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Sobre os novos rumos da história dos índios Xakriabá

Sobre os índios Xakriabá

1.1 Sobre os novos rumos da história dos índios Xakriabá

Sem dúvida, um acontecimento muito potente, comparável ao ocorrido nos anos de 1980, que marca, divide e descentraliza a história recente Xakriabá, é a morte do cacique Manoel Gomes de Oliveira. Conhecido por Rodrigo ou Rodrigão, ele foi, desde os tempos da criação da FUNAI, na década de 1970, o cacique do povo Xakriabá, graças às suas intervenções, junto ao Estado, pelo reconhecimento das terras indígenas. Anos mais tarde, tornou-se vice-prefeito do recém-criado município de São João das Missões. Instaurou o primeiro conselho de lideranças e se tornou o maior representante político dos Xakriabá. Ganhou grande prestígio, graças ao apoio da FUNAI e do poder político local, e sua grande característica foi a maneira centralizadora de liderar, sendo que era a sua palavra, nas decisões e impasses, que sempre fechavam e resolviam as questões.

Rodrigo faleceu em 25 de abril de 2003, depois de quase trinta anos no poder12 e, a partir daí, uma nova configuração política que já se organizava, ganha força entre os

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O trabalho de mesa é feito por um pajé, que é médium. É ele que invoca os caboclos para ajudar na cura dos enfermos e que também conversa com Iaiá. Os pajés são eficazes conhecedores das plantas e, além fazerem o

34 Xakriabá. Essa configuração caracteriza-se por certa descentralização do poder, mas, principalmente, pela presença jovem no campo político. Assim, no ano seguinte à morte de Rodrigão, Domingos Nunes de Oliveira é aclamado cacique13 e, no mesmo ano, seu irmão, José Nunes de Oliveira14, é eleito o primeiro prefeito indígena de São João das Missões (e de Minas Gerais).

José Nunes de Oliveira foi nosso aluno no PIEI/MG e no FIEI (UFMG) e, antes de ser prefeito, foi professor e diretor, por oito anos, da escola Indígena Bukimuju. Tanto ele como seu irmão, o cacique Domingos, são filhos de Rosalino Gomes de Oliveira, protagonista na luta contra posseiros na terra Xakriabá, morto em uma chacina ocorrida em 1987, na aldeia Itapecuru, mesmo ano em que fora homologada a terra indígena, demarcada desde 1979.

Esses fatos vão se configurar em um novo tempo para os Xakriabá, com a presença de um cacique e um prefeito jovens (eleito por duas vezes). A característica desse novo momento político passa a ser a descentralização do poder15, diferente da época de Rodrigão, e essa descentralização

Acaba concedendo mais poder às lideranças das diversas aldeias e legitimando-o [o cacique Domingos] como um cacique conciliador. Essa mudança acaba permitindo o florescimento de novas associações Xakriabá, protagonizadas por novas e antigas lideranças, além de professores indígenas. As associações passam a executar projetos relativos à agropecuária, meio- ambiente, saúde e os projetos culturais. (Santos, 2010, p.41)

Essa nova configuração política dos Xakriabá vem confirmar, também, um movimento de juvenilização16 que tem se instituindo nessa TI, desde a morte do “velho” cacique Rodrigo, 12

É importante notar que a sepultura de Rodrigo não foi instalada, como as outras, no cemitério da aldeia, mas ao lado da única igreja católica do território, na aldeia central, e em lugar que lhe confere destaque e visibilidade. Ela está, emblematicamente, situada entre a igreja e a escola.

13Na versão atualizada sobre o papel do cacique encontramos a seguinte descrição: “Ao cacique cabe resolver, com a ajuda dos representantes, as demandas por terra para o desenvolvimento de cultivo e da criação de animais pelas famílias, a definição de novas residências, o zelo pela segurança interna, a fiscalização e proibição do

comércio de bebidas alcoólicas e dos ambulantes comerciais.” (Escobar, 2012, p.120) 14

É importante ressaltar que José Nunes de Oliveira foi o primeiro prefeito indígena de Minas Gerais, eleito em 2004 e reeleito em 2008.

15“As mudanças promovidas com a sucessão, após a morte do Rodrigão, provocaram uma mudança no exercício do poder já que, com o sistema implantado pelo Cacique Domingos, mudou-se a lógica das relações entre as

aldeias e o cacique geral. Um processo mais democrático ocorreu [...]” (Escobar, 2012, p. 126-127)

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Na discussão sobre as gerações, os elementos [...] dão conta de uma visão peculiar da juventude: há o estabelecimento da relação entre a nova geração e o projeto de futuro do povo Xakriabá, sob a perspectiva de

35 e encontra ressonância nas contratações dos jovens para o cargo de professores de cultura, como veremos mais adiante.

No mesmo ano (2004) em que são eleitos o novo cacique e o primeiro prefeito indígena Xakriabá, chega às terras indígenas a energia elétrica. Tudo isso somado - as mudanças advindas da implantação das escolas, em 1997, e o crescente número de empregos gerados, tanto pela escola como pela FUNASA, e os programas de distribuição de renda e aposentadorias - podemos afirmar que as mudanças ocorridas entre os Xakriabá foram sem precedentes, causando profundas transformações na TI, tanto do ponto de vista espacial como político e social.

A chegada dos salários sistemáticos a essa população, que vivia da prática agrícola de subsistência, em uma terra seca e árida, principalmente com os salários advindos dos professores e dos cargos gerados pela escola, pela saúde, entre outros, vai causar grandes transformações. Uma situação que demonstra claramente essa mudança é a troca dos cavalos, antes utilizados como os únicos meios de transportes, pelas motos e pelos carros, desde então, crescentes na TIX. Além disso, houve respeitável melhoria nas estradas e a construção de vários prédios escolares, além da abertura de postos de saúde em diversas aldeias, a ampliação das associações17 e a instituição de diversos projetos sociais18, culturais e educativos em diferentes aldeias.

garantir a lógica de desenvolvimento pretendida pela geração atual [...] o jovem é tratado como um elemento ativo na dinâmica interna da vida Xakriabá. (Escobar, 2012, p. 150).

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De acordo com levantamento feito por Escobar, em 2012, associações e organizações em funcionamento nos Xacriabá, são: Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Brejo Mata Fome; Associação Indígena Xakriabá da Aldeiá: Barreiro Preto; Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Sumaré e Peruaçu; Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Rancharia; Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Riacho dos Buritis; Associação Indígena Xakriabá de Santa Cruz e São Domingos; Associação Indígena Xakriabá da Barra do Sumaré; Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Prata; Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Morro Vermelho; Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Riacho do Brejo; Organização dos Grupos de Roça; Organização da Educação Indígena Xakriabá. (ob. Cit, p. 90)

18 Escobar (ob.cit) levantou 28 projetos em andamento nos Xacriabá, assim distribuídos: “22 de segurança alimentar, entre produção de alimentos – casas de farinha, roças, criação de animais, despolpadeira – compra de trator, captação de água, casa da medicina acompanhado da cozinha experimental. Os outros projetos são: 03 de

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Capítulo 2