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A Valorização do Património Cultural Subaquático e a Aplicação do Conceito de Itinerário Cultural

4.3. Estratégias para a valorização de um Itinerário Cultural Marítimo

66 Cultural routes: Tangible and intangible dimensions of cultural heritage. Alberto Martorell Carreno. Paper from the proceedings of ICOMOS 14th General Assembly and International Symposium, Victoria Falls, Zimbabwe, 27-31, October 2003.

Encontro Científico Internacional sobre Itinerários Culturais [Ferrol, Espanha, 1, 2 e 3 de Outubro de 2004] “Identificacion, promocion e inventario de los Itinerarios Culturales - Fortificaciones, puertos y ciudades en la estructura de los Itinerarios Culturales. Rutas de Comercio, Control del Territorio y Peregrinaje”. Monuments and Sites: X, 2005

Segundo a nossa perspectiva, a gestão e valorização de um Itinerário Cultural desenvolve-se em três níveis diferenciados:

A gestão geral – a realizar pelo órgão de tutela (IGESPAR) e que passa, necessariamente, pelo inventário nacional e fiscalização dos bens culturais e trabalhos arqueológicos;

A gestão intermédia – normalmente realizada a nível regional e local. É neste quadro que podem surgir as associações de museus em rede, protocolos de colaboração entre entidades e projectos desenvolvidos em parcerias;

A gestão específica – respeita à gestão e valorização das colecções e sítios arqueológicos, tutelados pelos museus, municípios, associações, centros de investigação, etc. São actividades relacionadas com as escolhas museológicas, os projectos educacionais, as publicações de divulgação e as visitas propriamente ditas.

À divisão que propomos há a acrescer uma série de elementos a ter em consideração na delineação das estratégias, que apontamos como essenciais, para a valorização dos itinerários culturais de componente marítima.

Desta forma, enquanto componente privilegiado, surge o património cultural subaquático que deverá ser preservado segundo as directrizes da Convenção da UNESCO para a Protecção do Património Cultural Subaquático. O princípio da conservação in situ e a promoção do acesso público a esses locais são estratégias que dão resposta às dificuldades de conservação dos vestígios à superfície, promovendo ao mesmo tempo soluções museológicas mais interessantes. O acesso aos vestígios in situ, integrados em Itinerários Subaquáticos e Parques Arqueológicos Subaquáticos, permite uma leitura do contexto natural e paisagístico do achado, muito apreciado pelos visitantes, fomentando o desenvolvimento do mergulho turístico, cuja prática deverá ser desenvolvida ao abrigo da Carta Internacional do Turismo Cultural (ICOMOS).

A cooperação Internacional na protecção, divulgação e na formação em arqueologia subaquática é indispensável ao desenvolvimento de projectos de valorização patrimonial de vestígios integrados em redes transnacionais de comércio e trocas culturais, desenvolvidas ao longo da História. Esta dimensão transnacional do património cultural subaquático, determinada pela proveniência diversificada das cargas das embarcações, impôs regras específicas para a sua protecção, impressas na Convenção da Unesco e que deverão ser tidas em conta.

A formulação de projectos que beneficiem o binómio Terra-Mar será facilitadora de uma valorização integrada do património cultural com o território, podendo ser geridos enquanto parques e paisagens culturais ou incluídos em Ecomuseus. Aliados a estes factores estão a adopção de critérios de responsabilidade e desenvolvimento sustentável dos recursos culturais, garantindo a sustentabilidade dos projectos desenvolvidos, que devem sempre que possível valorizar o aproveitamento turístico do património e a participação da comunidade local.

O público constitui outro elemento fundamental na valorização cultural. Parece-nos importante, a par da promoção turística e lúdica, a eficiente aplicação dos métodos da didáctica da história em museologia e valorização do património histórico e cultural. Mais do que boas infra-estruturas turísticas, é necessária uma funcionalidade educativa e explicativa do que é apresentado ao visitante e ao “leitor” da informação apresentada. O público, independentemente da sua faixa etária, terá um maior interesse e curiosidade por aquilo que visualiza se puder adquirir conhecimento e experienciá-lo. É neste campo que entram os conteúdos interactivos, os ateliês, os cursos livres e os workshops. Caberá ao historiador, ao arqueólogo e ao técnico de património decompor a realidade histórica, transformando-a em conteúdos acessíveis ao público em geral. A relação entre a intencionalidade e o público-alvo deverão ser tidos em conta, principalmente pelos profissionais investigadores, cuja linguagem científica visa um publico especializado e mais entendedor da História. Essa linguagem necessita ser desmistificada e adequada a cada público (científico, turístico, escolar, etc.). Seguindo esta perspectiva, no que concerne aos Itinerários Culturais Marítimos em particular, torna-se fundamental o esclarecimento de conceitos básicos para a compreensão do trabalho arqueológico subaquático, nomeadamente o conceito de naufrágio, roteiro náutico e a distinção entre a Arqueologia Subaquática, Marítima e Naval. Tratando-se de uma área que abarca o estudo das embarcações e das técnicas de navegação, esta permitirá o desenvolvimento de ateliês de modelismo naval e a prática de navegação à vela, actividades dualmente lúdicas e didácticas.

