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A Convenção da Unesco para a Protecção do Património Cultural Subaquático

A Valorização do Património Cultural Subaquático e a Aplicação do Conceito de Itinerário Cultural

4.1. Enquadramento Normativo e Legislativo do Património Cultural Subaquático

4.1.2. A Convenção da Unesco para a Protecção do Património Cultural Subaquático

O desenvolvimento da disciplina da arqueologia subaquática a par do progresso do mergulho autónomo, na segunda metade do século XX, despertou as consciências para a necessidade de protecção e valorização deste Património Cultural Subaquático. Desta forma, desde muito cedo se projectaram e criaram convenções de âmbito internacional com vista à sua protecção e regulamentação, experiências que vieram a culminar na Convenção da Unesco para a Protecção do Património Cultural Subaquático, adoptada em 2001 e recentemente entrada em vigor nos países signatários, a 2 de Janeiro de 2009.

Do caminho percorrido, ao longo da segunda metade do século XX, importa destacar as seguintes propostas e projectos:

a) Projecto de Convenção Europeia para a Protecção do Património Cultural Subaquático – 1978 a 1985

A 4 de Outubro de 1978, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adoptou a Recomendação 848 (1978) relativa ao património cultural subaquático. Nesse texto a Assembleia recomenda ao Comité de Ministros a elaboração de uma Convenção europeia. Seguidamente, o Comité de Ministros, aquando da sua 311ª reunião a nível de Delegados, decidiu criar um Comité ad hoc de peritos para o património cultural subaquático (CAHAQ), tendo por mandato redigir a Convenção europeia para a protecção desse património. Este Comité reuniu-se pela primeira vez em Setembro de 1980 e teve consequentemente cinto reuniões plenárias. Portugal contou com um delegado na pessoa do Professor Arquitecto Octávio Lixa Filgueiras, enquanto representante da Marinha Portuguesa.

O texto do projecto de Convenção e respectivo relatório explicativo ficaram definitivamente prontos em Março de 1985. No entanto, o projecto de Convenção acabou por ficar bloqueado e nunca entrar em vigor devido à não-aceitação do teor da redacção do Artigo, pelo delegado da Turquia. (Correio de Arqueonáutica, 1992)

b) Carta Internacional do ICOMOS sobre a Protecção e a Gestão do Património Cultural Subaquático, elaborada pelo Concelho Internacional do Património Cultural Subaquático do ICOMOS e ratificada pela 11ª Assembleia Geral do ICOMOS (Sófia, 5 a 9 de Outubro de 1996)

As grandes linhas reguladoras do projecto de Convenção de 1985 foram retomadas e reformuladas nesta convenção de 1996.

Esta Carta chama a atenção para o carácter internacional deste património, sugerindo que, se cuidadosamente gerido, o património cultural subaquático pode desempenhar um papel positivo na promoção de actividades de lazer e turismo. Chama ainda a atenção para os perigos e ameaças ao património existentes, essencialmente, nas actividades marítimas e obras de construção de frente aquática, cujas consequências podem ser reduzidas através da consulta atempada de arqueólogos e da implantação de medidas mitigadoras. É defendida a ideia de que a exploração comercial do património cultural subaquático é totalmente incompatível com a sua protecção e gestão. A Carta visa assegurar que todas as investigações sejam explícitas nos seus objectivos, metodologias e resultados previstos, de modo a que a intenção de cada projecto seja transparente para todos.

Enumerámos resumidamente, os Princípios Fundamentais para a protecção do património cultural subaquático apresentados no Artigo 1 da Carta:

- A preservação do património cultural subaquático in situ deve ser considerada como uma primeira opção;

- O acesso público deve ser encorajado;

- As técnicas não destrutivas, a prospecção não intrusiva e a amostragem devem ser encorajadas preferencialmente à escavação;

- O impacto adverso da investigação sobre o património cultural subaquático não deve ser mais do que o necessário aos objectivos mitigatórios ou de pesquisa do projecto;

- A investigação deve evitar a perturbação desnecessária de restos humanos ou de locais sagrados;

- A investigação deve ser acompanhada de adequada documentação.

