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A contribuição das pesquisas sobre o ensino de Geografia

2 QUESTÕES PRELIMINARES E PROBLEMATIZAÇÃO

2.2 AS REFERÊNCIAS TEÓRICAs

2.2.3 A contribuição das pesquisas sobre o ensino de Geografia

Não obstante se considerem as especificidades das séries escolares a serem estudadas, não se pode prescindir das contribuições teóricas de pesquisas voltadas para o ensino de Geografia na segunda parte do Ensino Fundamental como um todo; isto é, da quinta a oitava séries, posto que evidenciam regularidades importantes das práticas escolares dos professores, sendo referências valiosas para novos trabalhos.

Atualmente, um número considerável de trabalhos analisa a problemática do ensino de Geografia, contemplando ora a contextura política, econômica e social sobre a escola, ora apontando dificuldades de cunho pedagógico. Geralmente, são descritas as características de proposituras teórico-metodológicas anacrônicas, o agravamento das condições materiais das escolas, os baixos salários e elevadíssima carga horária dos professores.

Segundo Moraes (1994), parece que, com o passar dos anos, a Geografia como disciplina da Educação Básica passou por um processo de autonomização, sendo restrito a afluência de novos conhecimentos gestados nos círculos acadêmicos. Notamos, ainda nos dias atuais, nos currículos de Geografia, a presença de versões conteudísticas elaboradas à época da Geografia Moderna, a qual designa de Geografia Tradicional. Moraes enfatiza também dificuldades advindas do processo de formação dos professores de Geografia, tendo em vista a posição secundária das disciplinas de caráter pedagógico no currículo, contribuindo para desvalorizar a função social do educador. A isso se reúnem o refinamento dos métodos e técnicas e a linguagem sofisticada, característicos da Geografia acadêmica, dificultando o diálogo com a Geografia Escolar.

Deduzimos, em função disso, a coexistência de duas formas de se fazer geografia, uma produzida nas universidades, denominada Geografia Acadêmica, e outra ensinada nas escolas, a Geografia dos professores; diga-se, com notória defasagem da transferência de conhecimento de um nível para o outro. Essa situação tende a manifestar a tendência de os

professores da Educação Básica não atualizarem os conteúdos que ensinam, buscando informações nos guias curriculares oficiais, livros didáticos, ou, então, desenvolvendo dispositivos de ação conforme as contingências da prática.

A análise histórica do papel desempenhado pela Geografia na escola nos permite constatar que essa disciplina possui fraca relação com a vida social, mesmo que, no discurso, afirme estudar o concreto. As razões desse paradoxo podem ser motivadas, segundo Brabant (1994), pelas seguintes razões: o destaque conferido à Geografia Física, ao enciclopedismo e à despolitização do discurso.

Ao enfatizar a descrição dos aspectos físicos do Planeta, em detrimento da explicação dos fenômenos, não se raciocina sobre o espaço, mas se faz dele uma espécie de inventário. De preferência sobre uma área demarcada, opção que tem origem na Geografia dos militares, em que uma das predileções precípuas é a defesa do espaço nacional; daí inventariá-lo, conhecendo-o em detalhes.

Na concepção de Callai (1998) e de Carvalho (1998), a visão físico-descritiva impregnou ao longo do tempo a forma de pensar da maior parte dos professores de Geografia nas escolas brasileiras, fato que se refletiu na fragmentação artificial entre o quadro físico, humano e econômico, que ainda permanece na prática pedagógica de muitos professores, bem como na forma de organização dos conteúdos de muitos livros didáticos. Tais autores complementam que a ênfase dada ao aspecto físico-descritivo tem informado uma Geografia guiada por uma concepção metafísica do mundo, na qual as coisas e os conceitos são objetos isolados, fixos, rígidos, perenes, focalizadas em seqüência e simpáticas de antíteses.

Brabant (1994) mostra que o enciclopedismo aumenta o nível de abstração do discurso geográfico ao conceder um peso significativo às nomenclaturas, ligadas principalmente aos aspectos físicos – clima, relevo, hidrografia, vegetação e solo – que, com o tempo, adquiriram vida própria, notoriamente desconectados do concreto. Foi por meio da lógica do enciclopedismo que os militares intensificaram o arrolamento de informações do espaço para se servirem no futuro. Diante disso, a prioridade nas escolas tem sido a transmissão de um grande número de informações aos alunos, dando abstração crescente ao discurso geográfico, forçando os alunos ao uso excessivo da memória.

