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2. O ATUAL MODELO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL AOS REFUGIADOS

2.3 OS DESAFIOS DO SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS

2.3.2 A CRISE DO ATUAL MODELO DE PROTEÇÃO E SEU REFLEXO NO ÂMBITO DE ATUAÇÃO DOS E STADOS

2.3.2.1 A cooperação interestatal por meio do compartilhamento de responsabilidades

A cooperação interestatal fundamenta-se no princípio do burden sharing, constante no preâmbulo da Convenção de 1951, por meio do qual deve haver solidariedade entre os Estado diante de um fluxo de refugiados, considerando a capacidade de acolhimento específica de cada um. Esse princípio abrange tanto o auxílio financeiro quanto “físico” entre os países, com intuito de administrar eficientemente a questão relativa aos refugiados, sendo esta governança cooperativa sua essência.

Desse modo, o princípio exige não apenas o compartilhamento de recursos, mas também uma harmonização das legislações migratórias entre os Estados-partes, fator esse que por vezes é um complicador nas relações entre os países. Essa cooperação também pode abranger medidas de caráter mais ativo, como o envio de forças de paz ao local do conflito ou mesmo a recepção de agentes de proteção no território para auxiliar na administração das consequências de determinada migração forçada. Dentre os principais motivos para os Estados promoverem tais medidas estão o compliance com as normas internacionais de cooperação; solidariedade em relação à comunidade internacional e aos próprios refugiados; e o próprio interesse dos Estados em evitar a ocorrência de fluxos massivos de refugiados, assegurando uma maior eficiência ao sistema de proteção.107

Nessa perspectiva de alinhamento normativo, o ACNUR tentou estabelecer um padrão para o burden sharing entre 2003 e 2005 por meio de uma inciativa chamada Convention Plus. A proposta apresentava como principais linhas de discussão o controle da imigração irregular, reassentamento e meios para efetivar assistência de outros países. No entanto, a iniciativa não resultou em qualquer documento vinculativo ou mesmo informativo para auxiliar a efetiva aplicação desse princípio.108Assim, a aplicação eficiente desse princípio por vezes é prejudica, uma vez que sua forma de aplicação depende do interesse de cada Estado. A forma mais comum observada é o oferecimento de recursos destinados à manutenção de campos de refugiados nas regiões de origem, evitando-se os custos desse fluxo de pessoas no território do Estado que se propôs a cooperar.109

107 THIELEMANN, Eiko. Burden Sharing: the international politics of refugee protection. The Center for

Comparative Immigration Studies. University of California, San Diego. Disponível em: https://ccis.ucsd.edu/_files/wp134.pdf. Acesso em: 20 de out. 2018.

108 UNHCR - Convention Plus. Disponível em: http://www.unhcr.org/convention-plus.html. Acesso em: 20 de

out. 2018.

109 BOSWEL, Christina. Migration in Europe: Global Commission on International Migration, 2005. Disponível

em: https://pdfs.semanticscholar.org/a443/31ac850766c64699e604b72482b4875bf22f.pdf. Acesso em: 20 de out. 2018.

Nesse sentido, a proliferação de campos de refugiados ao redor do mundo se torna cada vez mais frequente. Os campos de refugiados são locais construídos por organizações internacionais ou organizações não-governamentais (ONGs) para receber refugiados de forma temporária e provisória. Por serem, em tese, de caráter temporário, os campos providenciam apenas o básico necessário para a sobrevivência. No entanto, a manutenção do campo de refugiados por um longo período não é algo esporádico e, na maioria das vezes, inicia uma crise humanitária de difícil resolução, uma vez que não há inserção e integração da maioria desses indivíduos nos Estados de acolhida de forma eficiente.