Retomamos ao campo da gestão geral para acrescentar que nos parece urgente uma leitura da Carta Arqueológica Subaquática Nacional que permita a delineação de prioridades e estratégias de intervenção. Pelo menos no que concerne aos vestígios de época antiga, a investigação arqueológica tem sido insignificante e promovida essencialmente pelos interesses e patrocínios locais e municipais, correndo ao sabor das conjunturas ocasionais e do voluntariado. Não identificamos qualquer plano estratégico da tutela guiado por pressupostos científicos que procurem respostas às

perplexidades sugeridas pelos contextos arqueológicos costeiros, visando o esclarecimento e promovendo o conhecimento acerca da navegação atlântica na época romana. Esta será uma limitação a acrescentar aos problemas diagnosticados e a incluir no contexto de falta de meios financeiros e logísticos, para a operacionalização de missões prioritárias de verificação.

Perante as dificuldades descritas, torna-se fundamental privilegiar a comunicação entre entidades, promover a associação de museus e sítios arqueológicos em rede, desenvolver exposições colectivas e itinerantes, seguindo as premissas da ICOM68 e criar plataformas digitais de divulgação que permitam uma constante actualização e troca de informação, combatendo o conhecimento estático. Neste contexto, os Museus Marítimos e as Universidades serão as entidades privilegiadas para o desenvolvimento de projectos e a criação de centros de investigação especializados na salvaguarda e divulgação do património cultural subaquático e marítimo.

A formação profissional em arqueologia subaquática é a principal carência nacional, ainda que nos últimos dois anos se tenham multiplicado os cursos livres e workshops de Introdução à Arqueologia Subaquática. Tendo sido, ainda, possível criar um curso de Pós-Graduação em Arqueologia Subaquática, fruto de uma parceria entre o Instituto Politécnico de Tomar e a Universidade Autónoma de Lisboa. A incapacidade de intervenção no terreno das associações e grupos de pesquisa é, na maioria das vezes, fomentada pela carência de profissionais interessados e com disponibilidade financeira para investirem numa especialização em arqueologia subaquática. É estrategicamente essencial multiplicar a acessibilidade à formação, promovendo a sua realização no seio de projectos de investigação com vocações didácticas credíveis e passíveis de creditação académica. A par desta formação profissionalizante é também prioritária a multiplicação dos cursos livres e workshops de Introdução à Arqueologia Subaquática que deverá manter, no nosso entender, objectivos genéricos de divulgação da disciplina e do enquadramento legislativo da sua prática, promovendo o respeito pelo património cultural subaquático e a educação cívica para a sua protecção.

A preservação das técnicas de construção naval, de navegação e de pesca, com actividades que visam o restauro de navios históricos e embarcações tradicionais, ou a realização de regatas e passeios turísticos, são substanciais para a continuidade das práticas culturais das comunidades ribeirinhas e piscatórias. Este tipo de actividade permite uma ligação à realidade histórica mais recente, com a qual o público se sente 68 Conselho Internacional de Museus

ainda intimamente ligado e identificado, facilitando a participação activa da comunidade no projecto e o diálogo entre gerações. Estas práticas poderão servir de mote à descoberta de paralelos mais antigos, registados arqueologicamente.

Finalizaremos apontando como estratégica a valorização do património imaterial, que no caso particular dos Itinerários Culturais Marítimos incluirá, genericamente, os domínios das técnicas de navegação e construção naval empíricas, as práticas votivas e religiosas, as celebrações e eventos festivos, o decorativismo naval e a gastronomia.

Trabalho de Projecto: Um Guia para um Itinerário