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A criação da categoria de professor de cultura entre os Xakriabá

Escola Xukurank Escola Bukimuju Escola Bukinuk

NOME DO PROFESSOR/A DE

5- Escola Estadual de Ensino Fundamental

2.4 A criação da categoria de professor de cultura entre os Xakriabá

A criação da categoria professores de cultura, entre os Xakriabá38, era uma antiga reivindicação, que encontrou muita resistência entre as pessoas “de fora”, envolvidas com a escola. E penso que entre os que encontraram resistência a essa ideia está o nosso grupo de pesquisadores/formadores39. O nosso argumento (dos formadores) caminhava no sentido de que não achávamos pertinente em uma escola que tem como eixo central e orientador a cultura, ter um professor específico para ensinar a cultura.

Dessa maneira, das reuniões que participamos, nas quais era discutida a possibilidade da criação de tal cargo, dois argumentos se contrapunham: o dos indígenas Xakriabá, que diziam ser importante um professor de cultura, para reforçar, na escola, as coisas da tradição, e os argumentos dos formadores, que diziam que esse reforço (da cultura) deveria vir de todos os professores da escola e que a criação de um cargo específico poderia retirar o compromisso dos professores das outras disciplinas com a questão.

Sr. Emílio parece concordar, em parte, com essa ideia: [...] eu acho que talvez

não era preciso, se os professor é índio, se ele é filho de um índio cultural, ele é cultural também, mas só que eles não quer acompanhar isso, né? Aí, nesse caso, é que tá entrando os de cultura. (outubro de 2011)

Na verdade, o que estava implícito nessas discussões eram os diferentes entendimentos do que é ou seria essa cultura, almejada pelos Xakriabá, que se faria circular nas escolas e, em um sentido mais amplo, além delas, e a partir delas. Ou seja,

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É importante notar que os Xakriabá foram o último povo indígena de Minas Gerais a conseguir instituir esse cargo em suas escolas. Categorias semelhantes foram adotadas entre os Pataxó, Krenak e Maxacali, já há muitos anos, sem que os mesmos encontrassem tanta resistência como os Xakriabá. Fica um dado importante para pensarmos sobre essa questão: entre os povos indígenas de MG, os Xakriabá são aqueles que conservam menos características dos indígenas imaginados pelo senso comum, aquela ideia dos

índios da “aurora da humanidade”. E, nesse sentido, outras questões se colocam: cultura? Professor de cultura “Xakriabá”? Em que termos?

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Ao longo do PIEI/MG, os grupos de formadores foram se vinculando de maneira mais efetiva a uma ou outra etnia, e, no meu caso, o vínculo se deu, justamente, à equipe que manteve uma relação mais direta com o povo Xakriabá.

84 por um lado, nós insistíamos na ideia de que a cultura é a maneira como vivem, sentem e significam a vida e que essas coisas estão expressas no jeito de falar, de cozinhar, de dar aula, de educar as crianças, entre outras coisas. Os Xakriabá insistiam na necessidade do professor de cultura, que seria o responsável por não deixar acabarem as tradições e que a escola era um lugar importante para reforçar e trabalhar essa ideia.

Do ponto de vista deles, esse professor teria mais tempo para se dedicar a esse tipo de ensino, coisa que já não acontecia com os demais professores, que envolvidos com a parafernália burocrática, não encontravam tempo para articular conteúdos obrigatórios e vida cotidiana. Assim, o argumento central era de que o professor de cultura seria, e é, como afirmou Zeza, um articulador das outras disciplinas da escola,

ele faz a interdisciplinaridade entre a escola e a tradição, que está fora da escola.

