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5. As aulas de leitura

5.1 A leitura em grupo

As duas aulas de leitura em grupo aconteceram nos dias 23/06 e 24/06, sendo que uma deu continuidade à outra. Nessas aulas o professor pediu que os alunos se reunissem em seus grupos de trabalho previamente selecionados e se ocupassem de tarefas referentes ao Capítulo 4 do livro didático, intitulado “As primeiras aldeias e cidades”, referente ao período Neolítico.

relator do grupo, redigisse as ideias centrais amalgamadas na discussão: “Vocês vão

ler o capítulo/ ler esse trecho/ trocar ideias entre si/ o grupo vai escolher o relator/ que pode ser o próprio líder do grupo/ pode ser/ por exemplo/ o Geisson/ Esse relator vai ser o único que vai escrever pra mim/ o que que o grupo discutiu sobre as informações mais importantes desse trecho/”. Mais adiante em sua fala, o professor

discutiu com os alunos o que seria um relato e enfatizou que não queria um resumo:

“Tá/ ou seja/ não é resumo/ prestem atenção/ não é resumo!/ Eu quero que vocês troquem ideias/ discutam entre vocês/ quais são as informações mais importantes/”;

tampouco uma cópia: “Não é/ repito/ não é pra copiar o livro!/ E é pra debater!/”.  

A seguir, o professor definiu com os alunos que nos vinte minutos finais da aula, eles interromperiam a discussão para que o relator iniciasse o trabalho de escrita a ser entregue no final da aula: “Durante a primeira meia hora da aula/ vocês vão debater/

e trocar ideias do que é mais importante do texto./ Quando estiver faltando 20 minutos/ eu vou avisar/ vocês vão parar as discussões/ ao longo das discussões/ cada um vai anotando o que é importante/ e depois na hora de juntar/ faltando 20 minutos/ vocês vão arrancar uma folha do caderno/ vão colocar o nome do grupo/ e dos componentes/ e vão me entregar com aquilo que vocês anotaram/ que é o mais importante/”.

 

Antes do término da aula, após receber o relato dos grupos, o professor começou a construir com os alunos as atividades que eles assumiriam na aula do dia seguinte:

“Bom gente/ na próxima aula/ eu vou/ cada grupo vai avaliar o trabalho dos colegas./ O grupo 1/ vai avaliar o trabalho do grupo 6./ O grupo 2/ vai avaliar o do 1/ o 3 vai avaliar o do 2/ o 4 vai avaliar o do 3/ e assim por diante/ Com a respon../ Juan/ com a responsabilidade de/ não só corrigir/ Bernardo/ não só corrigir/ mas de melhorar o trabalho/ qualificar o trabalho do grupo que ele está fazendo a avaliação./ Como é que vocês vão fazer isso?/ Eu vou entregar para vocês o trabalho dos colegas/ vocês vão fazer a leitura do grupo/ do material que o colega entregou/ e vão ler novamente o item do livro de onde eles produziram a atividade./ A partir daí/ vocês vão comentar a principal qualidade/ e o principal/ a principal falha do trabalho dos colegas./ O que tem de muito bom/ e o que poderia ter ficado melhor./ Tá?/ E a partir daí vocês vão completar o trabalho dos colegas/”. Depois de definir

no plano social a atividade de avaliação dos aspectos positivos e negativos dos textos dos colegas, o professor sinalizou para a turma os objetivos da atividade: “No final

nós vamos ter o registro do estudo do Capítulo 4/ não é isso?/ Pois é/ mas é o Capítulo 4/ não é isso?/ Aí ao final da atividade/ nós teremos um registro dos estudos do Capítulo 4/”.

Em seguida, o professor solicitou que cada grupo fizesse um balanço da atividade em equipe: “Bom/ eu queria saber de vocês agora/ Felipe/ queria saber de vocês/

levantem a mão para falar/ por favor/ o que vocês acharam de mais difícil nesse trabalho que vocês acabaram de fazer./ O que que foi mais difícil?/ Vamos gente/ pode rasgar o verbo!/” Os alunos levantaram vários aspectos, quais sejam, suas

estratégias, suas dificuldades, o que deu certo, etc. O professor, desse modo, construiu com os alunos uma reflexão sobre o trabalho em equipe que tinham acabado de participar.

