por propriedade da natureza aquilo que sempre existiu e cuja existência está toda simultaneamente realizada, estando toda em ato. Por isso, Boécio definiu a eternidade como “sendo ‘total possessão, simultânea e perfeita, de uma vida interminável’”270.

Se for eterno, existe necessariamente por si mesmo, tendo a existência por si mesma, constituindo-se intrinsecamente, sem sucessão, logo, sem movimento, onde nada pode desaparecer, nem ser acrescentado, porque o seu ser é todo simultâneo271. Assim, Deus é o único ser necessário por si

mesmo. Caso não fosse, de acordo com o argumento de Aristóteles, haveria o regresso ao infinito. Mas a substância divina é a causa primeira. Por isso, mesmo se fosse possível negar a eternidade do tempo e do movimento, permaneceria ainda um argumento para demonstrar a eternidade da substância. Ora, se o movimento teve um início, requer que ele tenha recebido o começo de um outro ser movente e este de outro. Entretanto, “com tal proceder, ou ir-se-á ao infinito, ou a algo que não começou”272.

Além disso, Deus é simples, sendo sua própria essência, onde essência não é “outra coisa que o seu ser”273. Nesse sentido, à luz da razão natural,

na perspectiva da filosofia primeira, essência ou quididade não se distingue do ser. Se Deus é seu próprio ser, Tomás deduz que ele não possui gênero algum, porque o ser primeiro não precisa de acréscimo. Porque tudo o que é gênero contém diferenças específicas, que são as espécies, às quais tem mistura de ato e potência. Ora, se Deus é ato puro, a sua essência não pode ser constituída de gênero e de diferença274.

270 C.Th I, c. 8, 3, p. 38.

271 SCG I, c. 15, 3, p. 47: “Non igitur esse incoepit. Unde nec esse desinet: quia quod semper

fuit, habet virtutem semper essendi”.

272 SCG I, c. 15, 5, p. 47: “Ostendit etiam Aristoteles ex sempiternitate temporis

sempiternitatem motus. Ex quo iterum ostendit sempiternitatem substantiae moventis. Prima autem substantia movens Deus est. Est igitur sempiternus. — Negata autem sempiternitate temporis et motus, adhuc manet ratio ad sempiternitatem substantiae. Nam, si motus incoepit, oportet quod ab aliquo movente incoeperit. Qui si incoepit, aliquo agente incoepit. Et sic vel in infinitum ibitur; vel devenietur ad aliquid quod non incoepit”.

273 C.Th I, c. 11, p. 40.

274 C.Th. I, c. 12, 2, p. 41-42: “Hinc autem apparet quod Deus non sit in aliquo genere sicut

species. Nam differentia addita generi constituit speciem, ergo cuiuslibet speciei essentia habet aliquid additum supra genus. Sed ipsum esse, quod est essentia Dei, nihil in se continet, quod sit alteri additum. Deus igitur non est species alicuius generis. Item. Cum genus contineat differentias potestate, in omni constituto ex genere et differentiis est actus

Portanto, se em Deus não há gênero, consequentemente nem acidente, somente o conhecemos por meio de negações, de conceitos negativos. Assim, o ser subsistente é imaterial, incorpóreo, sem figuras e similares. O que torna esse argumento plausível, justifica Tomás, é que, quanto mais negações o homem elabora acerca de Deus, menos confuso esse saber se torna, “pelo fato de que a negação anterior é restringida e determinada pelas negações subsequentes, assim como o gênero remoto pelas diferenças”275.

Por isso, perquirir que é Deus?, para Tomás de Aquino, tem esta resposta: Ele é seu próprio ato de ser, o puro ato de ser, sem potência, porque em Deus não há composição, pelo fato de ele ser o ato último. Consequentemente, nas criaturas, uma coisa é a essência, aquilo que o ser é, porque a essência mostra o que uma coisa é, ou seja, o homem é um ser racional. A essência define, dá significado ao objeto. Outro é o ser, aquilo que é, porque pelo ser se deduz o que uma coisa é, isto é, um homem, uma árvore. Na substância divina, o ser de Deus não é um acidente, mas causa permanente, verdade subsistente, seu próprio ser276.

Enfim, de acordo com a filosofia do ser de Tomás de Aquino, alguns princípios fundamentais fazem-se presentes na SCG. Dentre eles, Deus é a primeira substância a ser conhecida, a causa primeira, o ato puro, portanto, o princípio do ser277. Por isso que na substância divina, essência e existência

se identificam278. Já nas criaturas, se distinguem, porque há composição de

matéria e forma, sendo que só Deus é o ser subsistente por si. Além disso,

permixtus potentiae. Ostensum est autem Deum esse purum actum absque permixtione potentiae. Non est igitur eius essentia constituta ex genere et differentiis; et ita non est in genere” (www.corpusthomisticum).

