• Nenhum resultado encontrado

PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 1 JORNALISMO: A FUNÇÃO SOCIAL E O JOGO

1.2 A crítica no jornalismo

Uma vez inserido na sociedade e anunciado a serviço desta, a pergunta que se faz é: o que exigir de um jornalismo que se coloca a serviço da sociedade? Mais do que um exercício funcionalista para

9

Considera-se neste trabalho o conceito de democracia participativa, desenvolvido por Boaventura de Sousa Santos, explicitado no capítulo 3.

informação das pessoas sobre o mundo em que vivem, muitos pesquisadores defendem que o jornalismo deva possuir um papel crítico e questionador ou que pelo menos gere informações que deem suporte para que o leitor possa formar uma opinião crítica sobre o mundo. É dessa forma que, ao invés de atuar na manutenção dos acontecimentos no mundo, o jornalismo contribuiria para a evolução da sociedade.

Em uma perspectiva crítica, Adelmo Genro Filho reformula o conceito de notícia, unidade básica do jornalismo, em cima do conceito de singularidade, propondo uma nova forma de estrutura de texto. A notícia assim seria composta a partir da singularidade do fato e não apenas da resposta processual às seis perguntas que compõem o lead (GENRO FILHO, 2012, 200). Ao invés do mais importante para o menos importante, partiria do singular para o universal. O olhar crítico do repórter, capaz de dar conta de negatividades do contexto social que envolvem o fato em si, particularizaria o singular. Segundo o autor, "a notícia crítica que apanha os fatos numa perspectiva revolucionária, constitui a singularidade como algo que transborda sua relação meramente funcional com a reprodução da sociedade". (GENRO FILHO, 2012, 198)

Nessa linha de pensamento, Karam chama atenção para os veículos jornalísticos que adotam hoje um discurso conservador, abastecendo-se "de um limite de explicações factuais, com pautas e fontes que não levam às últimas consequências as razões da negatividade social, seja por razões ideológicas, mercadológicas ou políticas editoriais, ou por falta de tempo e outras limitações." (2004, 72). De acordo com ele, tal discurso poderia iniciar com a abertura para o "espaço público da diferença, essência da democracia" (KARAM, 2004, 124). Entende-se assim que um jornalismo público a serviço da democracia está na divulgação de informações que possam embasar a crítica sobre assuntos de ordem social, a fim de possibilitar maior poder de participação popular. Karam constata, por exemplo, que "em geral não duram muito pautas sobre redistribuição de riqueza em um país que ocupa o primeiro lugar em concentração de renda e desigualdades sociais no mundo" (2004, 132). Acredita-se que dar voz a pensamentos diferentes que possam interessar a uma maioria lesada e ajudá-la a sair de uma posição passiva seria investir em condições iguais de diálogo entre diferentes classes. Tratando-se da moral da prática da profissão jornalística, entendendo os jornalistas como privilegiados e correspondentes da sociedade da informação, cabe o pensamento de Norbert Bilbeny, pesquisador de ética, de que o desafio nessa era é

"impedir a disseminação de indivíduos informados mas indiferentes, inteligentes mas cruéis. O ético é evitar a apatia e o adormecimento dos sentidos" (apud KARAM, 250).

Em defesa de uma democracia mais forte no mundo atual, pode- se pensar que uma das questões do exercício ético jornalístico estaria na luta contra um pensamento único de mercado, entendendo a crítica como essência do Jornalismo e o mercado como instância que também pode e deve ser questionada. A linha de pensamento único que objetiva o crescimento econômico norteia não apenas as atividades de produção, mas o modo de compreensão do funcionamento do mundo, como por exemplo a lógica que faz o senso comum afirmar para tudo que "tempo é dinheiro". Genro Filho (2012, 197) explica que a ideologia da objetividade no jornalismo esconde e indica uma ideologia burguesa com a finalidade de reproduzir e confirmar relações capitalistas. Para ele, a limitação da objetividade deve ser percebida como "um sinal da potência subjetiva do homem diante da objetividade" (GENRO FILHO, 2012, 194). Pode-se entender como a possibilidade do homem, inserido na sociedade, pensar além do fato, em direção a uma evolução. Dessa forma, o fato se constituiria a partir do significado que o acontecimento tem para o sujeito (GENRO FILHO, 2012, 195). Sobre o desenvolvimento desse olhar no Jornalismo, aproxima-se o raciocínio de Fritjof Capra (2012), físico crítico do pensamento cartesiano, que considera o estímulo a diferentes formas de perceber o mundo um ponto importante para a emergência de uma nova sociedade.

Em termos de ética profissional, de acordo com Karam, uma questão a ser combatida é o cinismo existente entre a divulgação do comprometimento com o interesse público, por parte dos códigos de ética das empresas de mídia, e sua verificação na prática: "A utilização de um discurso e sua negação operacional leva ao conceito de razão cínica." (2004, 100). Para o pesquisador, a esperança depositada no jornalismo passa por seu aceite de não ser um "conformado refém do presente", mas que serve "para mostrar que a negatividade social talvez seja suficientemente forte a ponto de levar o jornalismo a superar seus limites econômicos, políticos e ideológicos". (KARAM, 2004, 260) Mesmo que os assuntos das misérias da sociedade sejam expostos pela mídia, deve-se considerar o direcionamento da sua cobertura. Segundo Genro Filho (2012, 201), conforme as relações estabelecidas na formação do contexto da notícia a mesma pode ter uma perspectiva ideológica funcional ou revolucionária. No desenvolver do discurso da notícia, ele considera que a radicalização da singularidade do fato,

quando esta se transforma no conteúdo único da matéria, de forma acrítica, provoca "a impressão de naturalidade e eternidade das relações sociais vigentes" e "afirma a reprodução, o mundo como algo dado." (GENRO FILHO, 2012, 207). Ao reduzir o conteúdo ao aspecto do sensível, haveria um reforço do senso comum que vê o mundo como positivo e a reprodução de um conteúdo conservador. Ele conclui que, agindo desta forma, os jornais "geralmente produzem um discurso de reforço dos valores, como meio para excitar não apenas as sensações como também os preconceitos morais do público." (GENRO FILHO, 2012, 207).

Entende-se aqui, portanto, que a inclusão da ideia de atuação do jornalismo na sociedade com uma função crítica é condição para o surgimento da deôntica jornalística, conceito que, de acordo com Cornu (1994, 131), integra uma dimensão ética à dimensão deontológica (da prática e das técnicas) da profissão.