Estes princípios foram, em grande parte, reassumidos posteriormente na Convenção da UNESCO para o Património Cultural Subaquático de 2001.

C) Convenção da UNESCO para a Protecção do Património Cultural Subaquático, Paris, 2001

A adopção desta convenção dotou os estados de um instrumento internacional de protecção. O Património Cultural Subaquático constitui uma via extremamente valiosa para o estudo, reconstituição e conhecimento de antigos modos de vida, condições de vida a bordo das embarcações, construção naval e rotas de comércio. O progresso técnico facilitou o desenvolvimento das actividades de mergulho autónomo e consequentemente o acesso ao fundo do mar e ao património cultural aí depositado, tornando-o vulnerável a actos de pilhagem e destruição. A necessidade desta Convenção decorre exactamente desses perigos.

A Convenção para a Protecção do Património Cultural Subaquático55 foi adoptada na 31ª. Conferência Geral da Unesco, em Paris, a 2 de Novembro de 2001, tendo por base estes grandes princípios:

- Obrigação da preservação do Património Cultural Subaquático;

- O princípio da conservação in situ, como opção prioritária;

- Intervenção mínima;

- Proibição da exploração comercial do Património Cultural Subaquático;

- Promoção do acesso público ao património cultural subaquático in situ;

- Cooperação Internacional na protecção, formação em arqueologia subaquática, e divulgação.

Portugal ratificou esta Convenção em Setembro de 2006, mas só em Outubro de 2008 a Convenção foi ratificada pelo número mínimo de 20 Estados necessários à sua entrada em vigor. Desta forma, a Convenção para a Protecção do Património Cultural Subaquático entrou em vigor a 2 de Janeiro de 2009. A primeira reunião dos Estados Partes na Convenção decorreu em Paris, dias 26 e 27 de Março de 2009.

Logo após a ratificação e tendo como objectivo a valorização da importância dessa aprovação, a Comissão Nacional da UNESCO e o IGESPAR/DANS promoveram a realização de Seminários e Workshops integrados na Semana Internacional do Património Cultural Subaquático, decorrida em Lisboa, entre os dias 9 e 15 de Fevereiro de 2007.

As numerosas e sucessivas descobertas no domínio da arqueologia náutica e subaquática em Portugal, no último meio século, e em especial desde as últimas

décadas, vieram efectivamente comprovar a importância e a expressividade milenar do nosso património arqueológico subaquático. Assim, a Convenção da UNESCO é importante para Portugal, na medida em que:

- Consolida internamente, no âmbito do património cultural subaquático, princípios e normas já consagradas na área do património arqueológico terrestre;

- Oferece um quadro global, coerente, de protecção do património cultural subaquático em qualquer espaço geográfico e jurídico, sejam águas interiores, mar territorial, zona contígua, ZEE, plataforma continental, ou mar-de-ninguém, nos quais se perderam inúmeros vestígios do património cultural subaquático de origem portuguesa;

- Ao colocar a cooperação internacional no centro dos princípios que devem orientar as relações entre países, contribui para eliminar a desconfiança normalmente subsistente entre os Estados Costeiros e os Estados de Bandeira, devido ao negativo ênfase da questão da posse em prejuízo da protecção e do tipo de uso a dar ao património cultural comum. Esta questão é essencial para Portugal, que apesar de ser geograficamente um Estado Costeiro, é sobretudo, historicamente, um Estado de Bandeira, com um imenso património cultural subaquático espalhado pelo mundo. Património que Portugal, por interesse e obrigação, deseja ver preservado e estudado pelos Estados Costeiros em cujas águas ele se perdeu. Se necessário ou desejável, em colaboração com estes Estados, na primeira linha dos quais se encontram naturalmente os estados integrantes da comunidade lusófona.