A despolitização, por sua vez, tem origem no nacionalismo e patriotismo exacerbado, vigente, como se viu, no século XIX, especialmente na Alemanha e na França, onde ocorreu a aproximação entre a Geografia Moderna e o sistema escolar, sendo delegado àquela ciência a incumbência de enaltecer o Estado-Nação. Com efeito, o discurso geográfico veiculado em vários setores da sociedade guarda uma forte carga ideológica, principalmente o discurso

geográfico escolar, acentuadamente pautado na ideologia do nacionalismo patriótico, adquirindo destaque o estudo do país com fronteiras bem demarcadas sob critérios físicos, estudados a partir de uma base cartográfica, permeando os textos didáticos.

Constatamos, dessa maneira, que o ensino de Geografia carrega ainda um profundo tradicionalismo, estreitamente relacionado com as idéias vigentes no período de constituição da ciência geográfica. O enfoque tradicional obstaculizou o ensino que privilegia a análise do espaço como produto das relações entre a sociedade e a natureza; visto que realçou, sobremodo, a fragmentação dos aspectos físicos e humanos em detrimento de um enfoque relacional desse conteúdo (PEREIRA, 1989; BRABANT, 1994; VLACH, 1994; OLIVEIRA, 1994; VESENTINI, 2003).

Os princípios da tendência pedagógica tradicional sobre os quais tem repousado o modelo de ensino de Geografia, prevalecente nas escolas brasileiras, é de origem antiga, tendo se sustentado ao longo dos anos pela tradição escolar dessa matéria. Por mais que se

verifiquem avanços no campo currículo, impressiona o arraigamento dessa abordagem na prática pedagógica do professor de Geografia. Mizukami (1986) e Libâneo (1994) sintetizam que, para a visão tradicional da educação, a ênfase está no cumprimento dos programas

disciplinares, sendo o educando encarado como tábula rasa, enquanto a educação é vista como produto. O formalismo adquire grande expressão nas atividades de ensino-aprendizagem, assemelhando-se a uma cerimônia, revelando o distanciamento entre o professor e o aluno.

Freire (1987) ao discorrer sobre essa abordagem a denomina de “educação bancária", porque nela o professor é quem sabe tudo e é o agente que deposita o conhecimento nos alunos sem consultá-los, contrapondo-se, assim, a faculdades ontogenéticas humanas, como o pensar e o agir. A crítica de Freire é contundente ao ensino tradicional por não atentar para a experiência vivencial dos sujeitos, repleta de saberes adquiridos na convivência com o mundo.

Na educação "bancária" é enfraquecida a relação dialética entre o educador-educando, concentrando o saber sobre a autoridade indiscutível do professor que vê o seu discurso se esvaziar de importância ou significação para o educando. A permanência na escola do tipo de professor narrador, que se comporta como um monólogo em sala de aula, instaura a égide do silêncio, da assimilação passiva do conhecimento, tornando este cristalizado. Em suma, a palavra e o diálogo perdem todo o potencial transformador.

Em diferentes âmbitos disciplinares, atos rotineiros em sala de aula exemplificam a “educação bancária”. Em uma aula de Geografia, ilustra Freire (1987), o aluno poderia estudar mecanicamente: “Pará, capital Belém, que o educando fixa, memoriza, repete, sem

perceber [...] [mas] o que verdadeiramente significa capital, na afirmação Pará, capital Belém. Belém para o Pará e Pará para o Brasil” (p.58). Mesmo não sendo de modo tão exacerbado, como nesse exemplo, o estilo narrador e demasiado descritivo do ensino tende a levar à excessiva abstração por parte do aluno que se vê forçado a ter que estudar uma série infindável de nomenclaturas, desprovidas de um sentido concreto. Por isso o estilo narrativo corrobora para aumentar a memorização dos assuntos pelo aluno, cabendo-lhe recitar mecanicamente o que foi decorado, destituindo-o de criatividade, de participação efetiva, e do exercício de sua razão prática, razão edificante que leva à ação. Nesse sentido, urge inaugurar uma relação profícua entre educador e educando, combatendo o ensino prescritivo imanente à tendência "bancária". É preciso vislumbrar condições fecundas de mudança. É recomendável rever conceitos, explorar os temas previstos no currículo escolar, revitalizar ou modificar abordagens. Como quer Freire, investir na dialogicidade, dando impulso à relação entre o mundo conhecido e o não-conhecido, tencionando transformar a sala de aula em um ambiente fértil e participativo. Ademais, Callai (2003, p.58) assevera que:

A Geografia é uma ciência social. Ao ser estudada, tem de considerar o aluno e a sociedade em que vive. Não pode ser uma coisa alheia, distante, desligada da realidade. Não pode ser um amontoado de assuntos, ou lugares (partes do espaço), onde temas são soltos, sempre defasados ou de difícil (e muitas vezes inacessível) compreensão pelos alunos. Não pode ser feita apenas de descrições de lugares distantes ou de fragmentos do espaço.