Como exemplo, pode ser citado o campo de Azraq, localizado na Jordânia, país que faz fronteira com a Síria. Segundo reportagem110 veiculada no dia 10 de maio de 2017, esse campo era considerado o maior do mundo, construído no deserto e com capacidade para abrigar até 130 mil pessoas, as quais vivem em contêineres e compartilham banheiros por até 15 pessoas. O campo lembra uma prisão, uma vez que os refugiados não podem sair do campo, em razão da presença de grades e cercas elétricas por todos os lados. Os produtos são os mesmos vendidos do lado de fora, os preços também, mas as pessoas ganham muito menos lá dentro. Cada refugiado vive com menos de U$ 1,00 por dia. Ainda é informada a existência de outro campo de refugiados a cerca de 100 km do campo de Azraq. O campo de Zaatari, também na Jordânia, foi construído ainda em 29 de julho de 2012 e já em 2013 continha mais de 200 mil refugiados sírios.

O ACNUR111, ainda em 2015, já alertava que as condições de vida dos mais de meio milhão de refugiados que viviam em áreas urbanas da Jordânia estavam se tornando cada vez mais difícil, aumentando a população dos campos. Naquele ano, a última pesquisa mostrou que 86% de refugiados urbanos viviam abaixo da linha de pobreza Jordana, o que significava cerca de US$95 per capita ao mês. E foi exatamente essa superlotação de Zaatari que resultou em buscas maiores no campo de Azraq, ou seja, não por acaso a redução do número de refugiados em um dos campos coincide com o aumento do número no outro.

No caso relatado, o ACNUR112 continua a empreender esforços a melhoria das condições desses refugiados sírios. No início de 2017, o órgão iniciou uma campanha para

110 TAVOLIERI, Nathalia. Sírios transformam campo de refugiados em cidades. Globo Notícias, Profissão

Repórter de 10 de maio de 2017. Disponível em: http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2017/05/sirios- transformam-campo-de-refugiados-em-cidades1.html. Acesso em: 10 de ago. 2018.

111 ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Campo de refugiados de Zaatari na Jordânia

completa três anos, com desafios para seus milhares de habitantes. Genebra, 2015. Disponível em:

http://www.acnur.org/portugues/noticias/noticia/campo-de-refugiados-de-zaatari-na-jordania-completa-tres- anos-com-desafios-para-seus-milhares-de-habitantes/. Acesso em 10 de ago. 2018.

112 UNHCR. Financial Requirements 2018-2019. Disponível em:

angariar um fundo de US$ 8 bilhões destinado a financiar o Plano Regional de Refugiados e Resiliência 2018-2019 para os refugiados e o Plano Resposta Humanitária da Síria 2017 para os que ainda se encontram em território sírio. Durante importante conferência de doadores da União Europeia e da ONU, foi prometido o valor US$ 4,4 bilhões ainda em 2018. Na oportunidade, foram enfatizadas a necessidade de mais recursos, negociações entre as partes na Síria para tentar solucionar o conflito, bem como expansão dos programas de reassentamento para refugiados sírios no âmbito dos países presentes na conferência.113

Igualmente, a iniciativa de angariar fundos é empreendida também no caso anteriormente exposto do campo de refugiados em Bangladesh. Nesse caso, o ACNUR busca US$ 951 milhões para suprir a necessidade 900 mil refugiados e mais 330 mil bengalis vulneráveis114. Conforme já exposto anteriormente, a cooperação entre os Estados é princípio do Direito Internacional dos Refugiados, sendo o compartilhamento das responsabilidades de acordo com a capacidade econômica de cada Estado uma necessidade cada vez mais presente para atenuar as assimetrias econômicas no mundo globalizado. No entanto, nenhuma ação ou mecanismo é desenvolvido no âmbito da proteção internacional aos refugiados para que se concretize este princípio tão caro à efetividade dos sistemas normativo e de proteção internacional aos refugiados.

Tais questões, contudo, desenvolvem-se em um pano de fundo mais amplo, que diz respeito sobretudo ao impacto orçamentário da adoção de políticas públicas de proteção dos direitos fundamentais em relação à capacidade econômica de um Estado. Para que seja assegurada a efetividade dos direitos inerentes aos refugiados, um primeiro e necessário passo a ser dado é o verdadeiro comprometimento dos Estados em compartilhar as responsabilidades de maneira sustentável e de acordo com a capacidade econômica de cada um diante dos desafios apresentados no mundo globalizado.