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5. As aulas de leitura

5.2 A correção de exercícios

As aulas de correção de exercícios que aconteceram em dez (10) das aulas de leitura registradas seguiram um padrão. Os alunos levantavam a mão para ler suas respostas. Estas eram logo comentadas pelo professor que fornecia feedbacks positivos ou pedia que os alunos completassem-nas. Em seguida, novos alunos eram convidados para sugerir outras possibilidades de resposta. Depois de discutir várias respostas possíveis, o professor elaborava uma resposta padrão e a redigia no quadro para

“Quem tiver deixado em branco/ quem tiver colocado diferente/ quem quiser complementar com as ideias.../” (Professor Odilon, aula 07/07/2010).

Sobre essas aulas de correção, cabe destacar alguns aspectos. Em muitas delas, o professor construiu com os alunos orientações para que executassem a tarefa de forma satisfatória. Em primeiro lugar, eles tinham que compreender as questões a serem respondidas: “Outra coisa que eu combinei com vocês/ que eu disse pra vocês nas

nossas primeiras aulas/ o grande macete pra acertar a questão/ é entender o que ela tá pedindo/ não é?/ Se eu não entender a pergunta.../ ahn?/ A chance de errar é maior/ não é Mariana?/(...) Então vamos/ em primeiro lugar/ esclarecer o que que a pergunta tá querendo/ alguém seria capaz aí de me esclarecer isso?/” (Professor

Odilon, aula 07/07/2010); “Gente/ mais uma vez eu queria insistir/ no entendimento

da pergunta/ Compare a divisão do trabalho nas aldeias e nas cidades pré- históricas./ Comparem o Atlético com o Cruzeiro/ Como é que eu comparo o Atlético com o Cruzeiro?/ (...) Tá/ olha só/ quando eu falo em comparar/ Quando eu falo em comparar/ pra que que isso fique bem claro/ eu tenho que falar das semelhanças/ e das diferenças./ Aí eu estou fazendo uma comparação/ não é isso?/ (Professor Odilon,

aula 09/07/2010); “Em primeiro lugar/ estão lembrados que eu já disse pra vocês

várias vezes/ que se eu não entendo uma pergunta/ como é que eu posso acertar/ não é?/ Se eu não entender a pergunta/ fica muito mais difícil pra achar a resposta/ não é isso?/ Estão lembrados?/ Vocês estão lembrados/ ou não de eu orientar nesse sentido?/ Já falei isso com vocês várias vezes/ não já?/ Ou não?/ Que se eu não entender a pergunta/ a resposta fica ainda mais complicada/ não é isso?/ E essa pergunta aqui/ ela tá/ ela tá clara pra vocês?/ Por que a ideia de reencarnação justificaria o sistema de castas?/” (Professor Odilon, aula 09/09/2010). Assim,

depois de enfatizar a importância de seu entendimento, trabalhava coletivamente a compreensão dela até perceber que os alunos já haviam ganhado autonomia para respondê-la.

 

Em segundo lugar, os alunos tinham que evitar a prática de localização das informações no texto: “muitas vezes/ quando vocês vêm até a minha carteira/ e fala

assim/ 'professor/ a resposta tá é aqui?’/ né/ aí me mostra um pedaço do livro/ aí eu respondo assim/ 'não/ tá por aí'./ Já repararam nisso/ né?/ Eu nunca falo/ tá aqui/ é aí mesmo/ Não/ tá por aí/ Lê esse pedaço aí/ 'Isso tudo professor/ mas não tá aqui nessa linha não?'/ Não!/ Leiam esse pedacinho aqui/ tá?/ Uma pergunta que é muito interessante fazer para o professor/ é a seguinte/ professor/ eu não entendi essa pergunta!/ Aí o professor/ por obrigação/ ele tem que explicar o que que ela tá querendo./ Agora quando vocês vêm até minha mesa/ e perguntam/ professor a resposta tá é aqui?/ Aí eu não vou responder”/ (Professor Odilon, aula 07/07/2010).