275 Sup. Boet. Trin., q. 6, 3, c., p. 163: “Eo quod per negationes sequentes prior negatio

contrahitur et determinatur, sicut genus remotum per differentias” (www.corpusthomisticum).

276 SCG I, c. 22, 8, p. 60: “Hanc etiam veritatem Catholici Doctoresprofessi sunt: a) Ait namque

Hilarius,in libro de Trin.: Esse non est accidens Deo, sed subsistens veritas, et manens causa, et naturalis generis proprietas. b) Boëtiusetiam dicit, in libro de Trin., quod divina substantia est ipsum esse et ab ea est cise”. Grifos do autor.

277 SCG II, c. 6, 2; 6, p. 177: “Ostensum est in primo libro (ibid.), per rationem eiusdem, esse

aliquod primum movens immobile, quod Deum dicimus. Primum autem movens in quolibet ordine motuum est causa omnium motuum qui sunt illius ordinis. Cum igitur multa ex motibus caeli producantur in esse, in quorum ordine Deum esse primum movens ostensum est, oportet quod Deus sit multis rebus causa essendi. [...]. Actus autem purus, qui Deus est, perfectior est quam actus potentiae permixtus, sicut in nobis est. Actus autem actionis principium est”.

não é possível existirem dois seres infinitos279. A cognoscibilidade do ser é

conhecida de maneira análoga, como já mencionamos, ou seja, as propriedades das criaturas e da substância divina são apreendidas pela teoria do juízo não univocamente, nem equivocamente, mas de forma análoga. Isto é, assim como se conhece e se identifica a saúde de um animal pelo efeito, assim também Deus é conhecido e denominado pelos seus efeitos280.

Ora, se Deus é o primeiro agente, ele é absolutamente imutável e impassível, sendo a causa eficiente primeira. De acordo com o Filósofo, não há nada de estranho à sua natureza281. Por causa disso, em Deus não há

corpo, porque não há partes, composição, nem quantidade, porque não há potência. Se houvesse corpo, seria finito, retilíneo e esférico. E se essa fosse a sua natureza, o homem, por meio da alma intelectiva, pela imaginação, poderia transcendê-la, cogitando algo superior ao ser subsistente282.

Segundo os filósofos, continua Tomás de Aquino, a substância divina possui a nobreza em grau máximo. As razões para prová-la, deduzidas da

279 SCG II, c. 52, 1; 3, p. 253: “Non est autem opinandum quod, quamvis substantiae

intellectuales non sint corporeae, nec ex materia et forma compositae, nec in materia existentes sicut formae materiales, quod propter hoc divinae simplicitati adaequentur. Invenitur enim in eis aliqua compositio ex eo quod non est idem in eis esse et quod est. [...]. Illud ergo quod est esse subsistens, non potest esse nisi unum tantum. Ostensum est (lib. I, cap. 22) autem quod Deus est suum esse subsistens. Nihil igitur aliud praeter ipsum potest esse suum esse. Oportet igitur in omni substantia quae est praeter ipsum, esse aliud ipsam substantiam et esse eius. [...]. Adhuc. Impossibile est quod sit duplex esse omnino infinitum: esse enim quod omnino est infinitum, omnem perfectionem essendi comprehendit; et sic, si duobus talis adesset infinitas, non inveniretur quo unum ab altero differret”. Grifos do autor.

280 SCG I, c. 34, 1-2, p. 77: “Sic igitur ex dictis (capp. 32, 33) relinquitur quod ea quae de

Deo et rebus aliis dicuntur, praedicantur neque univoce neque aequivoce, sed analogice: hoc est, secundum ordinem vel respectum ad aliquid unum. [...]. Quando vero id quod est prius secundum naturam, est posterius secundum cognitionem, in analogicis non est idem ordo secundum rem et secundum nominis rationem: sicut virtus sanandi quae est in sanativis, prior est naturaliter sanitate quae est in animali, sicut causa effectu; sed quia hanc virtutem per effectum cognoscimus, ideo etiam ex effectu nominamus. Et inde est quod sanativum est prius ordine rei, sed animal dicitur per prius sanum secundum nominis rationem. Sic igitur, quia ex rebus aliis in Dei cognitionem pervenimus, res nominum de Deo et rebus aliis dictorum per prius est in Deo secundum suum modum, sed ratio nominis per posterius. Unde et nominari dicitur a suis causatis”.