Dona Dalzira me disse que quando entrou para trabalhar na escola disseram a ela que o motivo de se ter uma professora de cultura era porque os professores estavam muito apertados: além dos cursos que eles fazem fora, ficava muito acarretado o trabalho do professor na sala, para trabalhar com a cultura, para eles buscarem fora da escola:

- Não tinha tempo de eles ir buscar uma coisa, pra eles ir nas casa ou procurar uma pessoa mais velha pra procurar e trazer pra sala, não dava tempo. Então, era pra ter um professor de cultura separado, mas trabalhando junto, porque eles também ensinam a cultura: só que assim, eles num sai assim pra buscar, porque não tem tempo, ai nós busca e ajuda eles. Mas eles da aula de cultura também. (julho de

2010)

Penso que, àquela altura, a orientação Xakriabá já era aquela prevista por Barth (2000), de que “grupos étnicos só se mantém como unidades significativas se acarretam diferenças marcantes no comportamento, ou seja, diferenças culturais persistentes.” (p. 34 e 35). E, nesse sentido, a circulação da cultura na escola, feita pelos professores e, principalmente, pelo professor de cultura, possibilita marcar essa diferença e persistir na sua continuidade.

85 Esse fato pode ser reiterado pelas aulas que assisti, onde é perceptível a insistência de alguns professores quanto ao fato de que as coisas que eles ensinam são parte da “nossa cultura”, como disse Sr. Emílio, ao passar pela aula de cultura de Deda, que eu acompanhava. A aula era em campo e Deda trabalhava o reconhecimento de diversas plantas locais. Ao se aproximar da turma, Sr. Emílio falou: Isso que ele tá

falando é cultura, vocês estão prestando atenção? Tão? Ou, ainda, como me disse o

professor de cultura Aílson (da escola Bukinuki, aldeia Sumaré I): as aulas servem para

seguir a tradição, não deixar acabar, incentivar as crianças, os jovens, para ter esse costume e não deixar acabar a tradição. Assim, podemos dizer que esses professores são, também, os responsáveis pela “estruturação das interações que permitem a persistência das diferenças culturais”. (Barth, p. 35)

De acordo com Zeza, depois de anos de discussão, os primeiros professores

foram contratados, mas como a SEE não os pagou, muitos desanimaram, saíram e não voltaram. Além da falta de pagamento, outro motivo que incentivou a não permanência

dos primeiros professores de cultura (que eram os mais velhos), foi o comprometimento com a aposentadoria: como muitos deles já estavam na eminência de se aposentar, caso fossem contratados pelo Estado, teriam problemas, pois, se vinculados ao Estado, teriam de equacionar tempo de serviço e idade. Assim, a maioria das escolas decidiu por uma reorganização, quando, então, entraram os mais jovens para o cargo, respondendo a um fluxo muito atual entre os Xakriabá. Os jovens têm ocupado, cada vez mais, cargos antes destinados aos mais velhos, como os de cacique, lideranças e também os de professores de cultura.

Durante todo o processo de negociação para instituírem os professores de cultura, os Xakriabá não recuaram de sua proposta, pelo contrário, insistiram, principalmente junto à SEE, para que se efetivasse a criação do cargo. De acordo com Maria José (Zeza), professora da escola Xukurrank, o argumento da SEE era de que o

próprio professor da turma deveria ministrar, também, a disciplina Cultura Xakriabá, prevista no Plano Curricular. Diante dessa tensão, acrescenta Zeza, foram três anos de negociações junto à SEE. E assim, a partir de intensa mobilização por parte dos

indígenas e entre negociações políticas, simbólicas e institucionais, realizadas com o protagonismo de diferentes atores, em 2007, os professores são contratados.

86 E a bem-sucedida concretização desse fato é explicada por Ivenira, diretora da escola Riacho dos Buritis, da seguinte maneira: vejo que antes de ter o professor de

cultura, o professor já tinha essa prática, mas consome muito tempo, pois tinha a exigência de trabalhar gramática, matemática, um monte de matérias e diários.

Argumento reforçado por José Reis, diretor da escola Bukimuju: eles ensinavam o que

sabiam, mas não tinham tempo de pesquisar, buscar novos conhecimentos, não sobrava tempo. Esse outro, o professor de cultura, já fica mais nessa área mesmo, aí fortalece.

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