Aqui o professor parece tentar reverter uma prática de localização de ideias no texto. Nessa mesma aula ela enfatizou que essa estratégia de apenas localizar respostas no texto não funcionaria pela própria natureza do conhecimento histórico: “lembra

quando a gente teve a nossa primeira aula?/ E eu disse que história não é matemática?/ Às vezes em matemática você encontra uma resposta ali/ um cálculo bem direto/ né?/ E em história não/ às vezes você tem que ler um pedaço do livro/ ler um texto/ uma informação/ pra tirar uma conclusão/ Então/ tenho que insistir com vocês/ não procurem as respostas prontas no livro de história/ vocês não vão encontrar./ A ideia pra vocês responderem esses exercícios/ é ler um pedacinho/ ou ler um parágrafo/ ler o item sobre o tal assunto/ e procurar entender e tirar uma conclusão./” (Professor Odilon, aula 07/07/2010).

Sobre isso, pesquisas realizadas no contexto do ensino de História (Aisenberg, 2005, Basuyau & Guyon, 1994 apud Aisenberg, 2005) mostraram que as propostas mais frequentes de leitura, por professores de História e por autores dos livros didáticos de História, são as de “decomposição” de um texto em informações pontuais, que colocam em jogo fundamentalmente a “estratégia de localização”. Nesse caso, o trabalho intelectual restringe-se a identificação e reprodução da informação. Essa perspectiva, baseada em estratégias de identificação e de reprodução de informações,

resulta, na maioria das vezes, em uma leitura superficial e insuficiente do texto, prejudicando o processo de aprendizagem da História.

Aisenberg, ainda, concordando com Nicole Lautier (1997), diz que estes usos dos textos correspondem a um modelo de ensino de História que dissocia o ato de ler em duas fases temporais: primeiro a incorporação da informação e, depois, a interpretação e a explicação. E avança o seu raciocínio dizendo que a leitura não é considerada como um trabalho inerente à construção do conhecimento histórico, somente oferece vestígios para ele, e que nessa forma de conceber a leitura, o sentido do texto já está dado. Portanto, nessas situações, o texto encontra-se fora do leitor que precisa, apenas, extrair dos textos as informações nele contidas (Siman e Andrade, no prelo). O próprio professor, na entrevista, observou quão comum e introjetada nos alunos está essa prática de localização de ideias no texto: “É porque eles/ [os alunos]

leem/ eles não têm compromisso com o texto./ Eles leem o texto/ para falar que/ para falar que leu/ e querem ir para a questão./ E se eles não estão conseguindo/ eles chutam/ (...) Quer dizer/ é uma coisa muito mais geográfica/ de geografia do texto/ de achar uma palavra aqui/ e achar que o que está perto daquela palavra/ pode ser a resposta./ Do que ler/ “Essa palavra está aqui?/ Então eu vou ler e entender./” O processo não é esse./ É absurdo dizer isso/ mas.../ o que eu tenho.../ O que eu tenho visto é isso/ é uma tentativa de localizar geograficamente num texto/ a resposta/”

(Professor Odilon). Desse   modo,   nas aulas de História, o professor Odilon fez um esforço de contrariar e reverter esse modelo e desenvolver junto aos alunos a compreensão do texto e das perguntas sobre ele, evitando que os alunos restrinjam-se a localizar geograficamente as respostas nas páginas.  

 

Em terceiro lugar, quando os alunos apresentavam dificuldade em responder a questão, o professor sugeria a releitura das páginas do livro que tratavam do tema: “Queria que vocês acompanhassem minha sugestão aqui/ Como a gente está tendo

uma certa dificuldade/ o que que a gente faz?/ A gente volta pra fazer uma releitura./ Vamos lá fazer uma nova leitura do item que está tratando sobre/ está tratando da vida na cidade na pré-história/ vamos lá/ página 58/” (Professor Odilon, aula

09/07/2010).    

Desse modo, nas aulas de correção durante todo o ano letivo, o professor refletiu junto aos alunos sobre as ações em que eles deveriam se engajar para responder às questões de modo satisfatório. Essas aulas confirmam, uma vez mais, que o caráter reflexivo do discurso e da prática desse professor configurou-se como uma prática social nessa sala de aula.