281 SCG I, c. 19, 1, p. 50: “Ex hoc autem Philosophus concludit quod in Deo nihil potest esse

violentum nedue extra naturam”.

282 SCG I, c. 20, 4, p. 51: “Amplius. Omne corpus finitum est: quod tam de corpore circulari

quam de recto probatur in I Cacli et Mundi. Quodlibet autem corpus finitum íntellectu et imaginatione transcendere possumus. Si igitur Deus est corpus, intellectus et imaginatio nostra aliquid maius Deo cogitare possunt. Et sic Deus non est maior intellectu nostro. Quod est ínconveniens. Non est igitur corpus”.

eternidade do mundo, são as seguintes: Em todo o movimento eterno é necessário que o primeiro movente não seja movido por si mesmo, nem por acidente. Afinal, tudo o que é movido, possui um movimento anterior. Ora, se em Deus não há movimento, nem grandeza, porque é eterno, seu movimento é eterno, porque é o primeiro movente imóvel283.

Se o ser primeiro não possui corpo, porque é sua própria essência, consequentemente, não tem acidente. Ele se identifica com tudo o que tem em si, devido a sua perfeição total. Se Deus é a sua própria perfeição total, sua essência é ser, o seu ato último, porque é ato puro. E o ato puro tende ao seu próprio ser284.

Sendo assim, se a essência divina é simples e perfeita, ela não se encontra nas criaturas como parte delas, mas sim como causa285. Se fosse

parte, seria potência. E se Deus é causa de si mesmo, possui em plenitude seu ser. Logo, Deus é bom, e o que é bom move-se por si mesmo, sendo sua própria bondade286. E se Deus é bom, contemplá-lo na sua bondade infinita,

por meio da atividade contemplativa, pela virtude da sabedoria, é o ômega da beatitude alcançável nesta vida.

283 SCG I, c. 20, 7, p. 52: “Id igitur quo nihil est nobilius, corpus non est. Hoc autem est

Deus. Igitur non est corpus. Item. Inveniuntur rationes philosophorum ad idem ostendendum procedentes ex aeternitate motus, in hunc modum. In omni motu sempiterno oportet quod primum movens non moveatur neque per se neque per accidens, sicut ex supra (cap. 13) dictis patet. Corpus autem caeli movetur circulariter motu sempiterno. Ergo primus motor eius non movetur neque per se neque per accidens. Nullum autem corpus movet localiter nisi moveatur: eo quod oportet movens et motum esse simul; et sic corpus movens moveri oportet, ad hoc quod sit simul cum corpore moto. Nulla etiam virtus in corpore movet nisi per accidens moveatur: quia, moto corpore, movetur per accidens virtus corporis. Ergo primus motor caeli non est corpus neque virtus in corpore. Hoc autem ad quod ultimo reducitur motus caeli sicut ad primum movens inamobile, est Deus. Deus igitur non est corpus”.

284 C.Th. I, c. 11, 2, p. 41: “Ostensum est quod Deus est actus purus absque alicuius

potentialitatis permixtione. Oportet igitur quod eius essentia sit ultimus actus: nam omnis actus qui est circa ultimum, est in potentia ad ultimum actum. Ultimus autem actus est ipsum esse. Cum enim omnis motus sit exitus de potentia in actum, oportet illud esse ultimum actum in quod tendit omnis motus: et cum motus naturalis in hoc tendat quod est naturaliter desideratum, oportet hoc esse ultimum actum quod omnia desiderant. Hoc autem est esse. Oportet igitur quod essentia divina, quae est actus purus et ultimus, sit ipsum esse” (www.corpusthomisticum).

285 SCG I, c. 26, 8, p. 67: “Quartum etiam quod eos ad hoc inducere potuit, est modus

loquendi quo dicimus Deum in onmibus rebus esse: non intclligentes quod non sic est in rebus quasi aliquid rei, sed sicut rei causa quae nullo modo suo effectui deest. Non enim similiter dicimus esse formam in corpore, et nautam in navi”. Grifos do autor.

286 SCG I, c. 37, 2, p. 79: “Bonum vero movet per seipsum. Primum igitur desideratum, quod

Se Deus é o summum bonum, ele é uno, porque seu movimento é contínuo287. Logo, só há um ordenador e governador, porque não há vários

deuses288. Dessa forma, se Deus é uno, é infinito. Mas não é um infinito

quantitativo, numérico, que implique imperfeição, mas no sentido negativo, espiritual, como algo sumamente perfeito289. Por isso, de nenhum modo é

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