 

Na aula seguinte, o professor definiu novamente a tarefa de avaliação da atividade dos colegas que os alunos assumiriam até metade da aula: “Eu digitei o relato produzido

por vocês ontem/ e hoje a atividade é a seguinte/ passei no quadro o roteiro/ vocês vão pegar no livro/ e vão reler o trecho de número/ do mesmo número que vocês vão receber./ O mesmo número que vocês vão receber o relato./ Então Andréia/ e Alexandre/ se eu entregar pra vocês o grupo 1/ vocês vão abrir o livro/ lá no capítulo 4/ e vão procurar o item 1/ e vão fazer a releitura do item 1 pra mim em silêncio./ Depois vocês vão ler um pedaço de papel/ que eu entreguei que é o relato do grupo./ Depois de ler o item do livro/ e ler o relato do grupo/ vocês vão apontar qual que é a qualidade do relato dos colegas/ ou seja/ qual que é o ponto positivo do relato/ quais são as falhas/ ou seja/ o que o grupo deixou de relatar que era importante mencionar/ e eles não mencionaram/ e por fim/ grifar no papel que eu vou entregar/ os erros de português/ o erros que vocês encontrarem/ as palavras escritas erradas/ tá ok?/ Essa é atividade que vocês vão fazer até a metade da aula/”.

 

A partir da metade da aula, os grupos receberam os comentários dos colegas. Ao perceber o tumulto gerado pela crítica alheia, o professor refletiu com os alunos sobre a importância da colaboração do outro, do colega, do grupo alheio para suas

aprendizagens e, ainda, aconselhou que eles deveriam tirar proveito da ajuda dos colegas, pois que sua avaliação seria muito mais rígida: “Prestem atenção!/ O

objetivo aqui/ não é criar confusão!/ Não é ficar caçando confusão com o grupo que fez os comentários pra ajudar o grupo de vocês!/ Quem achou ruim o comentário que o outro grupo fez/ me entrega do jeito que está e eu vou avaliar!/ Vocês estão tendo a chance de melhorar o trabalho de vocês/ a partir das observações que seus colegas fizeram!/ E isso não é ruim/ pelo contrário!/ Eles estão dando a oportunidade de que vocês corrijam aquilo que não ficou tão bom./ A oportunidade para que vocês corrijam aquilo que está falho./ Não é pra ficar saindo da mesa pra ir questionar o outro grupo/ o que que eles fizeram/ não!/ (...)É pra, a partir de agora/ a partir dos comentários que os colegas fizeram/ vocês tentarem melhorar o texto de vocês./ Porque eu vou ser muito mais rigoroso do que seus colegas!/ Eu vou ser muito mais severo do que os colegas foram./ Então os colegas estão alertando vocês sobre a necessidade de melhorar o trabalho/”.

 

Sobre essas duas aulas, cabe ressaltar que o professor não só construiu com os alunos a tarefa, mas a reflexão dela, de seus objetivos, de seus valores didáticos. Desse modo, nas duas aulas de “leitura em grupo”, veio à tona a natureza reflexiva do discurso do professor. Ele refletiu sobre o modo de participar da dinâmica de leitura, sobre as características de um relato, sobre a natureza do trabalho em equipe e, até mesmo, sobre os motivos pelos quais os alunos deveriam aceitar a crítica dos colegas. O professor, desse modo, construiu discursivamente o significado das ações dos participantes, transformando-as em atos significativos para a História local. Os registros e análises das demais aulas suportam essa interpretação e mostram que esse padrão discursivo reflexivo, característico da maneira de ensinar desse professor, esteve presente em sua prática cotidiana, conforme vamos verificar nas análises das próximas aulas de leitura e, sobretudo, nas aulas de leitura debatida, nos capítulos seguintes. Essa característica reflexiva do discurso e da prática desse professor foi, portanto, constituinte das práticas sociais desse grupo e pode ter possibilitado a consciência nos membros de suas ações e consequências de seus atos.