São notáveis a complexidade e diversificação de que se reveste a temática sobre o ensino de Geografia. Mas, para superar o estigma da Geografia Escolar, acusada de repassar um conhecimento inócuo, outras dimensões do processo pedagógico precisam ser consideradas, como, por exemplo, o caso dos métodos de ensino adotados. Kenski (1996), ao refletir sobre o ensino e os recursos didáticos, destaca que as escolas brasileiras, de maneira geral, restringem o uso de recursos ao livro didático a cadernos, lousa e giz. O professor apresenta oralmente o assunto; escreve no quadro alguns apontamentos; os alunos, com a atenção flutuante copiam o que está escrito; fazem leituras de textos e permanecem em silêncio a maior parte do tempo.

Isso é problemático, quando se sabe que o cotidiano dos estudantes é invadido por linguagens e informações vindas de diversos meios de comunicação, como a televisão, o rádio, o computador etc. E que a escola tem sido pouco preparada no enfrentamento desses desafios. Emerge, pois, uma espécie de dicotomia: um aluno que provém de um mundo polifônico e policrômico – repleto de sons, cores e imagens – e um espaço escolar monofônico e monocromático, com isso o aluno acaba desenvolvendo certa aversão às formas

tradicionais de ensino. Por conseguinte, torna-se evidenciada uma situação anacrônica do ensino, ao compartimentar as dimensões técnica e metodológica, separando-as do conteúdo e de outros elementos componentes da prática pedagógica e educativa.

Tratando diretamente do trabalho pedagógico com o conceito de região, Rua (1993) explica que mudanças metodológicas no ensino desse conceito devem tomar como eixo norteador do trabalho a relação teoria-prática, expressa no trinômio realidade-teoria-realidade. Segundo ele, o objetivo é capacitar o aluno a refletir criticamente sobre o espaço, procurando superar a forma tradicional de ensino da região pautada na exposição fragmentada dos diversos conjuntos regionais.

Acrescente-se que a escolha de uma unidade de análise espacial, determinada sempre pelos mesmos parâmetros (físico e político-administrativo), não consegue dar conta da complexidade do real. Lacoste (1988) explica que no estudo geográfico existem diversos espaços de conceituação, que contemplam diferentes aspectos, sejam eles físicos, econômicos, sociais sejam políticos. Deste modo, A priorização do estudo da paisagem natural oculta fatores que são bem mais conhecidos com outros recortes espaciais, visto que a delimitação a

priori do espaço de análise é seletiva, retirando do foco elementos importantes que deixam de

ser contemplados.

Por fim, alguns autores enfatizam que hoje em dia há uma crise que afeta o ensino de Geografia, advinda, na concepção de Soja (1993) e Thrift (1996), de uma crise na escola, na ciência, refletindo uma crise dos fundamentos da modernidade, que se expressa na amplidão alcançada pelo mass media, na assunção da imagem, arrefecendo a dicotomia real/representação e na unidade das categorias espaço e tempo, vistos agora de forma relativa. Não mais como antes, em que se cria na imutabilidade espacial, vivemos a era da proeminência do espaço. O avanço tecnológico realça a virtualidade e fundindo imagem e realidade, fazendo com que eventos espaciais ocorram em simultaneidade; esse mundo cambiante vem revolucionando o sistema de transportes, encurtando distâncias, justapondo espaços e instituindo redes espaciais. O mundo modifica sua paisagem com grande rapidez. “A trama contemporânea do mundo, conectado por redes, interligado em velocidade com aceleração impensada, há poucos anos, impôs um novo papel à Geografia” (SILVA, 2003, p. 89).

Nesse sentido, o caráter absoluto do espaço cartesiano é questionado, emergindo uma narrativa eivada de termos espaciais, como longe e perto; globalidade e localidade;

homogeneização e fragmentação; integração e desintegração etc., significando, na concepção

domínio da técnica contemporânea [...] impôs uma revisão nos pressupostos teóricos dessa ciência”. Desse ponto de vista, o ensino de Geografia e, conseqüentemente, o estudo da temática regional deve buscar responder a essa demanda. Na era da simultaneidade, é preciso assumir outro status ontológico e gnosiológico no ensino de Geografia, a fim de dar conta da complexidade dos acontecimentos espaciais, mas sem se deixar levar pela sedução dos interesses do regime capitalista, que continua bem vivo e aninhado no jogo de relações tecidas na contemporaneidade, voltadas para a afirmação da lógica do consumo e para a busca incessante de manutenção e amplificação das relações características desse regime.